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Festival de Gramado (I) - Poucos filmes mostram a crise de nosso cinema

GRAMADO - Março - o 13º Festival de Cinema de Brasileiro, que se realiza nesta cidade, com encerramento amanhã à noite, quando será projetado Hors Concours "Cabra Marcado para Morrer", o grande premiado no FestRio, em novembro/84, é bem um reflexo da crise do cinema brasileiro. Se no festival do ano passado haviam sido inscritos 24 longas-metragens, dos quais foram selecionados dez, este ano a Comissão de Seleção teve que escolher os seis filmes concorrentes aos "Kikitos", entre apenas 8 filmes que chegaram. Assim, apenas dois foram desclassificados: "Instinto Devasso", de Luís Castelani, pornoprodução de pretensões intelectuais, e "Insônia", realizado com imensas dificuldades pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio de Janeiro. Esse filme, em três episódios, inspirados em contos de Graciliano Ramos ("Uma Ladrão", de Nelson Pereira dos Santos", "A Prisão de J. Carlos Gomes", de Luís Paulino, e "Dois Dedos" de Emanuel Cavalcanti), terá hoje à tarde uma exibição paralela, fora do festival. De mais de 40 curtas-metragens inscritos, foram selecionados dezoito: nove concorrendo na categoria regional e dez na nacional (um dos gaúchos participa duplamente). A mostra dos dois primeiros dias do festival foi considerada fraca: "Ela e os Homens", filme do cineasta mineiro Schubert Magalhães, falecido há dois anos e completado pelo produtor Paulo Leite Soares, abriu o festival, na segunda-feira. Foi decepcionante e criticado pelos próprios intérpretes, Cláudia Campos e Renato Coutinho, que, nos debates realizados na terça-feira, afirmaram que ficaram decepcionados com o resultado final. Também decepcionante foi "A Noite", que o estreante Gilberto Loureiro realizou com base numa das menos conhecidas novelas de Érico Veríssimo, roteirizada por José Loureiro. Já apresentada no FestRio, há 5 meses. "A Noite", rodada em Porto Alegre, com bons cuidados de produção, não possui o ritmo e o clima que se esperava. Apenas dois pontos positivos no filme: a belíssima trilha sonora de Sérgio Sarraceni, que utiliza com muito bom gosto "Mulher" (Custódio Mesquita) e também temas de Lupiscínio Rodrigues, alternando com momentos jazzísticos, e a interpretação segura, bem humorada e marcante de Otávio Augusto, no papel do delegado Schwaab. Na quarta-feira, foi exibido "Estrela Nua", da dupla Ícaro Martins e José Antônio Garcia, que há 3 anos foram destaques aqui com "O Olho Mágico do Amor". Ontem à noite foi apresentado "Marvada Carne", do estreante André Klotzel, de São Paulo, aguardado com muitas expectativas. Para hoje, sexta-feira, serão apresentados os últimos dois longas, em disputa dos prêmios: "Espelho da Carne", de Antônio Carlos Fontoura, um porno-chic, que concorreu no FestRio, representando o Brasil (e recebido com vaias) e o ultrabadalado "Patriamada", de Tizuka Yamazaki, que na próxima semana deverá ter uma pré-estréia em Curitiba. CURTAS EM QUESTÃO Antônio de Jesus Pfeill, 46 anos (um dos nomes mais ativos do cinema gaúcho e com profundas ligações com Curitiba, aqui já fez vários trabalhos, em colaboração com a Cinemateca do Museu Guido Viaro), mostrou, mais uma vez, sua irreverência, ao realizar um curioso curta: "Último reduto de minha virgindade", inteiramente construído com trechos de cine-jornais, traillers e antigos filmes nacionais e estrangeiros, numa montagem bem humorada. Explica Jesus (participante praticamente de todos os Festivais de Gramado e que desenvolve importante trabalho como pesquisador) que tinha três projetos para desenvolver, em 1984: um de Cr$ 20 milhões, com o título de "Balada dos Farrapos"; outro, de Cr$ 10 milhões, sobre quebra-quebras ocorridas em porto Alegre; e um terceiro, de custo de Cr$ 5 milhões - "Adios, pampa mia". Como não conseguiu nenhuma ajuda, decidiu recorrer ao seu acervo de mais de 400 latas de filmes, que preserva em sua casa, em Canoas, na Grande Porto Alegre, e, trabalhando muitas horas na Moviola, conseguiu montar um curta de 9 minutos, no qual, criticamente, colocou até uma breve seqüência do velório de Glauber Rocha (grande amigo e Guru de Jesus), e, em sua arqueologia de imagens, algumas de uma visita que o ator José Lewgoy fez, nos anos 50, à cidade de Passo Fundo, documentado por um cine-jornal gaúcho, Lewgoy, presente ao festival, foi aplaudido pelo público presente no Cine Embaixador, quando suas imagens (bem jovem ainda) apareceram na tela. Na manhã de quarta-feira, no hall do Hotel Serra Azul, indagava a Jesus Pfeill: - Onde é que você conseguiu buscar essas imagens, pois eu até tinha esquecido dessa visita? Jesus contou que havia encontrado um antigo cine-jornal, que de imediato interessou a Cosme Alves, conservador da cinemateca do MAM-RJ e infatigável garimpeiro de nossa memória cinematográfica. O curta também usou uma breve seqüência em que Lewgoy contracenava com Darlene Glória, de um filme do qual também nem mais se recordava: "Os Viciados". Outro curta apresentado na quarta-feira foi "Colombia Forever", que seu realizador, o lusitano-gaúcho David Quintans (que, como ator, apareceu em "Memórias do Cárcere") define como "uma piada, apenas". Outro curta exibido na mesma noite, "O Som", do carioca Arthur Omar, foi recebido com a mesma frieza com que já havia sido recebido no FestRio: pretensioso e supostamente intelectual. Em compensação, pela simplicidade, humor e simpatia. "O bom pastor", realizado com o grupo de bonecos, "100 Modos", de Porto Alegre, obteve entusiásticos aplausos da platéia e, merecidamente, concorre tanto ao "Kikito" de melhor curta gaúcho como à premiação nacional. A SURPRESA CUBANA A I Mostra do Cinema Latino-Americano, organizada por Cosme Alves, foi aberta na segunda-feira, com "Maria de Micorazon", produção mexicana dirigida por Jaime Humberto. Se esse primeiro filme dessa mostra paralela não entusiasmou, já "Los Pajaros Tirandole de la Escopeta", produção de 1984 do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica, mereceu longos aplausos. A deputada Beth Mendes, que integra o júri do Festival, era uma das mais entusiasmadas pelo belo, bem humorado e comunicativo filme cubano, dirigido por Rolando Diaz e que aborda uma temática universal: um casal de viúvos se enamora e gera reações negativas junto aos filhos de ambos, que também estão apaixonados. Disse Beth: "Entrei para ver um filme e vi um espetáculo. Que bom filme, com ternura e emoção". A Mostra do Cinema Latino-Americano selecionou seis filmes inéditos, mostrando cinematografias de países dos continentes: após "Canaguaro", Colombia, de Dunay Kutzmanich, e "Carmen, la contaba 16 anos", Venezuela, de Roman Chalbaud (mais uma versão inspirada em "Carmen", de Prosper Merimée), hoje serão exibidos à tarde, "Los últimos dias de la victima", Argentina, de Adolfo Aristarain, e o documentário "O Evangelho Segundo Teotonio", de Vladimir Carvalho. A mostra do Cinema Latino-Americano não tem aspecto de competição. É apenas uma oportunidade para se conhecer filmes que não chegam aos circuitos comerciais. O cinema cubano, com uma média de 10 longas por ano e muitos curtas, documentários e filmes infantis, agora começará a ser mais divulgado: o MAM-RJ organizou uma mostra que estará sendo apresentada em várias capitais (em Curitiba, na Cinemateca do Museu Guido Viaro). "Se Permuta", deliciosa comédia, que teve premiações no FestRio, foi adquirida por Luís Carlos Barreto para distribuição no Brasil. Já este "Los pajaros tirandole de la escopeta", após a projeção aqui em Gramado, interessou a distribuidores do Uruguai, Argentina e Venezuela, que acompanham o festival. CINEMA NA TV O principal painel debates, realizados no Hotel Serra Azul, sede do festival, versou sobre o futuro do cinema na televisão brasileira. Nas manhãs de ontem e quarta-feira entre acaloradas discussões, cineastas, produtores, distribuidores, jornalistas e professores de comunicação analisaram as relações do cinema brasileiro e a televisão. Na quinta, Paulo Gil Soares, diretor de "Proezas de Satanás na Vila do Leva e Traz", conduziu os debates. Ontem, foi Moisés Weltman (diretor da TV de Sílvio Santos) que abordou a questão, lembrando que há anos que vem se preocupando em abrir espaços, no vídeo, para o nosso cinema. Os debates foram bastante intensos, já que havia opiniões conflitantes. Hoje, pela manhã, haverá um painel sobre jornalismo e crítica cinematográfica, inclusive analisando a proliferação de festivais de cinema. Paralelamente as exibições de longas, curtas e filmes em super-8, e debates nos salões do Hotel Serra Azul, o festival oferece seu aspecto mundano, com a presença de dezenas de atoes, atrizes, cineastas e pessoal ligado ao cinema. Há caçadores de autógrafos, fãs nas portas do cinema e muita badalação na cidade, cujos restaurantes e bares triplicarem os preços.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
29/03/1985

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