A "Memória Viva" deste nosso Brasil através de Magalhães
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de março de 1992
Com atraso de cinco anos, os curitibanos interessados em cultura e realidade nacional poderão conhecer um dos mais importantes documentos visuais já produzidos no Brasil: "Memória Viva", longa-metragem de Octávio Bezerra, 36 anos, que terá uma única exibição (quinta-feira, 12, 20h30, auditório Brasílio Itiberê, Rua Ébano Pereira, 240).
Apesar das premiações obtidas - o especial do júri do IV Festival de Cinema, TV e Vídeo do Rio de Janeiro (87), melhor filme e fotografia do 21o. Festival de Cinema de Brasília (1988); Prêmio da Federação Internacional de Cineclubes - IV FestRio: Prêmio Paulo Emílio Salles Gomes da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo na XVII Jornada de Cinema da Bahia (88), recomendação da Ocic e destaque do júri no X Festival Internacional de Nuevo Cine Latino Americano (Havana, 88), "Memória Viva" permanece praticamente inédito. A Embrafilme, quando da realização do filme, boicotou sua distribuição, alegando uma triste figura que passou por sua presidência que se tratava "de um filme muito difícil". Com isto, um retrato honesto, profundo e extremamente realista sobre as contradições culturais do Brasil está inédito praticamente em todo o país.
Graças a iniciativa do Museu da Imagem e do Som- Paraná, agora os curitibanos que se interessam em conhecer questões culturais a partir de idéias de um grande brasileiro - o designer, professor e artista plástico Aloísio Magalhães - poderão assistir o filme de Octávio Bezerra. Com a presença do diretor, que estará, com sua forma sincera de expor suas idéias, falando sobre o que o levou a realizar este filme que discute os mais diferentes aspectos daquilo que se pode chamar de cultura popular no Brasil.
A leitura de um livro em que Aloísio Magalhães (1927-1982) reuniu vários textos ("E Triunfo? A Questão dos Bens Culturais do Brasil". Editora Nova Fronteira- Pró-Memória, 1985) foi o ponto de partida para este documentário que numa linguagem objetiva, com participações de nomes conhecidos de vários setores fez um mapeamento das diferentes manifestações culturais - e especialmente dos problemas - que acontecem em nosso país. Para todos que são ligados a instituições e entidades culturais - os nossos chamados "animadores culturais" - e a intelectualidade tem o dever de conhecer este filme.
Igualmente indispensável para os designers, estudantes de desenho industrial e programadores visuais um filme calcado sobre a personalidade de Magalhães, professor da pioneira Escola Superior de Desenho Industrial no Rio de Janeiro, idealizador do centro Nacional de Referência Cultural, depois Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Pró memória e, por fim a Secretaria da Cultura do MEC, cargo que ocupava, quando numa reunião dos ministros da Cultura dos Países Latinos, em 13 de julho de 1982, sofreu duas hemorragias cerebrais, vindo a falecer em Pádua. Aloísio criou símbolos e marcas para uma centena de empresas e instituições, inclusive a do IV Centenário do Rio de Janeiro.
Ivens de Jesus Fontoura, professor e designer, entendeu a importância da exibição e organizou uma exposição com trabalhos de Aloísio Magalhães, promovida pela Bienal de Designen e que será aberta no MIS-PR (Rua Barão do Rio Branco, 395), às 18h30 de quinta-feira.
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A vinda de Octávio Bezerra a Curitiba não se limitará a apresentação de "Memória Viva". Na sexta-feira, no mesmo auditório Brasílio Itiberê, estarão sendo exibidos dois outros filmes: o média-metragem "A Resistência da Lua", 85, sobre um bairro de Salvador, que obteve premiações em Havana, na XV Jornada da Bahia e foi levado a festivais na Alemanha, Austrália, Itália, Suécia e EUA. Na mesma noite, "Uma Avenida Chamada Brasil", o mais completo documentário já realizado sobre a violência urbana no Rio de Janeiro. Medalha de prata no 31o. Festival de Cinema e Vídeo de Nova York, destacada em outros festivais, esta contundente denuncia sobre as favelas nas margens da Avenida Brasil no Rio de Janeiro - e toda a relação do crime organizado, teve grande impacto em todos os países onde vem sendo apresentado. No Brasil, infelizmente, é quase inédito, o que torna a sua projeção na sexta-feira uma oportunidade de todas as pessoas ligadas a segurança e violência - hoje mais do nunca a questão prioritária em nosso país, assistam este documento - seguido de debates com seu realizador.
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Mesmo chateado com a falta de exibição de seus documentários no Brasil, Octávio Bezerra continua um incansável garimpeiro de nossa realidade. Em 1989/90, realizou um filme sobre a destruição nas reservas da Amazônia ("Halting The Fires", prêmio especial do Júri no Okomédia-90, Alemanha) exibido em vários países europeus e agora acaba de terminar "A Dívida da Vida" (Life Lieability), produzido com recursos da televisão inglesa, onde terá nas próximas semanas suas primeiras exibições.
Desde 1987, quando assistimos a "Memória Viva" no IV FestRio, temos dedicado em nossas colunas espaço prioritário ao cinema de Octávio Bezerra, pela importância de seus filmes em relação a realidade brasileira.
Agora, com a iniciativa do MIS-PR em trazê-lo a Curitiba, com dois de seus longas e um média, acontece a oportunidade das pessoas que realmente se interessam pelo cinema responsável e de idéias conhecer os trabalhos de um dos nossos mais lúcidos e conscientes cineastas. Quinta-feira, voltaremos a dedicar a coluna a "Memória Viva".
FOTO LEGENDA: Filmado em vário estados, "Memória Viva", um dos mais premiados documentários sobre a cultura brasileira, permanece inédito há 5 anos. Finalmente, terá uma única exibição na próxima quinta-feira, dia 12, no auditório [Brasílio] Itiberê da Secretaria da Cultura.
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