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Aramis

Cama & sexo na roda do samba (como faturar com erotismo)

Vem, vamos pro leito, Vem arranhar meu peito, me arranque o coração Vem, vem sem pudor nenhum Vulgar e tão comum é não morrer de amor Sem antes e depois O convite explícito, direto: ao longo de 11 faixas - quase diria, sussurros eróticos - Wando, que no passado já havia escalado as paradas de sucesso com uma machista música sobre "a moça que já é mulher" ("Moça", 1977, tema de telenovela "Bandeira 2"), assume, definitivamente, a condição de sambista-excitação para um público basicamente feminino, acima dos 30 anos. Na mesma linha evolutiva-comercial que astutamente foi aproveitada, no virar dos anos 70, por Roberto Carlos - ao sentir que as adolescentes que tinham orgasmos de imaginação ao vê-lo cantar as abrasivas cantigas da Jovem Guarda nos programas de TV da Record já haviam passado para orgasmos verdadeiros - também Wando entendeu que da roda-de-samba ao samba-de-lençol a segunda opção oferece muito mais dividendos eróticos e aumenta a conta bancária. Como ele também outro sambista de origens humildes - e hoje milionário, Agepê, também busca os toques erotizantes em suas canções. E tanto é que se há dez anos, proletariamente lamenta-se de "Moro onde não mora ninguém", hoje pode viver em cobertura na Delfim Moreira e rever os antigos amigos de morro a bordo de uma reluzente Mercedes-Benz esporte, presente da Sigla/Som Livre, como retribuição aos milhões de cópias de discos que tem vendido. Ah! Se eu fosse você, com essa cara bonita Me passava a conversa/Me levava depressa/ Bem longe daqui/Se eu fosse você eu me dava "todinha" Junto aquelas coisinhas que eu não podia nem dizer Ah! se eu fosse você me fazia um carinho Me deitava no colo me pedia com dengo Que seu corpo eu tocasse E me dava o gosto dessa língua vermelha Deslizava em meu corpo/ Me dizendo besteiras Wando não chega, é claro, ao explícito canto do sexo oral - como fez ainda recentemente um cantor brega, Ismael Carlos (lp Continental), entre a pornografia e o fetichismo, falando em "Quero te amar e beijar o teu corpo todinho... Suga-me, Suga-me/ Suga-me até que eu desfaleça de prazer" - "Ela é minha/ Cada vez que você passa/ Eu fico sem-graça/ De pedir para ver/ A cor da sua calcinha/ Para saber se é a minha/ Que eu dei para você". Com mais refinamento - e apenas insinuando - Wando em suas canções no lp "...Vulgar e comum é não morrer de amor" (Arca, 1985) usa e abusa de uma fórmula certeira: baladas românticas para amantes maiores de idade. Nada a ver com namorinho de cinema ou lanchonete. A cama é o espaço onde se desenrola em primeiro lugar a música de Wando. Grosseiro? Nem tanto, se comparado a Ismael Carlos e outros bregas. Pode fazer os mais refinados torcerem o nariz, mas a voz de Wando é agradável e "Vulgar e Comum...", "Amada Menina", "De Tentação A Cantada", "Me Vem Você", "Anjo da Manhã", "...Mesmo Nos Traindo", "Clara" e especialmente "Fogo e Paixão" são exemplos representativos de uma música up to date de tempos liberalizantes. Você é sim, e nunca meu não/ Quando tão louca Me beija na boca/Me ama no chão Me suja de carmin/Me põe na boca um mel Louca de amor, me chama de céu! E quando sai de mim/Leva meu coração/ Você é fogo, eu sou paixão! A exemplo de Wando - cujo lp produzido por Pedrinho Medeiros/Ugo Marotta é, possivelmente, o mais bem acabado de sua carreira, também Agepê é hoje um sambista sofisticado, capaz de vender milhares de cópias de seus discos e entrar, assim na categoria dos superstars ao ponto de ter merecido já ser capa da "Veja" - glória que poucos compositores populares mereceram até hoje. Se em time que está ganhando o técnico não deve mexer - e a mesmice dos discos de Roberto Carlos é a prova desta máxima de marketing fonográfico - Wando está repetindo na Sigla o esquema que deu certo em 1984 e se repetiu com seu disco de 1985: douradas de samba, canções românticas, exaltando o amor como "Vai Acontecer" (Beto Correa/Divino/Aladim). Vou me sentir dono da grandeza/ Da Beleza que é o mar Me sentirei dono do mundo/É só Você namorar A imagem da mulher-nenê, que tanto tem funcionado no cancioneiro brega-romântico também é retomada por Agepê, em sua parceria com Totonho/Canarinho ("Proezas do Coração") Preciso tanto te ninar num canto/Ser teu acalanto, te agasalhar Com todo dengo te botar na minha/Te fazer modinha desse meu cantar Contando com regentes e orquestradores como Rildo Hora, Leonardo Bruno e o paranaense Waltel Branco, Wando não ficou apenas, é claro, num romantismo brega. Buscou diversificar o repertório, incluindo por exemplo um animado "Fogo no Forró" (Luiz Wanderley/Aluizio Silva) ou buscando um samba de raízes afro do baiano Edil Pacheco ("Na Paz do Congá"). Autor de várias faixas - sempre com parceiros e tendo, como destaque de qualidade uma nova parceria de Ivor Lancellotti/Paulo César Pinheiro ("Alma Aventureira"), Agepê busca, com picardia, aproveitando o momento de sorte que atravessa - nesta geléia geral de músicas embrulhadas como samba e que com uma força promocional garantida pela Sigla/Som Livre, o incluíram entre as estrelas brilhantes da música de consumo do momento. A VILA DE LUIZ CARLOS - A vila de Luiz Carlos não é a mesma dos tempos do velho Noel Rosa. Afinal já se passaram mais de cinqüenta anos e da boêmia saudável (nem tanto, afinal o Poeta da Vila morreu aos 27 anos) e alegre daquela época se sucedeu uma época mais pesada, de concorrência brutal na vida das pessoas. Luiz Carlos da Vila, bom compositor e intérprete de voz agradável, busca também o romantismo dos bons tempos, a começar por uma feliz parceria com Martinho da Vila ("Vila Isabel Anos 30"), uma das melhores faixas de seu primeiro lp ("Pra esfriar a cabeça...", Arca, 1985). No doce embalo de um sonho/Risonho eu fui me encontrar No ponto Cem Réis, anos trinta/Feliz foi a vida/Que eu vivi por lá Luiz Carlos da Vila é um compositor inspirado. Letrista e músico, faz canções suaves como "Morro Molhado", "Fogo de Palha", "Notável Amiga", "Braços de Lã", "A Flor da Esperança (Força e Magia)" e, especialmente, "Diamante", um lírico canto de amor que termina com uma imagem bonita: A vida é um diamante/Que fica ou não mais brilhante/Depende do nosso viver. Luiz Carlos não deixa de buscar um samba mais negro, como no explícito "Das Origens" ("o samba que desde a origem é arte/Das coisas boas da vida é parte") e também tem um lado descontraído, satírico, como em "Você não é boa atriz": Você já não me comove mais/Cansei quero agora ser feliz Já tirei seu filme de cartaz/Você não é boa atriz Eventualmente com parceiros - além de Martinho da Vila; também Sombrinha ("Tudo se ilumina") e Arlindo Cruz ("Não é um Sonho a Mais"), Luiz Carlos da Vila foi uma grata surpresa em termos de intérprete-compositor em 1985. Afinal, num ano em que Paulinho da Viola continuou a fazer falta foi bom ouvir alguém trazer sambas inteligentes, suaves - valorizados em excelentes arranjos de Rildo Hora e que tiveram, entre outros acompanhamentos, a suavidade do tecladista Darcy de Paulo e a competência do violão de Rafael Rabello, o sax de Mauro Senise entre outros cobras reunidos pelo produtor Martinho da Vila. Único ponto discutível do disco: será que o sofisticado ambiente do Chiko's Bar era o cenário mais apropriado para as fotos de capa e contracapa? Se o bom amigo José Ramos Tinhorão estivesse na crítica diária, por certo ele começaria a azucrinar o disco a partir da capa - esquecendo até os méritos de Luiz Carlos da Vila. Afinal, no conceito do brabo Tinhorão, sambista bom é o que ganha no máximo 3 salários mínimos. E este somente chegaria ao Chiko's Bar como manobrista...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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8
13/04/1986

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