Login do usuário

Aramis

Gismonti, sonho - 70 como se fosse hoje

Egberto Gismonti (Carmo, RJ, 5/12/1944) não é apenas um dos maiores talentos da música brasileira – hoje de prestígio internacional – mas também um artista cuidadoso e surpreendente. Desde seu início de carreira e lá se vão quase 20 anos – sempre realizou trabalhos da maior dignidade artística. Sua imensa discografia é sempre renovada com novas propostas mas a rapidez com que produz não significa descuido ou improvisão no mau sentido. Improvisação, pode ser, mas em termos jazzísticos, pois Egberto não se prende a esquemas rígidos. Agora, quando exigiu uma Segunda edição de "Bandeira do Brasil", seu elepê feito na Odeon, no ano passado – modificando algumas faixas e, no Exterior, a ECM lança um novo álbum gravado em algum estúdio do mundo (Gismonti viaja tanto que é difícil acompanhar sua carreira) a Polygram reedita "Sonho 70", realizado há 15 anos passados. Não sabemos se a multinacional consultou ou não a Gismonti (contratualmente não necessita), mas não há razão para Egberto reclamar. Como todos os discos que fez, este "Sonho 70" é um trabalho adulto, marcante e maravilhoso. Reflete, obviamente, o artista de uma outra fase – 15 anos mais jovem mas com toda a tesão, a garra, de quem havia trocado há poucos anos (1967) uma bolsa de estudos de piano em Viena para se lançar numa carreira instrumental na música popular. Em 1968, Egberto já participava do III FIC com "O sonho", interpretada pelo suave Os Três Morais, para a qual fez arranjo para orquestra de 100 integrantes. Nessa época foi à Europa, onde estudou na França com Jean Barraqué e, a partir de 1969, mesmo sem falar francês, regeu a orquestra e fazia os arranjos para a cantora-atriz Marie Laforêt. Seu primeiro disco saiu em 1969 pela Elenco e na Europa fez dois compactos e dois elepês – um deles o famoso "Orfeu Novo", produzido na República Federal da Alemanha pelo crítico de jazz Joachim Berendt. De volta ao Brasil, em 1970, fez este "Sonho 70", produção de Roberto Menescal, no qual fez arranjos e regências e que teve a emotiva participação vocal de Dulce Nunes, uma das mais sensíveis cantoras dos anos 60 – hoje afastada das gravações mas dirigindo executivamente a Carmo, etiqueta criada por Egberto para lançar basicamente elepês de instrumentistas, preferencialmente jovens de talento. Ouvindo-se agora "Sonho 70" sente-se que a obra de Gismonti é tão forte e vigorosa que não envelhece. Ao contrário, como um bom vinho (perdoem os clichês mas é a imagem que melhor surge) torna-se ainda melhor com o passar do tempo. Entre este "Sonho 70" a "Bandeira do Brasil", Gismonti fez as mais diferentes experiências, gravou com grandes jazzistas e orquestras perfeitas, descobriu as potencialidades da parafernália eletrônica e na sua usina de criatividade se renova sempre. Mas dizendo as palavras (nunca se considerou um cantor, mas sim um intérprete) de "Mercador de Serpentes", "Lendas (parceria com Paulinho Tapajós), "Ciclone" e "indi" *(parcerias com Arnaldo Medeiros) ou "Lírica no.1" transmite uma incrível dose de suavidade e emoção. Tão grande quanto as molduras sonoras dos temas instrumentais – como "Parque Laje", "Janela de Ouro" e "Sonho". Um disco que não envelheceu – ao contrário, está mais novo do que em 1970. "Sonho 70" poderia ser "Sonho 85" e mostra que talento não sofre com os modismos. Qualidade permanece. É Egberto Gismonti é talento e qualidade na mais ampla extensão destas palavras. Feliz idéia da Polygram em relançar este disco – proporcionando que uma nova geração possa conhecer um Egberto de 26 anos – já tão admirável e maravilhoso como o Egberto dos 40.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
27/01/1985

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br