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Festival do Rio (I) A luta pelo espaço entre tantos filmes

RIO - Um clima de festival. A luta pelo espaço vital. Parece até uma guerra. Centenas de produtores, cineastas e, especialmente, profissionais da promoção cinematográfica se integram numa bonita luta para ver quem consegue divulgar melhor os filmes, vídeos e até projetos de novas realizações que foram trazidos ao I Festival Internacional do Cinema, Televisão e Vídeo - movimentando o Hotel Nacional e espalhando-se por 17 outros cinemas daquela que já foi a Cidade Maravilhosa - e que hoje assusta pelo clima de violência nas ruas. Com mais de 200 programas, afora os 17 filmes de 14 países em competição, o Festival do Rio tem característica idêntica aos dos grandes festivais internacionais de cinema - Cannes, Veneza, Berlim, Montreal e Moscou. São mais de 2 mil pessoas credenciadas - 800 dos quais jornalistas nacionais e estrangeiros. São dezenas de filmes exibidos simultaneamente, numa oferta tão grande de programas que angustia a quem deseja ao menos informar-se do que de novo existe nas várias partes do mundo. Filmes que dificilmente chegarão aos circuitos comerciais brasileiros, embora, nesta semana estejam sendo badaladíssimos nas páginas da imprensa nacional, especialmente os grandes jornais do Rio e São Paulo, que através de equipes numerosas, dão grande cobertura a este festival que movimenta toda a comunidade cinematográfica. Além dos filmes em competição, todos rigorosamente inéditos, o Festival trouxe na Semana da Crítica, o melhor do que recentemente foi apresentado em São Paulo, onde o crítico Leon Kakofi promove, já há 9 anos, uma mostra internacional, de grande mérito artístico, mas sem a badalação que marca o Fesrio. Assim, o penúltimo filme de Woodu Allen foi agora apresentado - "Broadway Danny Rose", enquanto a ArteNova Filmes já distribui material promocional a respeito - garantia de que chegará aos circuitos comerciais. O mesmo não se pode dizer ainda de "Viagem à Citera" (Kithiria), de Theo Anghelopoulos ou de "Le Bal", de Ettore Scolla - ainda sem distribuição assegurada no Brasil. O VÍDEO DE FREDERICO - Entre as centenas de nomes das fichas técnicas dos filmes e vídeos que [participam] deste Fesrio, ao menos um nome familiar aos curitibanos: Frederico Fullgraf. Com um vídeo produzido para a TV alemã - e, portanto, aqui representado a República Federal da Alemanha, - "Der Todliche Kreislavf" - Frederico compete no setor de vídeos jornalísticos. Voltaremos a falar de seu trabalho em próxima coluna, pois afinal Frederico, nascido na Alemanha, é curitibano de formação: passou aqui a infância e adolescência e para cá retornou há 3 anos, realizando os documentários "Quarup , Adeus Sete Quedas" e "Desapropriado". Embora agora radicado no Rio de Janeiro, Frederico continua fiel ao Paraná, onde está rodando muitas seqüências de seu novo documentário - "o Veneno Nosso de Cada Dia" e onde também pretende fazer o seu primeiro longa-metragem. A ampliação do festival também para a área de vídeo é uma das grandes novidades deste festival. Ao todo, foram selecionados cerca de cem vídeos de mais de 20 países, nas seguintes categorias (três por país): musicais, vinhetas, jornalísticos, ficção e campanhas comunitárias. Entre os vídeos brasileiros figuram alguns trabalhos dos mais interessantes, como "Conexão Internacional - Marc Chagall", de Walter Moreira Salles Jr; "Operação França", de Ruy Solberg, sobre os travestis brasileiros na França. POEIRA DE ESTRELAS - Naturalmente, o Festival reúne dezenas de estrelas. Nomes famosos do universo do cinema, teatro e, especialmente, televisão circulam pelos espaços monumentais do Rio Palace - enquanto os convidados internacionais - Dominique Sanda, Ugo Tognazzi, Esther Willians, Win Winders, entre outros, que no domingo já haviam chegado, quase já não despertam maior sensação. Afinal, não é o grande público, de fanzocas, que consegue chegar a sofisticada sede do Festival. Aqui estão basicamente jornalistas - uma parte dos quais acostumada a cobrir festivais de cinema e que procuram mais o lado crítico do que o badalativo do evento - e gente de cinema, da área comercial (para o qual, tudo é, antes de mais nada, negócio) e profissional. Ao público, que pode pagar os ingressos de Cr$ 8 a Cr$ 10 mil estão as sessões da noite, no amplo salão "Glauber Rocha" - onde são exibidos as curtas e longas metragens em competição. Mas há as cabines para vídeo e cinema, alugadas na base de Dólar, para os produtores mostrarem seus filmes a eventuais compradores, e, nos cinemas que se integraram a promoção das diferentes retrospectivas e mostras. São filmes em sua maioria inéditos, muitos em versões originais, que só chegaram graças ao fato deste festival ser um evento realmente internacional. Há também apresentações de filmes marcadamentes, exibidos há 20 ou 30 anos no Brasil - e que nunca mais voltaram. Por exemplo, a presença do cineasta americano Elia Kazan motivou o ralançamento de três de seus melhores filmes - "Rio Violento", "Clamor do Sexo" e "Um Rosto na Multidão". "Se os dois primeiros tem sido constantemente reprisados na televisão, "A Face in The Crowd" é praticamente inédito. Foi lançado no Brasil, pela Warner, há 27 anos passados, sem sucesso. Em Curitiba, não custa recordar, teve apenas 4 dias de exibição - e por um motivo curioso: a 10 de julho de 1957, o antigo Cine Palácio iria estrear a super-produção "Assim Caminha a Humanidade" (Giant, 55, de George Stevens). Com o velho Henrique Oliva, por determinação da produtora -distribuidora (Warner), aumentou os ingressos do cinema, a atuante União Paranaense dos Estudantes promoveu manifestações durante todo o dia na Avenida Luíz Xavier, impedindo que o filme entrasse. Entre os comandantes daquelas manifestações estavam dois jovens estudantes chamado José Richa e Rafael Iatauro. Como "Giant" (que foi o último filme com James Dean) não pode estrear, a Warner o substituiu por "A Face in The Crown", uma corajosa denúncia dos mitos da televisão, baseada em novela de Budd Schulbert e estrelada por Andy Griffith - ator que pouco depois se afastaria das telas. O filme foi mostrado apenas 4 dias e nunca mais teve relançamento. Agora, na versão original, foi mostrado aqui no Rio de Janeiro, com a presença de Kazam - diretor e autor americano que é, talvez, em termos rigorosamente cinematográficos, o nome mais sólido entre tantos aqui presentes. OS FILMES - "Paris Texas", o filme do alemão Win Winders que venceu o último festival de Cannes, abriu o festival na noite de domingo, 18. Um filme denso e profundo, com roteiro de Tom Shepard, escritor e ator (apareceu muito bem em "Francis", já exibido em Curitiba) e que tem merecido tantas críticas e apreciações que não é possível que o filme não venha a ter lançamento comercial no Brasil. Segunda-feira, houve o primeiro filme comemorativo, o francês "Notre Histoire", de Bertrand Blier. Terça-feira, uma produção colombiana - "Carne De Tu Carne", de Carlos Mayola e quarta-feira, o aguardado "1984", de Michael Radford, refilmagem do romance de George Orwell, que em 1956 já havia sido levado às telas com Edmundo O'Brien. Com Richard Burton - em seu último trabalho no cinema (posteriormente, faria um filme para a televisão, ainda inédito), "1984" é um dos filmes mais aguardados, embora seja de um cineasta ainda desconhecido no Brasil (seu filme anterior, "Another Time, Another Place", foi premiado em vários festivais internacionais). Para quinta-feira, "Ordeal By Innocent", direção de Desmond Davis - mais uma transposição para o cinema de uma novela de Agatha Christie (o romance "Punição para a Inocência", naturalmente já traduzido para o português). O Festival inclui ainda nesta quinta-feira o filme nacional - "Ëspelho de Carne", de Antonio Carlos Fontoura, com Helena Menezes, Denis Carvalho, Maria Zilda, Joana Fomm e Daniel Filho. Outro filme brasileiro em competição será exibido dia 24: "Cabra Marcado Para Morrer". Um filme que tem uma história de produção tão complicada (e política) que o faz, de princípio, merecer a simpatia da imprensa e, dizem, de parte do júri: em 1964, Eduardo Coutinho foi à Paraíba filmar um dramático fato em torno da vida e morte de João Pedro Teixeira, líder camponês assassinado no inicio daquele ano. Quinze dias após o inicio das filmagens - março de 1964 - parte da equipe foi presa e só 17 anos depois o cineasta pode voltar ao local para saber o que aconteceu com as pessoas que trabalhariam no primeiro projeto. Conta-se, então a história de um filme, tendo como personagem central a viúva do líder morto. Elizabeth Teixeira, e seus nove filhos. Durante esses 17 anos, ela mudou de nome, separou-se dos filhos. O dado emotivo: somente com o filme, dona Elizabeth, recupera o verdadeiro nome e notícias dos filhos. Embora seja perigoso fazer prognósticos, é bem possível que o prêmio da Organização Católica Internacional de Cinema para a obra de maior valor humanístico vá para este filme. Aliás, do júri do prêmio da OCIC, faz parte o ex-seminarista Francisco Alves dos Santos, crítico de cinema e responsável pelo setor de cinema da Fundação Cultural de Curitiba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
26/11/1984

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