Mulheres discutem sua participação cinematográfica
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de abril de 1986
Gramado - O título anunciado, não oficialmente, era megalomaníaco: Encontro Mundial das Mulheres Cineastas. Na verdade, um seminário bem mais modesto: Cinema e Mulher, organizado pelo Coletivo de Mulheres de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro - paralelamente a uma reduzida (mas expressiva) mostra latino-americana de filmes de mulheres.
O coletivo foi criado há poucos mais de um ano, "com o objetivo de fortalecer a participação da mulher profissional de cinema e vídeo no panorama da cinematografia brasileira, se constituindo em espaço para a reflexão e intercâmbio de informações e experiências", como diz a bonita Edyala Iglesias, curtametragista ("A margem", 1984), assessora da Embrafilme, e que em outubro do ano passado passou vários dias em Curitiba, entusiasmada com a promoção "Mulheres no cinema", organizada pela jornalista Diná Pinheiro Ribas. Os filmes realizados por mulheres-cineastas brasileiras foram levados a Nairobi, no Congresso Feminista Internacional de 1985, e agora, com patrocínio da Embrafilme/Conselho Nacional da Condição da Mulher, também estão percorrendo vários Estados.
Até a tarde de quarta-feira, os nomes mais famosos ligados ao que se pode chamar de "feminismo cinematográfico" não haviam chegado: a deputada Ruth Escobar, a atriz e cineasta Norma Benguell e mesmo Marlene França, ex-atriz de filmes eróticos mas que com o político e corajoso documentário "Frei Tito", ganhou respeito internacional. Kate Lyra, atriz e curtametragista, esposa do compositor Carlinhos Lyra - convidado para o júri do Festival - chegou na terça-feira, mas não compareceu na mesa redonda da manhã de quarta-feira, em que foi discutido o treinamento técnico em filme e vídeo para mulheres latino-americanas. Em compensação, a participação de muitas cineastas e técnicas foi intensa nas reuniões em que se discutiu a presença da mulher no cinema latino-americano. Duas canadenses, ligadas ao cinema e vídeo, também trouxeram suas contribuições: Barbara Janes, produtora do Studio D, do National Film Board do Canadá, e Genny Stikeman, técnica do mesmo instituto. Da Argentina, veio a roteirista Graciela Maglie e da Colômbia a realizadora Camila Lobo-Guerrero.
Presença Feminina
A presença da mulher no cinema brasileiro é até considerável, conforme constatou a montadora Vera Aguiar através de um levantamento feito no início deste ano: nestes últimos 5 anos, 155 filmes de longa-metragem foram produzidos só no Rio de Janeiro - das 3131 posições ocupadas por profissionais, 527 (17%) couberam às mulheres. Diz Vera que "é bom lembrar que desses 155 filmes, 74,6% são pornôs, com equipes técnicas quase que totalmente masculinas".
De 1980 a 1985, 11 filmes foram dirigidos por 9 mulheres: "Gaijin", "Parahyba, mulher macho" e "Patriamada", por Tizuka Yamazaki, "Pequenas Tatas" por Maria do Rosário Silva, "Das tripas coração" por Ana Carolina (que atualmente finaliza seu terceiro longa, "Sonho de Valsa"), "Caminho das Índias", de Isa de Castro (co-direção), "In vino veritas" de Ítala Nandi, "Terra, a medida do ter", de Maria Helena Saldanha, "Lages, a força do povo", de Jussara Queiroz, e "Amor maldito", de Adélia Sampaio. Nesse mesmo período, foram realizados por mulheres mais 25 outros curtas e médias metragens em outros Estados - embora este levantamento não seja completo. Aliás, uma filmografia da mulher no cinema brasileiro é um desafio aos pesquisadores, já que nenhuma das participantes deste seminário sabia da existência de Maria Basaglia, realizadora paulista que, no final dos anos 60, produziu e dirigiu "O pão que o diabo amassou", filme com toques neo-realistas que chegou a ter lançamento comercial (em Curitiba foi exibido no antigo Cine Ritz, em 1959, naturalmente sem qualquer êxito).
O assunto "A mulher e o cinema" - sobre o qual, há 5 anos, já escrevíamos duas matérias na revista "Quem" é amplo e só agora começa a ser levantado. Merece, portanto, que a ele se volte, posteriormente, com maiores detalhes.
Mostra Latina
Nas sessões da tarde, no Cine Embaixador, foram exibidos cinco filmes latino-americanos realizados por mulheres - incluindo "A hora da estrela", de Suzana Amaral (premiada em Brasília e Berlim). Um dos trabalhos aplaudidos foi "Señora de nadie", de Maria Luiza Bemberg - principal realizadora argentina, já famosa por "Camila" (que chegou a ter indicação ao Oscar, há dois anos). "Señora de nadie" é um filme importante, na medida em que abre um espaço questionador: a história de Leonor (Luisina Brando) tem pontos em comum com outros filmes que trataram da mesma problemática - os dias seguintes à separação de uma mulher de classe média, lembrando "Uma mulher descasada", de Paul Mazursky, ou "Mulheres abandonadas", produção americana dos anos 60. Leonor, ao descobrir que é enganada por seu marido, abandona sua família ao mesmo tempo em que deixa bilhetinhos orientando o bom funcionamento doméstico. O primeiro refúgio será em casa de sua mãe, logo depois se esconde na pensão de uma rígida tia, no apartamento de uma amiga, na casa de um amigo homossexual, sucessivamente. Com exceção de sua mãe - um excelente trabalho de China Zorilla - todos são personagens arquétipos com os quais Leonor mantém uma relação de aceitação linear.
A exibição de "Señora de nadie" no Festival de Gramado mostra mais um filme questionador, inteligente, bem realizado, do novo cinema argentino, que se firma cada vez mais. Rose Carvalho, a simpática profissional da divulgação de cinema, ex-Gaumont/Alvorada, agora trabalhando com sua própria empresa, aproveita o Festival de Gramado para caitituar "A história oficial", de Luis Puenzo - premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro, no último dia 24 de março. Importado por Alex Adamiu, da Paris Filmes, "A história oficial" - que valeu a Norma Aleandro o prêmio de atriz em Cannes-85 - estreará em Curitiba, no Cine Palace-Itália, tão logo "O beijo da mulher aranha", de Hector Babenco, deixe aquela sala. Outro notável filme argentino (embora em co-produção com a França) é "Tangos - o exílio de Gardel", de Fernando Solinas - que encerrou o Festival de Cinema do Rio de Janeiro, em novembro/85, prometido pela Gaumont/Alvorada para lançamento comercial no Brasil ainda neste semestre.
A mostra do cinema latino-americano trouxe também filmes da Colômbia ("Con su música a otra parte", de Camila Loboguerrero), Peru ("El viento del Ahyauasca", de Nora Izoue), México ("Mistério", de Manuel Fernández Violante), Brasil ("A hora da estrela", de Suzana Amaral).
LEGENDA FOTO - Tizuka Yamasaki, a cineasta que mais fez "longas" ultimamente.
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