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Aramis

"Orí", um filme-tese sobre a cultura negra

Embora ainda não se saiba quais os filmes - dos poucos em fase de finalização - que estarão concluídos a tempo de disputarem o XVII Festival do Cinema Brasileiro de Gramado (11 a 17 de junho), há um documentário que se for aceito pela comissão de seleção vai, por certo, provocar discussões - e poderá se tornar o must do próximo evento na cidade serrana: "Orí", de Raquel Gerber, longa-metragem (1h56) e série para TV (3 partes), filmado no Brasil (São Paulo, Minas Gerais, Alagoas) e África Ocidental (Senegal, Mali e Costa do Marfim). "Orí" vem desde 1977 acompanhando o processo dos chamados Movimentos Negros no Brasil e na América, através de suas lideranças, pensamento e ideologia. Documenta a existência das culturas negras transmigradas da África para América, na busca dos nexos históricos fundamentais de comunidades negras do Sul do Brasil. xxx Embora esteja inédito no Brasil - e mesmo as notícias a seu respeito foram, até agora, reduzidíssimas na imprensa nacional - "Orí" já recebeu uma premiação: representando o Brasil no Fespaco - Festival Pan-Africano de Cinema de Guagadougou, encerrado no dia 4 de março, ganhou o prêmio Paul Robeson, 1º lugar para filmes produzidos fora da África, numa decisão unânime do júri. O Fespaco, realizado em Guagadougou (capital de Burkina Faso, antigo Haute Volta), é considerado o mais importante festival de cinema da África. A edição deste ano homenageou o cinema latino-americano, relacionando os mesmos problemas de mercado (dominação dos monopólios), dificuldades financeiras, censura etc., enfrentados pelo jovem cinema africano. Os filmes em competição concorreram a dois grandes prêmios: o Etalom de Yennenga para produções da África (79 filmes em disputa) e Paul Robeson para produções do resto do mundo. "Orí" concorreu com 25 representantes (EUA, Inglaterra, França, Argentina, URSS, Cuba, Índia etc.) e paralelamente houve uma mostra de mercado, onde participaram aproximadamente 160 filmes de todo o mundo. xxx Raquel Gerber, socióloga, cineasta, pesquisadora e historiadora do cinema, ensaísta e fotógrafa, que passou os últimos anos dedicada à realização de "Orí", foi a única cineasta brasileira no Fespaco, cuja abertura - nos conta - ocorreu num estádio com a presença de 50 mil pessoas (5 mil convidados estrangeiros). As projeções, em 14 cinemas diferentes com 3 sessões diárias, estavam sempre lotadas, com um público total estimado em 800 mil pessoas. "O número elevado de filmes participantes revela a importância que é dada ao cinema, não só pela público, como também pelo governo. Não só em Burkina Faso como nos países vizinhos, existe uma grande consciência da importância cultural e política do cinema que serve como instrumento na difusão das idéias, costumes e lutas dos povos." Autora da tese "O Mito da Civilização Atlântica - Glauber Rocha e o Cinema Novo, Cinema e Sociedade" (editado em 1978 pela Paz e Terra) e também de "Cinema Brasileiro e Processo Político e Cultural" (de 1950 a 1978) (Edição Embrafilme, 1982), tendo trabalhado com Paulo Emílio Salles Gomes (na Cinemateca Brasileira), Glauber Rocha, Hector Babenco e Orlando Senna, Raquel realizou entre 1977/81, um outro estudo sobre a cultura negra em São Paulo ("Ylê Xoroquê", 1977/81). "Orí" é um projeto que vem desenvolvendo há 11 anos e que só finalizou no ano passado. "Orí" significa "Cabeça" - consciência negra na sua relação com o tempo, a história e a memória - um termo de origem Yorubá, povo da África Ocidental. "Orí" conta a história de uma mulher, Beatriz Nascimento, historiadora e militante, que busca sua identidade através da pesquisa da história dos "Quilombos" como estabelecimentos guerreiros e de resistência cultural, da África do Século XV e do Brasil do Século XX. Com música original de Naná Vasconcelos, direção de fotografia de Hermano Penna ("Sargento Getúlio", "Fronteira das Almas") (mas ao longo das filmagens outros profissionais também operaram a câmara), "Orí" é um filme tese, seriíssimo em sua proposta - que mesmo só concluído há poucos meses (quando o ideal teria sido em 1988, nas comemorações do centenário da Lei Áurea), destina-se a ser uma das produções de grande repercussão. Hoje, fazemos aqui apenas o primeiro registro - mas anotem que "Orí" voltará a ser notícia muitas vezes. LEGENDA FOTO - Hermano Penna e Raquel Gerber em filmagens na África para "Orí", um documentário destinado a ter grande repercussão este ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/04/1989

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