Em Fortaleza, filmes inéditos e de qualidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de agosto de 1987
Fortaleza, agosto - Com menos de Cz$ 3.000.000,00, o Ceará está realizando um festival exemplar do cinema brasileiro. Dois anos após a sua primeira edição (outubro/85), graças a um mutirão de esforços em que somaram a Universidade Federal, Secretaria da Cultura/Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, Banco do Nordeste e Federação das Indústrias, tornou-se possível viabilizar um evento que, discreto e eficiente, conseguiu trazer à turística capital cearense aquilo que mais importante há para um festival: filmes inéditos e de qualidade.
Ao contrário do primeiro festival, realizado num período em que a safra cinematográfica estava das mais fracas (tanto é que o principal premiado foi o decepcionante "Aqueles Dois", produção gaúcha, dirigida por Sérgio Amon), agora estão sendo apresentados longa-metragens que além de serem realizações de cineastas consagrados, fazem diferentes abordagens da realidade brasileira. Após a abertura com o contundente "Fronteira das Almas", de Hermano Penna, abordando a questão da colonização da Amazônia, o segundo filme mostrou todo o lirismo de Walter Lima Jr., em "Ele, o Boto", enquanto João Baptista de Andrade faz um mergulho na história brasileira em "O País dos Tenentes", e o universo urbano de São Paulo e do Rio de Janeiro tem suas visões em "Anjos da Noite", de Wilson Barros e Cacá Diegues, respectivamente. "Sonho de Valsa", o grande aguardado (até a manhã de terça-feira, a cópia ainda não havia sido concluída nos laboratórios da Líder, em São Paulo), completa Ana Carolina, em seu psicologismo feminista, desenvolvido anteriormente em "Mar de Rosas" e "Das Tripas Coração". No encerramento, "Jubiabá", a nova transposição literária que Nelson Pereira dos Santos realiza da obra de Jorge Amado.
Justamente por esta diversificação temática, com diferentes olhares cinematográficos sobre o Brasil tão rico em seu imaginário e realidades, faz com que mostre a riqueza de nosso cinema. E este panorama é amplamente completado pelos curta-metragens, na salutar preocupação que ouve para dar espaço aos filmes de 16 e 35mm, estes competindo pelos troféus "Iracema" e ainda votados pelo público.
Jefferson de Andrade Jr., 38 anos, cearense do Crato, desde 1970 ligado ao cinema, 4 documentários (um deles, o premiado "Patativa do Assaré"), recém concluiu seus trabalhos como cenógrafo da minissérie" O Pagador de Promessas", de Tizuka Yamazaki para se envolver na organização deste festival, do qual é, ao lado do cineasta Pedro Jorge e Clóvis Catunda, da Universidade Federal do Ceará, diretor executivo.
Trabalhando com uma pequena equipe - só ampliada agora, com o efetivo início do festival - conseguiu estruturá-lo de forma econômica e motivando a iniciativa privada - especialmente a hotelaria - a colaborar com o empreendimento. "Só assim conseguimos equilibrar o orçamento do festival, de forma que o mesmo pudesse se viabilizar apesar de todas as dificuldades naturais existentes", explica Jefferson, que como realizador, vê uma grande validade neste evento: a motivação do eixo de descentralização da produção brasileira. Para tanto, há um grupo de trabalho formado pelos cineastas Pedro Jorge, Hermano Penna, Rosemberg Cariry e o próprio Jefferson, mais Marcondes Rosa, a diplomata Violeta Arraes (pernambucana, residente em Brasília, mas profundamente identificada ao cinema brasileiro) e o produtor Luís Carlos Barreto, cearense radicado no Rio, que estrutura a viabilização de fazer no Ceará um amplo espaço e realizações importantes.
Barreto, aliás, como bom cearense, acaba de aqui produzir "Luzia, Homem", dirigido por seu filho, Fábio ("Índia, a Filha do Sol", "O Rei do Rio") e mostra-se propenso a produzir também o primeiro longa-metragem de Jefferson de Albuquerque, com o título provisório de "Canoa Quebrada", que dará um tratamento musical a especulação imobiliária existente numa comunidade a 150km de Fortaleza. Este projeto é para 1988, ano em que outras realizações aqui também deverão acontecer. Além de Barreto, outro bem sucedido cearense é Renato Aragão, cujo irmão, Paulo, participa também das preocupações de desenvolver o cinema nordestino.
Afora um grande número de curtas e média-metragens como o interessante "O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto", de Rosemberg Cariry, que encerrarão, sábado, a mostra de filmes em 16mm - o cinema cearense inclui filmes aqui rodados nestes últimos anos, a começar pelo longa "Padre Cícero - Patriarca do Nordeste", de Helder Martins (tão frustrado em seus resultados que o seu realizador desistiu de continuar a fazer cinema e voltou a sua carreira de diplomata), praticamente inédito em todo o país. Carlos Coimbra aqui rodou "O Policial", "O Homem de Papel" e "Iracema", da obra de José de Alencar e Pery Salles aqui fez "Dora, Doralina", com sua esposa, Vera Fischer, na personagem criada pela romancista Raquel de Queiroz. O longa-metragem mais bem sucedido foi "Tigipió", que Pedro Jorge de Castro realizou há quase três anos do romance de Hernan Lima, premiado nos festivais de Brasília (1985) e I FestRio (troféu Pierre Kast), mas ainda sem lançamento comercial entre tantos que a EMBRAFILME não soube, até o momento, comercializar.
LEGENDA FOTO - Guilherme Lima e Marília Pêra em "Anjos da Noite", um filme-noir de Wilson de Barros - premiado em Gramado e agora levado ao Festival de Fortaleza.
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