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Aramis

O cantor Chico com sinal verde e um álbum excelente do MPB-4

No final de 1974, como sempre acontece, as gravadoras reservaram algumas boas edições de musica brasileira, com nomes de enfrentar o ex-maior (ufa!) fenômeno de vendas -a majestade (sem trono) Roberto Carlos, da CBS, cujos recordes de vendagem já começam a ser superado por gente de melhor nível, como Martinho da Vila . Ao lado das estrelas maiores da melhor MPB. Chico Buarque, MPB-4, e Gilberto Gil, da Phonogram, Antônio Carlos & Jocafi, da RCA Victor, Marcos Valle da Odeon etc., houve também algumas surpresas altamente animadoras: a vigorosa estreia de Eliana Pittman na RCA Victor no melhor álbum de sua carreira, a presença de Miriam Batucada com um bom elepe na Chantecler, um novo elepe no conjunto Demônios da Garoa, um punhado de importantes discos de Marcus Pereira, e muita coisa mais em favor da melhor musica popular - a nossa. Assim, vamos colocar as fonografias em dia, com registros do que de bom apareceu nos últimos meses. CHICO BUARQUE/SINAL FECHADO - (Phonogram/Philips, 6349122, Dezembro/74) - Após o antológico "Construção" (novembro/72) e o polêmico "Chico Canta" (novembro/73), originalmente intitulado "Calabar" - com as musicas de sua (inédita no palco) peça "Calabar" (1), Chico Buarque de Hollanda decidiu fazer uma experiência diferente: gravar um disco apenas como cantor. Escolhendo musicas de outros compositores, a maioria feitas especialmente para esta gravação, o notável Chico acabou sendo a revelação do ano como cantor, conforme apontaram vários cronistas em nossa página dos melhores de 74 (O ESTADO, 29/12/74). Afinal, Chico Buarque sempre foi um bom cantor, embora alguns tentem lhe negar este talento, que de forma harmoniosa sabe "dizer" as suas musicas - e agora, neste "Sinal Fechado", as composições de outros autores. Produzido por Sérgio de Carvalho, com coordenação musical e arranjos de Perinho de Albuquerque, o elepe de Chico - que hoje - (21 horas, auditório Bento Munhoz da Rocha Neto) está em Curitiba, fazendo pela primeira vez um espetáculo em teatro no Paraná - é um documento de um momento da musica brasileira. Paralelamente ao disco "Sinal Fechado", surgiu também o terceiro livro (2) de Chico, "Fazenda Modelo" (3) desde a primeira semana em que apareceu, nas listas dos mais vendidos. Falando sobre a gravação deste seu ultimo elepe, Chico disse para a jornalista Maria Lúcia Rangel (4): -"Quando eu viajei em abril/74 deixei um disco pronto para ser lançado. Era a gravação ao vivo de "Tempo e Contratempo", o show que tinha acabado de fazer num teatro. Mas ele não foi liberado. E compor 12 musicas até novembro não dava. Escolhi então músicas de que gostasse, mas não quer dizer que sejam as 12 que gosto mais. Inclusive, apareceu tanta música que dava até para outro disco". "Sinal Fechado", já vendeu milhares de cópias e vai continuar a vender bastante, até que apareça um novo disco de Chico. Seus fãs - que são milhões - se dividiram em relação a este seu trabalho. Muitos não entenderam seu trabalho. Entretanto, trata-se de um bom elepe, no mínimo. E um excelente disco para os mais entusiásticos. Ele abre o álbum com "Acorda Amor", a única faixa em que o temos como compositor, com o pseudônimo de Julinho de Adelaide, em parceria com Leonel Paiva. Em seguida, vem uma das musicas de Antônio Carlos Jobim - "Lígia". Do veterano Geraldo Pereira (1918-1955) é "Sem Compromisso", em parceria com Nelson Trigueiro. Outra musica antiga é a quarta faixa: "Você Não Sabe Amar", de Carlos Guinle, Dorival Caimmy e Hugo Lima. Na penúltima faixa, uma musica "comunicável" do polemico Walter Franco ("Me Deixe Mudo") o maldito autor de "Cabeça" (5) e premiado em 3o lugar, com seu "Muito Tudo" no "Abertura" (TV-Globo, Teatro Municipal, de São Paulo, 4 de abril de 1974). Para encerrar o lado dois do disco, temos a musica que lhe dá titulo: "Sinal Fechado", o antológico samba que Paulinho da Viola inscreveu na Bienal do Samba, há seis anos, que permanece como uma de suas obras-primas - para muitos a sua melhor musica. No lado um do disco, com exceção de "Filosofia" de Noel Rosa (1910-1937), todas são musicas inéditas: "Festa Imodesta" (Caetano Veloso), "Copo Vazio" (Gilberto Gil), "O Filho Que Eu Quero Ter" (Toquinho/Vinicius de Moraes), "Cuidado Com A Outra" (Nelson Cavaquinho - Augusto Tomaz Junior) e "Lágrima" (Sebastião Nunes - José Garcia José Gomes Filho). Particularmente, achamos "O Filho Que Eu Ter" não só a melhor música deste elepe, mas como o trabalho mais feliz da parceria Vinicius/Toquinho e por isso mesmo a musica que encabeçou a nossa relação das 10 melhores canções nacionais de 1974. Já nos referimos em nossa coluna diária (TABLÓIDE, O ESTADO, 4a pág.), as circunstancias que cercaram o "nascimento" desta obra-prima: o violonista Toquinho (Antonio Pecci Filho), apaixonado por uma paulista, Maria Alice, estava em São Luiz do Maranhão, no circuito universitário, quando numa madrugada encontrou uma linha melódica especial. Seu amigo Vinícius de Moraes trabalhou na letra por vários dias, até que quando chegaram a Recife, ele estava com a musica pronta. Ofereceram a Chico Buarque, que até agoira foi o único a gravá-la. Uma musica linda e uma letra, de grande profundidade que demonstra, para os incrédulos, que o grande Vinícius de Moraes continua o sensível poeta da língua portuguesa. É comum a gente sonhar, eu sei? Quando vem o entardecer Pois eu também dei de sonhar Um sonho lindo de morrer Vejo um berço e nele me debruçar Com o pranto a me correr E assim chorando acalentar/ O filho que quero ter Após este primeiro verso, a musica prossegue por mais algumas estrofes, num verdadeiro "ciclo de vida", encerrando, com este achado de poema: Quando a vida, em fim me quiser levar Pelo tanto que me deu Sentir-lhe a barba me roçar No derradeiro beijo seu E ao sentir também sua mão vendar meu olhar /dos olhos seus Ouvir-lhe a voz me embalar num acalanto de adeus Dorme que ao entardecer, Seu filho sonha acordado Com o filho que ele quer ter. PALHAÇOS & REIS, O MPB-4 NA MELHOR FORMA. Juntos há doze anos, numa das mais sólidas carreiras profissionais da musica brasileira onde se pode contar nos dedos da mão (direita) os grupos vocais, o MPB-4 continua cada vez melhor. Após passaram 1973 sem gravarem nenhum elepe - ou melhor gravando, mas sem terem, o disco editado, no ano passado eles tiveram dois ótimos álbuns: inicialmente o "Antologia", feito em fins de 73, mas que só apareceu em junho/74, e nos últimos dias de dezembro, este vigoroso "Palhaços & Reis", (Philips, 6349125, Dezembro/74), produção primorosa de Paulinho Tapajós. "Antologia" foi um album-documento, com o MPB-4, registrando port pourri de doze dos maiores compositores do Brasil, em todos os tempos - Ataulfo Alves (1909-1969), Chico Buarque (1944), Dorival Caymmi (1914), Baden Powell 1937), Ismael Silva (1906), Monsueto Menezes (1926-1973), Nelson Cavaquinho (1911). Noel Rosa (1910-1937), Paulinho da Viola (1942), e Antônio Carlos Jobim (1927) A produção daquele disco, de Edu Mello e Souza, foi cuidadosa ao extremo, e como resultado o elepe mereceu a inclusão nas listas dos melhores lançamentos do ano. Já "Palhaços & Reis" não tem o sentido de documentação de clássicos - aliás, experiência que o MPB-4 pretende continuar com novos volumes da serie "Antologia", mas sim mostrar trabalhos novos e importantes para os nossos dias, Com a exceção de algumas faixas - "Agora é Portela 74" (Maurício Tapajós - Paulo César Pinheiro), "Chegança" (Edu Lobo-Oduvaldo Viana Filho), o álbum traz musicas novas, que até agora ainda não foram devidamente compreendidas pelo público. Alias, as musicas interpretadas pelo MPB-4 adquirem uma dimensão ainda maior quando são ouvidas pelo MPB-4 adquirem uma dimensão ainda maior quando são ouvidas em espetáculos ao vivo - o que alias garante a tremenda aceitação popular de seus shows. Nas duas vezes em que estiveram no Paiol (Dezembro/72, Fevereiro/73), e no ano passado, no auditório Salvador de Ferrante, tiveram casas lotadas às noites. Hoje à noite, no auditório Salvador de Ferrante, os 2.300 lugares do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, no encerramento do I Encontro do MPB, serão insuficientes para a multidão que desejara aplaudir o MPB-4 e Chico Buarque. Mas voltemos ao seu último elepe. São 12 músicas do melhor nível, em arranjos preciosos, enriquecidos em cada faixa por formações instrumentais de apoio diferentes - todas com a presença dos melhores músicos, o que mostra a atenção que o produtor Paulinho Tapajós deu a esta realização. Irônicos, cruelmente sarcásticos, românticos ou pessimistas, o MPB-4 valorizam - como poucos artistas neste País poderiam fazer musicas como "Condição"(Noca-Oswaldo Barbosa), "Tá Certo, Doutor" (Luiz Gonzaga Júnior) "Mordaça"(Eduardo Gudin/Paulo Cesar Pinheiro), "Samba do Ziriguidum" (Jadir de Castro-Luiz Bittencourt), "Nosso Mal" (Miltinho - Maurício Tapajós), "Palhaços e Reis" (Ivan Lins Ronaldo Monteiro de Souza), "Conversa com o Coração" (Guingua - Paulo Cesar Pinheiro), "Fé Cega Faca Amolada" (Milton Nascimento Ronaldo Bastos), "Maldição de Ravel" (Guinga - Paulo Cesar Pinheiro), e "Sem Jeito" (Eduardo Gudin Marcos Calazans). Destaque-se, além de outros extraordinários instrumentistas - como o baterista Mamão, o violonista Dino, o pianista Ely Arcoverde, além do Quarteto em Cy ("Nossa Mal"), e da turma de Jackson do Pandeiro ("Samba do Ziriguidum") a presença do Quarteto de Cordas do Rio de Janeiro, em duas faixas: "Mordaça" e "Chegança". Temos certeza que após o espetáculo de hoje a noite, com Chico Buarque e o MPB-4, amanhã, as lojas de discos da cidade venderão mais algumas centenas de exemplares dos elepes "Sinal Fechado" e "Palhaços & Reis". Com toda razão, quem ainda não se decidiu, após ouvi-los aos vivos não deixara de querer ter as gravações mais recentes destes artistas que hoje ganharão vários minutos de aplausos no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Xxx NOTAS (1) O texto da peça editado pela Civilização Brasileira, em Novembro/73, em sua biblioteca de Teatro. (2) Igualmente editada pela Civilização Brasileira, 1974. (3) Filha do critico e pesquisador Lúcio Rangel, que hoje se encontra com outros notáveis estudiosos de nossa MPB, também se encontra em Curitiba, participando do I Encontro Nacional dos Pesquisadores da Musica Popular Brasileira, promoção paralela ao Encontro e também patrocinada pela Fundação Teatro Guaíra. (4) "Cabeça" de Walter Franco foi classificado para a fase nacional do ultimo Festival Internacional da Canção (Guanabara, 1973), e como resultado todo o júri, presidido pela cantora Nara Leão, foi destituído. LEGENDA FOTO 1 - Sinal Fechado, Chico Buarque. LEGENDA FOTO 2 - MPB-4.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
38
02/03/1975

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