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Aramis

Fim do Festival de Gramado. Como fica o cinema nacional?

Gramado - Como acontece todos os anos, desde a tarde de sexta-feira, 11, o hall do Hotel Serra Azul, transformou-se num firmamento estelar de nomes do cinema brasileiro. Atrizes, atores, diretores, produtores, compositores, técnicos - enfim, centenas de nomes famosos esbarram-se nos corredores, nos bares e restaurantes, deste hotel que funciona ainda como principal QG do mais famoso festival de cinema brasileiro. Se nos três primeiros dias o clima é relativamente tranqüilo - com os "superstars" convidados distribuindo-se entre os hotéis Serra Azul e Serrano - aproximando-se o final do festival, assim como aumenta o número de convidados - além de milhares de porto-alegrenses que sobem a serra, para passarem o fim de semana em Gramado ou Canela - a movimentação torna-se grande. Entre os participantes - que somam mais de cem, considerando-se todas as equipes dos super-8, curtas e longas em competição - também se mostravam nervosos ontem à noite - horas antes do grande final, no Cine Embaixador, quando foram anunciados, já na madrugada deste domingo, os vencedores do XIV Festival do Cinema Brasileiro de Gramado. Difícil, quase impossível, fazer previsões com antecipação de quatro dias, com os filmes ainda em competição, dos resultados. A comissão julgadora, presidida pelo ator Othon Bastos, teve inúmeras reuniões (sempre sigilosas) para discutir os 10 filmes em disputa, estabelecer critérios e, sobretudo, evitar as tradicionais injustiças. Soberano em suas decisões, o júri do Festival de Gramado tem trazido surpresas. Em 1984, por exemplo, ninguém esperava que "O Baiano Fantasma", de Denoy de Oliveira, ganhasse os prêmios de melhor filme, direção e interpretação (José Dumont). No ano passado - que teve, artisticamente, um dos níveis mais baixos de todas as edições do Festival - "A Marvada Carne", do paulista André Klotzel acabou levando a maioria dos prêmios. O júri, em compensação, apresentou um manifesto lamentando o baixo nível dos filmes em competição, o que irritou os concorrentes. Este ano, o problema é diferente: dos 17 filmes inscritos para a categoria de longa-metragem, foram selecionados dez filmes representativos das várias correntes e estilos do cinema brasileiro produzido entre 1984/86. E qualidade não faltou nos filmes vistos. Por exemplo, desde a abertura, com "O Homem da Capa Preta", de Sérgio Rezende - este filme biográfico de Tenório Cavalcanti, teve ardorosos defensores - embora também por parte de alguns críticos merecesse restrições. Independente dos méritos do filme, como direção, roteiro e interpretação, em duas categorias, ao menos, foi, em nossa opinião, perfeito: a fotografia e a trilha sonora (David Tygell). Duas atrizes conhecidas e com bons trabalhos também aqui vistos: Marieta Severo em "O Homem da Capa Preta", "Com Licença, Eu vou à Luta", e "Sonho Sem Fim" - nestes dois também atuando Fernandinha Torres, a premiada no ano passado pela ingênua caipira que criou em "A Marvada Carne". O irônico jornalista Edmar Pereira - um dos que não gostaram de " O Homem da Capa Preta" - brincou, dizendo, que Marieta deveria levar o prêmio "pelo conjunto da obra". Como ator, a disputa também é difícil: Ênio Golçalves tem uma marcante atuação em "Filme demência". José Wilker obteve defensores de sua criação de Tenório Cavalcanti em "O Homem da Capa Preta". Mas pode sempre acontecer surpresas - e estas somente seriam conhecidas na noite de ontem, sábado, impossível portanto de serem registradas já neste domingo. Filme e realidade A cada noite, no palco do Cine Embaixador, os artistas, diretores e produtores convidados do Festival, eram entrevistados pelos apresentadores oficiais. A rigor, nos primeiros dias, as respostas eram curtas, convencionadas, sem qualquer pronunciamento mais profundo. B. de Paiva, veterano ator e diretor de teatro, um dos intérpretes de "Tigipió", lembrou, entretanto, que o "cinema nacional não é apenas a festa de um festival por ano. É uma luta que tem que chegar ao público". Realmente, por trás do clima de festa, congraçamento, alegria dos festivais - o de Gramado, consagrado hoje como o mais importante, o de Brasília, o Cine-Rio Festival, o FestRio ou os nascentes festivais de Caxambu (MG) e Fortaleza (CE), há a preocupação dos filmes mostrados chegarem ao público. Ivan Cardoso, diretor de "As Sete Vampiras", repetiu em todas as entrevistas e também no palco do Cine Embaixador sua irritação por saber que muitos filmes exibidos e premiados em Gramado nunca chegaram aos cinemas de Porto Alegre. Inclusive o seu "Segredo da Múmia", aqui premiado há três anos, nunca foi visto na capital gaúcha (em Curitiba, foi lançado, em programa duplo, com uma fita pornô, no Glória I, há dois anos). O caso mais grave é "A Marvada Carne", que ficou com 9 prêmios no ano passado e perdeu esta grande promoção em termos comerciais. Permanece inédito nacionalmente (em Curitiba, teve uma única exibição na inauguração do Cine Luz, no ano passado). Carlos Augusto Calil, paulista de 35 anos, que trocou um curso de Física (interrompeu o curso no último ano) para, a pedido de seu amigo Paulo Emílio Salles Gomes, recuperar a Cinemateca Brasileira, dali chegando, há 7 anos, à Embrafilme (da qual hoje é o presidente), dialogou bastante durante o Festival. Reuniu-se com as mulheres cineastas, expôs aos documentaristas os projetos da empresa no que concerne a financiamentos e, sobretudo, não se negou a discutir as questões levantadas nas últimas 5 semanas pela "Folha de São Paulo" em relação aos critérios de financiamentos da Embrafilme, acusada de favoritismo para certos grupos. A presença de Calil, sua disposição de falar sobre todas as questões que vêm sendo levantadas em torno da problemática, polêmica e sempre criticada Embrafilme, foram pontos positivos neste Festival - cada vez mais preocupado em deixar de ter apenas um caráter badalativo para proporcionar discussões sobre o cinema nacional - mesmo que informalmente. A idéia de "starlets" despindo-se na beira da piscina dos hotéis Serrano e Serra Azul, fotografadas em sua nudez, desapareceu - mesmo porque o frio já chegou à Serra e quem não é do Sul sofre com a baixa temperatura. Há, evidentemente, muitas atrizes bonitas, os galãs famosos, a turma "gay", mas nota-se, durante o festival, uma conscientização de grande parte dos participantes em torno da discussão de questões mais abrangentes do cinema nacional. Jornalistas levantam cedo para acompanhar as mesas redondas, debates, entrevistas - e depois, em fila, redigir e despachar, via telex, suas matérias, capazes de traduzir, nacionalmente, um pouco do que é o Festival de Cinema de Gramado. LEGENDA FOTO - Othon Bastos, presidente do júri.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Seção de Cinema
7
13/04/1986

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