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Festival do Rio (II) Imagens assutadoras do terrível mundo de "1984"

RIO - (Especial) - A parte competitiva do I Festival Internacional de Cinema, Televisão e Vídeo não poderia ter iniciado de modo mais melancólico. "Notre Histoire", de Bertrand Blier, foi uma decepção geral. Hermético, confuso, procurando o surrealismo de Bunuel (mas sem o gênio do espanhol), Blier conseguiu quase uma unanimidade. Ainda bem que Alain Delon, ator e produtor de filme, acabou não vindo, pois não gostaria das críticas que foram feitas tanto na imprensa como, ainda mais pesadas, nos vários círculos do festival. "Notre Histoire", em que, ao lado de Delon, há a bela Nathalie Baye e Michel Galabru, já havia sido recusado no festival de Cannes - o que foi lembrado bastante agora. Em compensação, emoção é a palavra que melhor define "Vivement Dimanche", o último filme de François Truffaut - exibido na segunda-feira, 19, hors-concours. Uma trama policial no melhor estilo de Hitchcock (de quem Truffaut era o maior entusiasta) e a atuação da estrela mais encantadora aqui presente, Fanny Ardant - última esposa do cineasta. Com a sua vinda ao Brasil, menos de um mês após a morte de Truffaut (ocorrida no domingo, 21 de outubro último, em Paris), Fanny Ardent tornou-se a pessoa mais simpática da mostra. Morena mignom, aquele olhar de sensualidade "da mulher do próximo" - Fanny ainda é pouco conhecida no Brasil: em 1980, Truffaut a lançou no belo "A Mulher do Lado" (La Vie Est Un Romain") e Volker Schlondorfl ("Um Amor de Swaan"), que a Gaumont lança agora no Brasil, mas que em Curitiba só chegarão em 1985. Aliás, os filmes da Gaumont voltarão a ser exibidos no cine Astor, em pacotes bimensais, que estão sendo acertados entre o programador Haime Tavares (que já foi diretor da Fama Filmes em Curitiba) e Aleixo Zonari. Assim, durante o ano, pelo menos em duas temporadas, os excelentes filmes da Gaumont estarão sendo exibidos. Com relação ao cine Itália, nem pensar! A experiência ali desenvolvida, durante 4 meses, provou que o público curitibano - ao contrário do de Porto Alegre - não sabe prestigiar, como se espera, filmes de Bergman, Fellini, Scolla e outros mestres da moderna cinematografia européia. A surpresa colombiana - Entre o políticos e um realismo fantástico, com (muitos) toques de horror, "Carne de Tu Carmne" foi o primeiro filme latino-americano em competição. Produção colombiana, de 1982, com 82 minutos, é dirigida por Carlo Mayola, com doir jovens e intérpretes - Adriana Herran e David Guerreiro. Considerado o melhor filmes já realizado na Colômbia - cuja cinematografia é totalmente desconhecida no Brasil - "Carne de Tu Carne" recebeu, o prêmio de melhor direção do III Festival Colombiano de Cultura. No princípio há toques do cinema de Carlos Saura - na descrição do universo familiar burguês. Entretanto, aos poucos, um clima de terror, lembrando mesmo aos textos de Garcia Marques, vai tomando conta deste filme que dividiu o público e crítica - mas que tem inegáveis méritos. Antes de tudo é uma história gótica de amor entre um adolescente e sua irmã menor durante a ditadura militar nos anos 50 na Colômbia. Através de uma relação incestuosa, os amantes são possuídos pelos fantasmas de seus antepassados e se convertem em criaturas canibais e vampirescas que se assombram com o terror e confumdem-se com mitos autoctones dos Andes. O diretor Mayola, falando aos jornalistas, disse que [o] filme foi realizado "exatamente como se estivesse contando uma história para crianças", ficando contente porque a censura liberou o filme na Colômbia, para maiores de 12 anos. Diz ele: - "Os adultos não poderiam entender, porque este é um mundo subjetivo. Somente os que já estiveram enamorados e entraram pelos bosques para se amar podem entender". Terrível mundo de Orwell - Em "Metrópolis", clássico do expressionismo alemão que Fritz Lang realizou há 59 anos, há dois mundos diferentes: a Cidade Subterrânea, onde vivem os operários explorados e martirizados e a Cidade Alta - ou a Metrópolis - onde vivem os privilegiados. Remontado como havia sido concebido por Lang - e que foi cortado pelos produtores, em 1926 - e acrescido de um processo de cores e uma elétrica trilha sonora discotheque, criada por Giorgio Moroder, "Metrópolis" tem um pré lançamento durante o Festival, exibido no distante Casa Shopping Center. As imagens de um assustador mundo do futuro que Lang imaginou em 1926 são, de certa forma, próximas aquelas que o escritor inglês George Orwell concebeu em 1948, ao escrever o assustador romance "1984". E a versão cinematográfica que o inglês Michael Radford realizou este ano - rodando o filme em Londre, exatamente no período em que ocorre a ação da estória (abril a outubro) resultou num filme dramaticamente pessimista e assustador. Após a primeira exibição, para a impresa, na manhã de terça-feira, 20 - não eram poucas as pessoas que se monstravam emocionadas. A visão do filme do mundo de "1984" - que há 28 anos já havia sido filmado por Michael Anderson - é de deixar o público sem respirar. Uma Londres cinzenta, ruínas de guerra, a imensa tela com "Big Brother" a tudo vigiando e sabendo - do mundo então dividido em três grandes potências - Eurásia, Lestásia e Oceania. Um dos redatores da nova história do ministério da verdade, Winston Smith, tenta manter um diário com a sua visão pessoal de um mundo que não admite mais a verdade. Encontra uma outra jovem que ainda gosta de amar (ao contrário da grande campanha que busca liquidar com o prazer do orgasmo) - e se tornam amantes numa sociedade onde isto é proibido. O clima que Radford (cineasta praticamente estreante) conseguiu é impressionante: mais do que uma ficção científica, "1984" é um filme de idéias e profundas colocações sobre o Poder, a Verdade, a Lealdade e os Sentimentos. Muito já se escreveu sobre "1984" - de que Orwell, ao imaginar o romance, pensou numa crítica ao stalisnismo (embora haja os que neguem isto). Hoje, suas idéias podem ser vistas como um visceral corte em ditaduras que ainda retiram o livre pensar dos indivíduos - e por isto a importância e atualidade desta sua obra. Num primeiro registro, feito ainda sobre impacto das imagens vistas há poucos momentos, é difícil aprofundar-se numa análise deste filme que, por certo, deverá ter grande sucesso em seu lançamento comercial no próximo ano. Última atuação de Richard Burton - a quem o filme é dedicado - "1984" traz no papel de Winston Smith um dos melhores atores contemporâneos, o inglês John Hurt - visto em "O Homem Elefante" e, anteriormente, num papel secundário em "O Expresso da Meia Noite". A fotografia de Simon Perry consegue transmitir todo um mundo de destruição medo e violência do poder do Estado. Há imagens que tocam profundamente, como as que colocam Winston contemplando uma pradaria verde, emoldurada de raros pinheiros. Num mundo cinzento, em escombros, no qual a Novilingua elimina as palavras que não interessam ao Poder da história é reescrita a cada dia - elas ficam como um doce momento de um passado feliz. Semelhante aquelas imagens que os que se condenavam a morrer em "No Mundo de 2020" (Soylent Green) tinham como despedida. Sem dúvida, as imagens de um "Metropolis" de Fritz Lang - em cópia colorida e sonorizada - ou a apocalíptica visão deste denso e emocionante "1984" - assim com a memória do sempre atual "No Mundo de 2020", faz com que a previsão do amanhã seja assustadora, e que se espere de que tudo fique na ficção de seus autores - e não como aterradores documentários de antecipação.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
27/11/1984

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