Filme de Greenaway é a grande expectativa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de novembro de 1989
Fortaleza
Com a exibição amanhã de "O cozinheiro, o ladrão, sua esposa e seu amante", do inglês Peter Greenaway - mas representando a Holanda o VI FestRio-Fortaleza chega não só a sua metade, como tem, o filme em que se depositam maiores esperanças. Considerado a maior revelação dos anos 80 do chamado novo cinema inglês, autor de filmes elogiadíssimos - mas que em circuito comercial ainda não chegaram a Curitiba ("A Barriga do Arquiteto" - disponível em vídeo, "Afogando em Números", programado para o Ritz), Greenaway trouxe da sua formação de artista plástico uma extraordinária estética para seus filmes e programas para televisão, como a série "TV-Dante" - cujos oito primeiros cantos da "Divina Comédia", também estão sendo apresentados aqui em Fortaleza - como um dos pontos de maior interesse da mostra de vídeo.
Elogiadíssimo na mostra paralela em que foi apresentado no último festival de Veneza, "The cook, the thief, his wife and her lover", tem sua ação centrada no restaurante L'hollandais, em torno dos conflitos que se armam entre os personagens: um cozinheiro perfeccionista e observador, um ladrão que o frequenta todas as noites, acompanhado de sua mulher e seus capangas. A fotografia é de Sacha Vierny, o mestre das imagens dos filmes de Alain Resnais ("O Ano Passado em Mariembad"), cineasta do qual Greenaway se diz totalmente influenciado. Apesar de convidado especial, ele não pode (ou não quis) vir ao festival, no qual também ficou ausente outro "cult-director", dos mais badalados Jim Jammurschi, de quem foi exibido ontem à noite, na mostra informativa, seu "Mistery Train" (visto em Curitiba, em 6 de novembro, na abertura do restolho da Mostra Internacional de Cinema).
O Amplo Painel
Humor, seriedade e tragédia, num filme perfeito no qual se discute a opressão, o novo e o velho, os rigores da educação e do autoritarismo familiar, fazem de "A Sociedade dos Poetas Mortos" (1989 de Peter Weir, lançamento nacional dia 25 de janeiro) um filme perfeito para dar a ampla visão que uma amostragem de cinema deve ter. Escolhido para a noite de abertura do festival - que teve as presenças do governador Tasso Jereissati, prefeito Ciro Gomes e secretaria da cultura Violeta Arraes, entre outras autoridades, no cine São Luiz.
O filme do australiano Peter Weir (radicado nos EUA) é daquelas obras que induzem à reflexão e à discussão - o que justificará, inclusive, que quando de seu lançamento comercial, dentro de dois meses a Warner faça um trabalho especial para atingir educadores, pais e estudantes - inclusive porque para uma faixa jovem, desde que inteligentemente motivada, "Dead Poets Society", tem excelentes pontos de atração.
Os primeiros filmes
"Mr. Universe", do húngaro Gyorgy Szomjas, que abriu a mostra competitiva, estará eliminado se o regulamento for seguido a risca: sem legendas, fez com que o cinema ficasse vazio na sessão para a imprensa e teve sua exibição à noite cancelada. Também o representante da Argentina, "Cypayos", do Jorge Cascia, corre o risco de ficar de fora na competição: a cópia exibida só foi legendada nos diálogos em inglês, mantendo-se em 70%. A versão original, misto de "West Side Story" com Brasil, uma espécie de "science-fiction-musical-simbólica", esta requintada produção, com fotografia e cenografia cuidadosa, claramente inspirada nas belíssimas fitas de Fernando Solanas ("Gardel" e "El Sur"), "Cypayos" mostra uma hipotética ação na qual Buenos Aires tomada pelos ingleses devido a Guerra das Malvinas, tem o tango proibido de ser tocado, cantado ou dançado. Um grupo de jovens resiste e com muitas seqüências de dança e canto na rua, a lembrança com o musical "West Side Story" é óbvia - embora distante daquele clássico de Robert Wise.
"La Luna Negra/A Lua Negra", de Imanol Uribe, representando a Espanha, um filme de terror, livremente inspirado na lenda de Lilith (a primeira mulher de Adão, que se uniu aos demônios), foi uma decepção: apesar de um bom ritmo e boas imagens, não resiste a uma visão crítica. Fará entretanto, boa carreira comercial se for adquirida por algum distribuidor. Já o filme checo, "Tio Cyril", é pesado, denso, abordando um tema amargo - a loucura numa família de posses em Praga, com conflitos de um ambicioso engenheiro que ao dar o "golpe-do-baú" e casar com uma jovem herdeira de uma fábrica de sabão, envolveu-se num ambiente familiar terrível (seu cunhado é louco e violenta a irmã; a velha tia o odeia; torna-se amante de uma empregada da casa que o chantageia e seu filho herda a loucura da família).
Para um filme vindo de um país, socialista, "Prokleti Domu Hajnu", direção de Jiti Svoboda, 15 anos de cinema, muitos longa-metragens, mas até agora inédito no Brasil, não deixa de ter algumas conotações liberais. Mostra a existência do capitalismo (a família Janova possui uma lucrativa indústria) e, principalmente, aborda pecados tão selvagens como de nossa sociedade: a busca a qualquer preço de uma situação financeira privilegiada por parte do ambicioso engenheiro Peter Svejar, as dificuldades de uma família em enfrentar o terrível problema da loucura de um filho: o incesto e a violência. A fotografia (Vladimir Smutny) é magnífica, com utilização de filtros azuis e a intérprete principal, Petra Vancikova - na dramática personagem Sonia Hajnova, que acaba enlouquecida e suicidando-se, já era mencionada, nos primeiros prognósticos, como candidato ao Tucano de Prata de melhor atriz. Mas para este há outra candidata com muitas chances: Irene Ravache, Por "Que bom te ver viva", aplaudido de pé, pelo público que o assistiu na noite de sexta-feira e que deve repetir aqui ao menos em alguma premiação o que conseguiu há três semanas em Brasília.
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