Um Kama Sutra para menores e as insinuações de Dulce
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de abril de 1986
Um álbum intitulado "Kama Sutra", trazendo na capa reproduções do mais famoso tratado da arte do amor físico, sugere, obviamente, o máximo em canções eróticas. Uma verdadeira antologia de sussurros e declamações em prol do amor explícito, já que vivemos tempos liberais. Entretanto nada disto acontece em "Kama Sutra", quarto lp do bem sucedido Dalto, ex-médico que a partir de "Muito Estranho" escalou as paradas de sucesso.
Catipultuado às paradas de sucesso já em seu primeiro lp, Dalto é um romântico acima de tudo, embora Luiz Antônio Mello, num insinuante release da Odeon - que acompanha este seu quarto elepê - o defina como "um músico diversificado". As canções reunidas neste Kamasutra trazem um clima de tranqüilidade de vários meses de composição, nos quais Dalto - sempre ao lado de seu parceiro Cláudio Rebello - isolou-se em seu estúdio particular na praia de Piratininga, em Niterói. Mello ainda diz que "para mergulhar em Kamasutra Dalto não poupou nada, especialmente seu apetite poético e uma misteriosa capacidade de transformar o nada em momentos melódicos quase extraordinários".
O erotismo de Dalto vai apenas à insinuação, como em "Pane Total":
Use toda a cama por favor/ O que não falta é paixão
Escolhe meu bem/ Qualquer posição.
Mais adiante, em "Asas", num convite à mulher amada, diz:
E quando se despir/ Ligue o rádio
Faça alguma coisa com as mãos
O nosso amor é assim/ Um pássaro sem direção.
A SURPRESA QUENTAL - Linda, insinuante, sensual. Eis uma definição para Dulce Quental, uma nova voz e compositora que ganha agora seu primeiro disco: "Délica" (Odeon, março/86). Fernando Muniz diz em texto de contracapa que "ouvindo a música de Dulce descobre-se o que ela construiu com rara obstinação, perfeccionismo, intuição: a gama que flui de uma forma de vida inquieta, incompleta, confusa. Agridoce, esse é o sabor do disco".
Assessorada por gente moça e criativa, com um repertório que inclui novos autores - como Aldo Meolla (não confundir com o guitarrista Al Di Meola, que quase veio ao Brasil no mês passado e tem novo lp na praça) autor de "Tudo É Mais" e "Pra Nós", Flávio Murrah e Rômulo Portela ("Para os Que Estão Em Casa"), Branco Mello e Ciro Pessoa ("Diferentes"), Dulce Quental é também autora - seja acumulando música e letra ("Delicado Demais"), seja em parcerias - como com Flávio Murrah na excitante "Garganta" ("A minha vontade é voraz/É minha visão que diz/Quero explodir a minha voz/Te trazer pra dentro de mim") ou com Beti e Cláudia Niemeyer na expressiva "Délica" que dá título ao disco. Jorge e Wally Salomão fizeram a versão de uma música da dupla Steve Percaro/John Bettis ("Natureza Humana"), mas é numa canção com letra e música de Dulce Quental, provavelmente para um ex-amor, que está o seu momento de malícia e maior erotismo: "Bossa do Bayard".
Ele é cheio de poesia/Calças sujas de tinta.
Pintando fora da tela/Vivendo o próprio poema.
Seu sexo é um pincel/Impressionando mulheres
Com toque claro e leves/
Colore lábios e peles.
A voz de Dulce Quental não é poderosa. Ao contrário é pequena, difícil até de conduzir certas canções. Mas a produção (Mayrton Bahia) foi cuidadosa e arranjadores como João Donato e a participação de bons músicos suprem muitas falhas. Sem cair no rock mas numa linguagem jovem - com letras que mostram uma poética dos jovens destes anos 80 - Dulce Quental é no mínimo uma bela presença visual na música deste ano.
LEGENDA FOTO - De erótico, "Kama Sutra" só tem Dalto, o compositor, na foto de contracapa do lp.
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