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Aramis

Equus, para ver & pensar

Na semana passada, em reportagem enviada de Los Angeles, onde é correspondente do "Jornal do Brasil", o jornalista Silio Boccanera, contava que em 1978 a campanha feita pela United Artist nas semanas que antecederam a entrega do Oscar, em favor da escolha de Richard Burton como melhor ator, foi tão imensa e ostensiva que muito explicaram depois sua inesperada derrota para Richard Dreyfuss (por sua atuação em "A Garota do Adeus/The Good baye Girel", 1977, de Herber Ross) como saturação dos eleitores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de hollywood, uma reação do tipo "não agüento mais ver/ouvir esse sujeito". Essa versão é uma das poucas capazes de justificar porque Richard Burton, 53 anos, 30 de cinema, quase cem filmes, não, mereceu a consagração da dourada estatueta por sua extraordinária interpretação como o psiquiatra Martin Dysart em "Equus" (Cinema 1, hoje às 14,30 e 20,30 horas). Se Marcelo Mastroianni - outro dos indicados em 1978 para Oscar, por "Um Dia Muito Especial" de Ettore Scola, também justificaria a premiação, é fora de dúvida de que Burton deu o melhor de si na interpretação do conflituado personagem-base da peça de Peter Shaffer, transposta ao cinema com imensa dignidade por Sidney. Indicado a 3 Oscars - além de Burton como melhor ator, valeu também "nominations" ao estreante (no cinema) Peter Firth como ator coadjuvante e ao próprio autor da peça, Schaffer, que adaptou seu texto para o cinema - o fato de não ter sido galardeado em nenhuma das categorias, não retira, em nada, de "Equus" sua importância como obra artística. Aliás "Interiores", de Woody Allen, que concorreu na madrugada da última segunda-feira em 5 categorias (estreia programada para quinta-feira no Cinema 1, caso "Equus" não ganhe uma terceira semana) ou "Uma Mulher Descasada" de Paul Mazursky ( que deve substituir a "Amargo Regresso", 3 Oscars, de Hal Hashby, no Astor) também não foram premiados - embora, na opinião de quem já os assistiu, merecessem os troféus. No caso de "Equus" trata-se de uma obra de visão obrigatória a quem se interessa pelo bom cinema, pelo teatro e, principalmente, a psiquiatras, psicólogos - profissionais e estudantes, especialmente considerando que a peça continua inédita em Curitiba, Sucesso internacional em montagens das mais cuidadas, e que teve longas temporadas no eixo-Rio-São Paulo, sua transposição para a tela não poderia ser mais perfeita. Cineasta dos mais seguros, Lumet, 55 anos, que começou no teatro (1947) passou para a tv (1950/57) e estreou no longa-metragem com um dos mais importantes filmes dos anos 50 ("-Doze Homens e uma Sentença/"Twelve angry man, adaptação da teleplay de Reginaldo Rose), tem mostrado sempre uma grande identificação na transposição para a tela de peças das mais importantes, com textos de Tennesse Willians ("Vidas em Fuga/ The Fugitive Kind, 60), Arthur Miller ("Panorama Visto da Ponte" A View from the Bridge, 61) e Eugene O`Neil ("Long Day`s Journey Into a Night", 62, inédito no Brasil). Intercalado sempre sua obra, especialmente nos últimos anos, com roteiros dos mais diversos - desde o "Assassinato no Expresso-Oriente" (1974, do romance de Agatha Christie) ao cortante "Rede de Intrigas" (76, premiado com vários Oscars), a versão cinematográfica da peça de Peter Schaffer foi, há 2 anos passados, um novo exercício a Lumet: afinal trata-se de um dos textos mais densos e profundos do moderno teatro, que pela extensão de sua dramaticidade e consagrado nos palcos com os melhores intérpretes, exigia uma adaptação na tela a altura. Recorrendo ao próprio Schaffer para preparar o roteiro e amparando-se em apenas dois nomes famosos no elenco - Burton como o médico psiquiatra e o inglês Harry Andrews com o fazendeiro Harry Dalton, proprietário dos 7 cavalos cegados por um jovem de 16 anos, Alan Strang (Peter Firth), Lumet realizou basicamente um filme fiel a viagem interior que um psiquiatra em crise faz para, ajudando a um jovem conflituando, destruir-se em seus (falsos) conceitos. Justamente esta grandiosidade do texto de Schaffer - quase uma contestação a psiquiatra - tem feito com que "Equus" venha, há mais de cinco anos, impressionando as platéias mais exigentes do mundo. Mas um tema tamanha seriedade/ profundidade, capaz de fazer com que os espectador mais sensível também se questione em seus valores, tem que ter, tanto no palco como na tela, cuma direção seguríssima e, principalmente, interpretações das mais sólidas - pois, caso contrário, o risco da monotonia - e mesmo do ridículo - seria imenso. Felizmente, os 32 anos de experiência de Lumet, dirigindo os mais diferentes atores e percorrendo diversos caminhos (no passado chegando ao musical, com a transposição para a tela de "The Wiz/ O Mágico Inesquecível", baseado no espetáculo de Willian Brown, inspirado em "O Mágico de Oz") resultaram que "Equus' em sua transposição à tela se igualasse - e mesmo superasse, segundo alguns críticos - as mais perfeitas adaptação teatrais. Para quem assistiu, no Rio ou São Paulo, a montagem do texto, com Austran ao Rogério Froes, no papel central e o jovem Ricardo Blat como Alan Strang, por certo as comparações serão inevitáveis. Mas como a maioria do público não teve a felicidade de ver a peça - e este é o tipo do texto que é preferível não encenar, se não existir direção e intérpretes de real competência - a liberação afinal de "Equus", ameaçada por algum tempo de ficar na categoria dos filmes "malditos" pelos conceitos da antiga Censura - não deixa de se constituir em evento do maior significado. Como tantos outros grandes espetáculos que exigem do espectador um esforço mental, uma sensibilidade especial para absorver toda a carga de emoção pretendida pelo autor, "Equus", não é recomendável a quem busca o cinema como simples entretenimento. Mas, em compensação, é o exemplo claro do filme-recompensa a quem sabe exigir inteligência e criatividade na produção de uma obra capaz de oferecer elementos para reflexão, para uma auto-análise - pois nos dramas de Alan Strang e Martin Dysart, em seus conflitos interiores e transpostos/ explodindo de formas diversas, há muito de cada ser humano, especialmente na neurótica sociedade contemporânea, competitiva e solitária (na imensa multidão que a cerca), incapaz, na maioria das vezes, de entender o próximo, o vizinho, o amigo ou o colega - em seus momentos de fraqueza. Lumet, ao longo de toda sua obra, tem buscando os personagens conflituandos, extraindo sempre de cada um deles o que melhor podem oferecer - por mais patéticos e crueis que possam parecer. Assim, ao trabalho sobre um texto como o de Peter Schaffer - que na Broadway teve mais de mil apresentações recebendo os principais prêmios - encontrou uma excelente oportunidade de provar ( como se necessária fosse) que é, hoje, um dos mais importantes cineastas contemporâneos. O jovem Peter Firth, vindo do papel feito nos palcos em Londres, Colin Blakely, Joan Plowright, Eillen atkins e Jenny Agutter forman um extraordinário elenco - mas, sem dúvida, Burton, mereceria o Oscar por "Equus"- mais do que qualquer outro autor. A trilha sonora, de Richard Rodney Bennett (que anteriormente havia trabalhado com Lumet em "Assassinato no Expresso-Oriente") é vigorosa e, em sua edição em 4 - nos EUA, conservou além dos temas musicais, os intrigantes monólogos de Burton. Pena que a Copacabana, que no Brasil representa a United Artists Records, tenha sonegado dos colecionadores de sound-tracks documento sonoro tão importante - obrigando os aficionados a recorrer aos discos importados , hoje na casa dos Cr$ 500,00.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
17/04/1979

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