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Aramis

A antologia do MPB-4, a [cuíca] de Osvaldinho e os long-play da CBS

Gravado em outubro de 1973, só em junho pode ser lançado o lp do grupo vocal MBP-4 - que assim passou 1973 sem ter o seu habitual lp colocado no mercado, de forma que o público fiel que tanto admira o conjunto teve que se contentar com o único compacto-duplo, onde gravou, entre outros, o belíssimo samba de Eduardo Gudin - "A Velhice da Porta Estandarte". Mas esta demora compensou pois "Antologia" (Philips, 6349092) está entre os melhores discos de MPB dos últimos anos, uma produção esmerada de Edu Mello e Souza em homenagem a dez dos melhores compositores brasileiros, em pourri de suas mais expressivas obras. Rui, Achiles, Miltinho e Magro, os quatro integrantes do MPB, há 11 anos vem trabalhando em favor de nossa música popular, gravando anualmente um lp de excelente nível, fazendo apresentações de teatro e clubes e, nos últimos 3 anos, acompanhando o seu maior amigo - Chico Buarque de Hollanda no Circuito Universitário. O tempo só tem feito o MPB-4 melhorar: um amadurecimento vocal, arranjos mais perfeitos - geralmente de Magro, um dos arranjadores que mais trabalha na Guanabara e excelente bom gosto na escolha do repertório, justificam o prestígio que o MPB-4 desfruta hoje. Nesta "Antologia" a Phonogram contratou o jornalista Sergio Cabral para escrever textos sobre os autores selecionados. Os textos não poderia ser mais precisos para dar ao ouvinte - principalmente aos mais jovens - a dimensão dos criadores selecionados que esta Antologia. E que merecem ser transcritos. ATAULFO ALVES (1909-1969) - o estilo inconfundível de seus sambas foi o mesmo durante os 35 anos de carreira de Ataulfo. Três bons exemplos são as músicas escolhidas pelo MPB-4 neste elepê: "Laranja Madura" (1967), "Vai Mesmo" (1957) e "Pois É" (1955). Morre o homem fica a fama. Seu nome está na MPB, num viaduto da Avenida Brasil e numa rua de sua cidade, Miraí. CHICO BUARQUE DE HOLLANDA (1944). Por tudo que Chico Buarque tem feito, tenho tentado fazer uma afirmação muito arriscada para um artista que só agora chega aos 30 anos de idade: ele não é apenas o nosso melhor compositor: é na verdade um dos maiores brasileiros vivos. Chico já figura naquele time de Pixinguinha, Drummond, Pelé, Villa-Lobos e Oscar Niemeyer. De Chico o MPB-4 gravou "Cordão" e "Meu Refrão", com participação especial do Quarteto em Cy, apresenta também nos pot pourri de Ataufo e Monsueto. MONSUETO (1926-1973) A sua fase áurea aconteceu na década de 50, quando surgiram, por exemplo, três dos quatro sambas escolhidos pelo MPB-4 para este disco ("Eu quero Essa Mulher") foi lançado no início dos anos 60). A prova do seu inegável valor são as constantes regravações de seus sambas, todos com sabor de música nova. Monsueto veio para ficar. Em seu pot pourri estão "Me Deixa em Paz", "A Fonte Secou" (parceria c/ Tufic Lauar/Ma Cléo) e "Mora na Filosofia" (parceria c/ Arnaldo Passos). Participação especial de Paulo Moura no sax alto. NOEL ROSA (1910-1937) - É um compositor incomparável porque transcende as suas músicas. Um samba de Noel Rosa não pode ser comparado com qualquer outro pela simples razão de que ele não criou apenas um samba, mas provavelmente o samba carioca. Mas, se assim mesmo, quiserem comparar, sou mais Noel, um cara que não chegou a completar 27 anos de idade. Duas das melhores composições de Noel - "Três Apitos" e "Pra Que Mentir" (com parceria com Vadico), com Paulo Moura no sax e arranjos vocal e de base de Magro e Miltinho. DORIVAL CAYMMI (1914) - "Quanto a mim sinto a obra de Caymmi como irmã da minha. Elas se completam e de certa maneira fazem um todo (...) Se eu fosse músico faria a música que ele faz, sem dúvida, como certamente ele escreveria - melhor, sem dúvida, o que eu faço - os romances que escrevo". Quem disse tudo isso foi Jorge Amado. O que mais eu haveria de acrescentar? De Caymmi, o MPB gravou "Nunca Mais", "Dora" e "Eu Não Tenho Onde Morar", com regência da orquestra do maestro Mário Tavares. NELSON CAVAQUINHO (1911) - As músicas e as letras nascem, quase sempre, em botequins de péssima categoria. Mas o crítico Leandro Konder descobriu imagens shakespearianas em "Luz Netra". O início de "A Flor e o Espinho" está em qualquer antologia. Eu, pessoalmente, acho "Rio, não és criança" o mais belo poema dedicado ao Rio, em seu quarto centenário. Estas 3 músicas estão nesta gravação, com arranjo da orquestra de Miguel Paiva. PAULINHO DA VIOLA (1942) - Suas antenas estão ligadas ao mesmo tempo no mais puro samba e na evolução da música brasileira. É o elo perdido entre as duas tendências. Ele pode ser encontrado numa roda de samba numa esquina de Madureira ou num debate sobre as mais novas experiências musicais em nosso pais. Além disso, Paulinho tem um talento extraordinário. De Paulinho, o MPB gravou "Jurar Com Lágrimas", "Guardei Minha Viola", "Recado" e "Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida". BADEN POWELL (1937) - Por um gênio como violinista, Baden ainda não foi devidamente colocado em seu devido lugar como compositor. Mas é bom que se diga que se não tocasse violão, bastaria as suas músicas para que ele fosse apontado entre os maiores nomes da música popular brasileira. Este LP é uma antologia e Baden é um compositor antológico. De Baden, o MPB gravou "Violão Vadio", "Samba do Perdão", "Só Por Amor" e "Deixa", os dois primeiros parceria c/ Paulo Cesar Pinheiro, os outros com Vinicius. ISMAEL SILVA (1906) Para se ter uma idéia da importância de Ismael, basta lembrar que foi a partir de seus sambas e dos sambas de sua turma no Estácio de Sá que o samba tomou sua forma mais conhecia - a que surge geralmente no carnaval. Fundador da primeira escola de samba, a "Deixa Falar", Ismael Silva é sobretudo, um monumento vivo de nossa música popular. Dele, temos nas vozes do MPB-4, "Nem é Bom Falar", "Antonico" e "Se Você Jurar". ANTONIO CARLOS JOBIM (1927) - A aproximação da dupla Tom Jobim-Vinicius, feita por Lúcio Rangel e Sérgio Porto, teve como um dos primeiros resultados o samba "A Felicidade", "Retrato em Branco e Preto", com Chico Buarque, representa a união dos dois maiores compositores brasileiros dos anos 60 para cá, na interpretação de nosso melhor conjunto vocal. Estas duas músicas estão neste lp básico para a MPB. Em princípios de 1973, falando a um jornal paulista, Osvaldinho da [Cuíca], um dos mais competentes e versáteis ritmistas do Brasil, desabafava: Já acompanhei, nos estúdios, quase todo o cast das grandes gravadoras, mas até hoje não fiz um trabalho próprio. Esse dia vai chegar." Pois o dia chegou. e graças a Marcus Pereira, o produtor-revelação, que em seu primeiro catálogo/74, junto com o [álbum] "Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste", e os lps de Cartola e Paula Ribas (Fados Brasileiros lança este bonito "Vamos Sambar"(4035008, junho/74), onde Osvaldinho e seu Grupo Vai-Vai mostra a beleza do sambão brasileiro, num lp tipo exportação. Aplaudido todas as noites pelos [freqüentadores] da [boate] "O Jogral" e expectadores dos desfiles de escolas-de-samba ou ainda pelos seus alunos do Colégio Estadual Miguel Paiva, onde, ensinando percussão (matéria extra-curricular instituída por uma diretoria criativa) obteve um extraordinário rendimento: em apenas um mês de aula, conseguiu forma uma bateria completa de escola-de-samba e estimulou a produção de 7 sambas-enredos. Neste seu primeiro lp, Osvaldinho da [Cuíca] reuniu [três] composições próprias - Vai Vai e Partido na Cozinha (em parceria com Papete) e Cozinha (somente demonstração de percussão) do Xangô da Mangueira (parceria com Zagaia) é Moro na Roça de Baianinho, a [folclórica] Festa dos Deuses Afro-Brasileiros" de Bebeto é Vendaval - com solo vocal de Papete, este autor do Exaltação do Salgueiro. Tá Assim de Mulher e está chegando mais, vem assinado por Domingos Paulo/ B. Almeira e Toninho Beleza. Mas as duas faixas mais conhecidas são Tudo se Transformou de Paulinho da Viola e Que Beleza de Benito de Paula. Um bom lp de sambão [ideal] para se lavar aos amigos no Exterior como exemplo de nossa MPB. xxx Tendo no Roberto Carlos a galinha dos ovos-de-ouro de seu elenco nacional e dispondo de um extenso [catálogo] internacional de [fácil] consumo popular (Ray Connif, Percy Faith, Kostelanetz em termos orquestrais; Jonny Mathis e Andy Willians entre os vocalistas, para citar alguns exemplos), a CBS é o tipo da grande gravadora que tem um faturamento [tranqüilo], pouco se preocupando - ao contrário da Odeon, Philips, RCA e Continental, em reunir os nomes mais expressivos de nossa vida artística. Assim é que o sambista Zuzuca, há anos contratado como produtor e [responsável] pelos poucos lançamentos de samba feitos pela CBS. E apesar de toda a boa vontade do crioulo, estes discos saem sem o necessário acabamento, não constando nas contracapas sequer os nomes dos integrantes dos grupos que o gravam. É o caso de dois lps editados recentemente - "Samba É Isso Aí, Gente Boa!" (CBS 112295), que não chegar [sequer] a identificar os nomes dos sambistas - julgando [a] produção que o [público] seja obrigado a saber quem são os [anônimos] crioulões que, pela primeira vez, aparecem em coloridas fotos na capa. E com relação a eles não há a desculpa de serem artistas contratados de outras [fábricas] e não poderem ser identificados. Ao [contrário], de qualquer forma são dois discos interessantes, com sambas gostosos que mesmo sem terem o nível de uma criação e um Paulinho da Viola ou a sensibilidade de Nelson do Cavaquinho, merecem ser ouvidos. Em "Samba é Isso Aí, Gente Boa!"; em cada faixa se destaca um vocalista: Antonio Grande canta duas composições - "Herdeiro" e "Chico Tristeza"; Joãozinho da Pecadora mostra uma irônica composição: "Fogão Jacaré". Com Luiz Grande temos "Xô Gafanhoto" (em parceria com Ivan Carlos/Rubens). Bira Quininho é o que aparece em maior número de faixas: "Malandro é Malandro Mesmo"(Octacilio/Ary do Cavaco), "Eneida, Amor e Fantasia" (de Zuzuca), "Vou Mandar" (Monsuteto/Telinho), "Lágrima"(composição própria) e "Rapaziada" (Zé Pretinho da Bahia/Antonio Moreira Rubens). Leo Costa defende um dos melhores sambas deste lp: "Malandro", da escritora-favelada Carolina Maria de Jesus, descoberta no início dos anos 60 por um [repórter] de "O Cruzeiro" e que após ver o seu romance "Quarto do Despejo" nas listas de best-sellers, chegou a gravar um curioso lp na RCA-Victor. Além do samba de Carolina, Leo gravou também uma composição própria, "Couro de Porco". Bombril, apelido de um crioulo compositor mostra sua composição "Estou de Pé". Depois de um grupo misto chamado "Avam Samba" mostra a composição de um certo Moa chamado "Canoeiro", temos a única presença feminina no lp: a crioula Dinalva em "Menos Infeliz", em parceria com um estrangeirissimo F. Kirk. O esquema destas 14 músicas é mais ou menos [idêntico]: o vocalista central dizendo a letra, o coral e dando um apoio a uma incrementada [percussão]. Já em "5 Só", temos um quinteto - este não identificado - com sambas de melhor nível, alguns de nomes já familiares para quem acompanha a MPB: Jair do Cavaquinho ("Pinga com Limão"), Dedé da Portela ("O Tempo Passa"), Zuzuca ("Fim de Festa"), Yvone Lara - a grande revelação do ano, que gravou algumas faixas no ótimo "Quem Samba Fica? Fica" do paranaense Adelzon Alves, em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau é autora de "Os Cinco Bailes da Histórico do Rio") e Anescar ("É Bahia", em parceria com Ivan Salvador). Outras faixas: "Arrastão de Sinhá" (Catoni/Pelado da Mangueira/Jorginho), "Falem Mal, Mas Falem de Mim"(Dedé da Portela), "Mais um Exemplo da História" (O Tempo Passa), "Cara de Pau" (Gracia do Salgueiro) e "Samba Que Não Tem Crioulo" (Pelado da Mangueira/Branco).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
67
28/07/1974

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