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Mangueira sem ilusões em documentário belga

A Mostra Banco Nacional de Cinema, (cine Ritz, até domingo), que nesta sua terceira edição chega a Curitiba, exclusivamente graças ao patrocínio do Banco Nacional e a boa vontade do Cine Clube Estação Botafogo, incluiu também uma seleção de filmes trazidos ao Brasil pela Comunidade de Francófona da Bélgica, numa iniciativa do monsieur Raymond Rayel, diretor local da Aliança Francesa. Na semana passada, monsieur Jean-Marie Warêgne, representante da Comunidade Francófona, esteve em Curitiba, fazendo uma conferência - ocasião em que se surpreendeu ao verificar que os filmes cedidos pela sua instituição haviam sido prejudicados em horários que, dentro da mostra, estão tendo reduzido público - e, ao contrário de algumas outras produções selecionadas, não estão merecendo reprises. Com isso, justamente o primeiro filme da programação (excluindo "O Corpo" que teve exibição na segunda-feira), foi um notável documentário, rodado inteiramente no morro da Mangueira, Rio de Janeiro, e que foi visto por apenas 15 espectadores: "A Flor da Terra". Produzido com recursos francobelgas, este documentário realizado em 1980 oferece uma visão sincera dos contrastes sociais numa favela do Rio de Janeiro, com depoimentos de um sacerdote que ali desenvolve um trabalho pastoral de base, o presidente da Escola de Samba - e também da comunidade, e, especialmente a contundente participação de Eurípedes Eunice Castro, fundadora e presidente da Associação das Prostitutas do Rio de Janeiro. Centrado no trabalho das prostitutas da Vila Mimosa - remanescente do antigo Manguê - o depoimento de Eurídice é sincero, bem articulado, politicamente válido - numa participação das mais corajosas num documentário que realizado por um belga, Thierry Michel, procurou respeitar o universo social que suas câmeras captaram. A violência, tráfico de drogas, umbanda, carnaval, prostituição e outros aspectos do dia-a-dia do morro da Mangueira - como de tantas outras favelas brasileiras, ganharam neste emocionante "A Flor da Terra" uma radiografia exemplar. Destinado a exibição no Exterior - levando obviamente, uma imagem contrária aos dos mentirosos cartões-postais turísticos brasileiros - este documentário, que se insere também dentro daquilo que se pode chamar de cinema de utilidade pública, é o exemplo de filme que mereceria ter mais de uma exibição - sendo de se lamentar que apenas uma dezena de espectadores o tenham assistido. Outro exemplo de filme do real trazido pela mostra é o premiado "Viagem da Esperança" (Raise der Hoffnung), produção turco-suíça, de Xavier Koller, Oscar-90 como melhor filme estrangeiro e Leopoldo de Bronze-Locarno 90. Abordando o drama dos imigrantes turcos que buscam melhores condições de vida na Suíça, este filme emociona pela sua atualidade - já que as migrações na Europa se agravaram nos últimos meses, após a mudança do mapa político e com milhões de pessoas buscando países em que, aparentemente, podem encontrar melhores condições de vida. Com um elenco de intérpretes turcos, perfeita fotografia de Peter Fuerner e a trilha sonora produzida por Manfred Eicher (da ECM Records), que reúne o brasileiro Egberto Gismonti aos músicos que tem com ele feito muitas gravações, "A Viagem da Esperança" é uma obra exemplar, merecedora do Oscar - e que lamentavelmente não tem previsão de lançamento comercial no Brasil. Portanto, vale a pena assisti-la amanhã, às 18h, em sua reprise. No programa de hoje, a abertura da programação (16h, cine Ritz), será com outro filme, dos mais elogiados, "Noces em Galilée", 1987, de Michel Kheifi, que aborda conflitos entre judeus e palestinos (lamentavelmente, este semidocumentário também não terá reprise). Às 18 e 22h, será exibido "Tilai - Questão de Honra", de Idrissa Quedraogo, Grande Prêmio do Júri em Cannes, no ano passado. Quedraogo, 37 anos, nasceu em Burkina Faso, e é um dos jovens cineastas africanos mais elogiados pela crítica européia. Na sessão das 20h, será apresentado "Home, Sweet Home", 1973, de Benoit Lamy, 46 anos, rodado num bar para anciãos situado nos arredores de Bruxelas - analisando os conflitos e problemas entre pessoas idosas. Para amanhã, além das reprises de "Tilai - Questão de Honra" e "A Viagem da Esperança" (16 e 18h, respectivamente) haverá o lançamento de "Sanpaky - O Olho da Ambição", possivelmente com a presença do diretor José Joffily Filho. Às 22h será reprisado "O Corpo", de José Antônio Garcia.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
17/10/1991

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