Em discussão, o futuro dos festivais
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de agosto de 1987
Fortaleza - Uma reunião improvisada à margem da programação oficial trouxe a este II Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro, a discussão de uma questão importante: critérios, validade de organizações dos festivais de cinema que começam a se multiplicar pelo Brasil. Aproveitando a presença de executivos de quatro dos mais importantes festivais - Cosme Alves, diretor da Cinemateca e também do FestRio; José da Matta, diretor do Festival de Brasília; Enoir Zarzanello, vice-presidente e diretor-geral do Festival de Gramado e os próprios diretores do Festival de Fortaleza - os cineastas Pedro Jorge de Castro e Jefferson Albuquerque Júnior, o jornalista Flávio Paiva, de "O Povo" - o mais importante jornal do Ceará - montou um encontro, de certa forma inédito até hoje.
O surgimento de novos festivais como o de Fortaleza, Rio-Cine (ainda este mês), e o de Natal (em outubro, possivelmente), ao lado do vigoramento dos festivais de Brasília e a consolidação de Gramado, faz com que seus organizadores comecem a se preocupar com os futuros. Afinal, um festival se faz basicamente com filmes atraentes, de preferência inéditos. O caráter não competitivo do Festival de Fortaleza, garantiu a vinda de produções recém concluídas, de realizadores consagrados e que não aceitam mais participar de mostras competitivas no Brasil, como João Baptista de Andrade ("O País dos Tenentes"), Cacá Diegues ("Um Trem para as Estrelas"), Nelson Pereira dos Santos ("Jubiabá") e Walter Lima Jr. ("Ele, o Boto", que deveria ter representado o Brasil no recente Festival de Moscou, mas que foi substituído, na última hora, por "O Homem da Capa Preta", de Sérgio Resende).
Mesmo produções ainda em fase de laboratório, como "Sonho de Valsa", de Ana Carolina, foram incluídas na Mostra - embora, até 24 horas antes de sua exibição, ainda não houvesse confirmação da chegada a tempo da primeira cópia.
Para Enoir Zarzanello, 36 anos, que como diretor geral do Festival de Gramado é hoje um dos executivos mais conhecidos nos meios cinematográficos, "cada festival deve procurar sua própria filosofia, sua linha de atração". Assim, Gramado continuará sendo competitivo, aberto principalmente aos novos realizadores - e as premiações de André Klotzel ("Marvada Carne", 1985), Sérgio Rezende ("O Homem da Capa Preta", 1986) e Wilson de Barros ("Anjos da Noite", 1987), indica esta tendência. Já Fortaleza, poderá se consolidar como uma amostragem de filmes de realizadores veteranos, enquanto que Brasília, em outubro, apresentará os que não ficaram prontos para Gramado. Em compensação, o Rio-Cine Festival continua encravado: realizado no Rio de Janeiro, confundido com o FestRio (este festival internacional, cada vez mais atraente), não está conseguindo filmes atraentes. A relação dos filmes selecionados para a mostra é decepcionante, incluindo produções recusadas em Gramado ("Tempo de Glauber") ou que ali não foram premiados.
O desinteresse pelo Rio-Cine Festival é tão grande que a comissão de seleção inclui como concorrente "Filme Demência", de Carlos Reichenbach, de 1986, já premiado em Gramado e lançado em várias capitais - inclusive Curitiba.
Assim, a realização de novos festivais de cinema é assunto para reflexões. Os secretários René Dotti e Fábio Campana, da Cultura e Comunicação Social, respectivamente, estão animando-se em promover um festival latino-americano de cinema, no Paraná, para o qual se pensa até em trazer nomes internacionais como Gabriel Garcia Marquez. Entretanto, embora não se descarte a possibilidade de tal evento - capaz de fazer o Paraná vir a ter alguma presença no roteiro cinematográfico - há de se convir que uma mostra de dimensão capaz de justificar-se cultural e promocionalmente exigirá recursos mínimos acima de Cz$ 20 milhões.
Gramado, que entra na preparação de seu 16º Festival ininterrupto, só agora começa a ter um equilíbrio econômico - motivo pelo qual se iniciam na próxima semana as obras de ampliação de 600 para 1.200 lugares no cinema-sede do Festival - "o que terá um custo de Cz$ 20 milhões", informa o vice-prefeito Zarzanello. Brasília, que realizará agora a 20ª edição do Festival, tem sofrido interrupções por razões políticas.
Outros festivais - como o de Penedo, em Alagoas e Caxambú, em Minas Gerais - praticamente foram desativados. No Nordeste, afora Fortaleza e a prometida primeira edição do Festival de Natal, organizada pelo crítico Potiguar Valério Andrade, da revista "Manchete", há duas mostras voltadas a curtas e média-metragens: as jornadas de Salvador e de São Luiz do Maranhão. Para a primeira, hoje já há uma consolidação, graças a regularidade com que o diretor Guido Araújo (aguardado aqui em Fortaleza, na quinta-feira) vem conseguindo manter. Para a jornada do Maranhão, modestíssima, seu organizador, Euclides Marinho, até agora não obteve os Cz$ 600 mil para custear as mínimas despesas.
Da parte de todos os organizadores de festivais, a preocupação não é mais promover apenas "o evento pelo evento", como diz Pedro Jorge de Castro. Considerando o cinema como indústria e lazer cultural, em todos os festivais cresce o interesse de realizar eventos paralelos - mostras de 16/35mm, vídeos, mesas redondas, debates, análises econômicas e mesmo reuniões técnicas. De Fortaleza, muitos participantes irão direto para São Paulo, onde, a partir de segunda-feira, haverá o II Encontro Nacional de Cineastas, para debater inclusive o futuro da EMBRAFILME - fantasma que assusta todos que estão ligados ao cinema brasileiro.
E quanto aos festivais, a época das festas, das curtições e transações, como starletes despindo-se à beira de piscinas dos hotéis de luxo, parece, definitivamente sepultada. Ao menos, aqui em Fortaleza.
LEGENDA FOTO - Wilson Barros dirigindo uma cena com Zezé Motta, em "Anjos da Noite".
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