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Aramis

Rede de inseguranças

Lonesone Rhodes foi o pioneiro. Há exatamente 31 anos, era o primeiro comunicador eletrônico que, como um deus das ondas hertzenianas, embriagava-se com o sucesso, primeiro no rádio, depois na televisão e revelava sua verdadeira face, ambiciosa, cruel, canalha: o personagem que Budd Schulberg criou em "Um Rosto na Multidão" pode ser considerado como o avô dos supercomunicadores (manipuladores?) de massa que tem, bissextamente, tido seu poderio contestado no cinema. "A Face in the Crowd", um dos mais corajosos filmes de Elia Kazan, lançado em Curitiba exatamente no dia 12 de julho de 1957, no antigo Cine Palácio (1), foi o primeiro, o mais importante filme a discutir o perigo que representa um meio de comunicação forte como é o rádio nas mãos de uma pessoa inescrupulosa. Um marginal que aparece preso na primeira seqüência, Lonesome Rhodes (Andy Grofith, que não fez carreira como ator) transforma-se num supercomunicador a partir do emprego que obtém quase que por acaso numa pequena rádio de uma cidade do Interior dos Estados Unidos, faz rápida carreira que o leva à televisão em Nova Iorque. Originalmente um pequeno conto ("You Arkansas Traveler"), "Um Rosto na Multidão" questionou o poder do rádio e da televisão, colocando, simbolicamente, estes meios de comunicação e a sua utilização por pessoas despreparadas. Ao final, Márcia Jeffries (Patrice Neal), de certa forma a responsável pela criação do "monstro comunicativo", o desmascara em pleno ar, numa seqüência antológica - e que ficou na retina de todos que viram este filme -, há muito merecedor de uma reprise. Pela televisão. O bom caratismo de Márcia Jeffries a aproxima da sensibilidade, emotiva e profissionalismo de Jane Craig (Holly Hunter), espécie de ponto de equilíbrio entre Tom Grunick (William Hurt) e Aaron Altman (Albert Brooks) em "Nos Bastidores da Notícia" (Cine Plaza, 5 sessões) que, 30 anos depois, retoma a discussão da televisão em seus aspectos morais. Entre Márcia, espécie de "Dr. Frankenstein" de Lonesome Rhodes e a cândida Jane Craig deste "Broadcasting News" - um dos fortes candidatos a vários Oscars na próxima segunda-feira, 11 - surge uma terceira mulher, de comportamento oposto: a ambiciosa, cruel e titânica Diane Christensen (Faye Dunaway) em "Network/Rede de Intrigas" (1956, de Sidney Lumet), o mais demolidor filme já realizado em torno da televisão. Se Jane Craig, em sua fragilidade mignon e grande competência é uma espécie de anjo-bibelô em "Broadcasting News", a bela e sensual Diane Christensen era o próprio demônio na história que Paddy Chayfsky escreveu sobre o (sub)mundo da televisão. Chayfsky sabia do que falava: antes de se tornar um dos mais festejados roteiristas dos anos 50 em Hollywood (a partir de "Marty", o grande premiado em 1955) havia trabalhado durante anos em cadeias nacionais de televisão, ali criando telepeças desmistificadoras da realidade americana. Portanto, o mundo cruel de "Network" não era apenas fruto de sua imaginação - mas uma espécie de grande reportagem sobre vaidades, ambições e jogo cruel, sem regras, pelos números da audiência, que levavam uma produtora ambiciosa como Diana a massacrar um executivo, Max Schumacher (William Holden) ou levar um apresentador desesperado, Howard Bale (Peter Finch, em seu último trabalho premiado postumamente com o Oscar) a ser assassinado, em pleno ar, por fanáticos - na busca da maior emoção. O jornalismo em questão Frente a ambição desmedida do longínquo Lonesome Rhodes dos anos 50 e do inferno de "Network", o ambiente de "Broadcasting News" é asséptico, bem comportado e até nobre. James L. Brooks, depois da consagração obtida em seu longa de estréia, "Laços de Ternura" (Terms of Endearment) (2) decidiu focalizar o mundo da televisão, que frequentou antes de chegar à tela ampla. E voltou-se justamente ao lado do jornalismo, que, nos Estados Unidos como no Brasil (a partir dos anos 60), passou a ser uma intensa disputa de mídia. Em termos de realismo profissional, "Nos Bastidores da Notícia" é de uma grande honestidade. Quem participa ou acompanhou, alguma vez, o ambiente de trabalho de departamentos de telejornalismo de rede nacional sentirá que a tensão, a agilidade, a esperteza em conseguir ajustar a notícia ao tempo inflexível é digna, mesmo de ser comemorada com abraços mútuos - como acontece logo numa das primeiras seqüências. Jogo de inseguranças Network era um filme raivoso - que parecia ter a divisa de "só o ódio dá audiência". "Nos Bastidores da Notícia" é, em termos humanos, um filme de inseguranças. Justamente a insegurança de quem teoricamente deve transmitir confiabilidade - as pessoas no vídeo ou por trás deles. Tom Grunick (Hurt, candidato ao Oscar de melhor ator), vindo de uma estação de TV do Interior, onde era comentarista esportivo, para a sucursal de uma Network, em Washington, revela, logo no primeiro encontro com a produtora Jane Craig (Holly Hunter, forte candidata a melhor atriz) toda sua fragilidade e ignorância. Aaron, excelente repórter, ótimo redator, é incapaz de ter a tranquilidade para enfrentar as câmaras - coisa que Grunick faz com maestria. Jane Craig, e eficiência em pessoa, é tomada por seguidas cenas de choro convulsivo. Também insegura. Neste tripé de fragilidades humanas desenvolve-se um roteiro equilibrado, em que o amor fica no platônico, nas intenções, nos desejos - e que, ao final, num reencontro sete anos após, cada um busca mostrar, ao menos aparentemente, um encontro consigo mesmo: Grunick promovido a anchor man da rede nacional, ocupando o cargo mais cobiçado da rede; Aaron, casado, vivendo em uma cidade tranqüila no Interior. Jane, com um caso amoroso, mas ainda naquela grande afeição pelos dois homens que a marcaram. Verdades & mentiras A televisão continua a render novos enfoques, apreciados pelo cinema. O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, correspondente da "Folha de São Paulo" em Washington, informava no último dia 27 de março, que acaba de estrear nos EUA o filme "Switching Channels" (Trocando de Canais), de Ted Kotchef - em que recria, mais uma vez, o clássico "The Front Page" de Ben Hecht (1894-1964), escrito em colaboração com Charles MacArthur em 1928 - e que já por duas vezes foi levado às telas (3). A história agora foi transplantada da redação de um jornal para uma televisão a cabo, especializada em notícias. Só que, como informa Lins da Silva, ao contrário de "Broadcasting News", "Switching Channels" não tem qualquer pretensão de ser levado a sério. É superficial, cria dezenas de situações improváveis, lida com estereótipos. "Nos Bastidores da Notícia" é correto: o único deslize cometido por Grunick - criar uma situação artificial para fingir que chora durante uma entrevista - não é o nada perante as falcatruas e desonestidades que os personagens de Schulberg e Chayfsky armavam há 31 e 11 anos passados em "Um Rosto na Multidão" e "Network", respectivamente. Também o questionamento da televisão - em sua força poderosa e perigosa influência - só passa, com maior força, quando Aaron Altman, discutindo com Grunick compara o vídeo ao demônio bondoso, incapaz de mostrar o rabo (e a maldade) mas que "penetra nos lares". Neste momento a questão se amplia - e poderia remeter a toda uma outra discussão - e que vem desde "1984", do romance que George Orwell (1903-1950) publicou um ano antes de morrer e no qual antevia o Grande Irmão, tudo sabendo, tudo controlado, pelo olhar mágico da televisão - que então começava a dar seus primeiros passos no mundo. Muito oportunamente, outro filme em exibição na cidade (Bristol/São João), este sem nenhuma indicação ao Oscar - mas em compensação faturando os tubos - também traz a televisão como ponto de partida: "O Sobrevivente" (Running Man, 87, de Paul Michael Glaser). Com um clima que lembra propositalmente o cult-movie "Blade Runner, Caçador de Andróides" (1982, de Ridley Scott) a sua ação se passa em 2017, quando um governo ditatorial, para afastar as multidões de qualquer ação estimula programas da máxima violência, na qual inimigos do Estado são caçados impiedosamente, num espetáculo de selvageria transmitido ao vivo. Como filme, "Running Man" não resiste a maior análise, assim como seu astro, Arnold Schwarzenegger, é apenas um perfeito halterofilista. Mas a visão crítica de se ver um animador de auditórios conduzindo todo um festival de violência e mentiras para anestesiar o público, não deixa de fazer com que o espectador mais consciente veja o lado simbólico desta produção aparentemente somente caça-níquel. Adilson Laranjeira, lúcido crítico de cinema e, especialmente vídeo, foi perfeito ao lembrar que propositalmente o animador do programa (Richard Dawson) lembra Merv Griffin, o mais antigo apresentador de programas de auditório da TV americana. Analisando tudo o que a televisão - a máquina de fazer doidos, como dizia o filósofo Stanislaw Ponte Preta - pode fazer na condução das pessoas, Laranjeiras encerra o seu comentário de forma perfeita: "dá o que pensar quando mostra o que é possível fazer numa ilha de edição de TV e com um animador de auditório talentoso que possa não ter escrúpulos. E não é mera coincidência que você esteja pensando em quem está". Notas (1) No dia 11 de julho de 1957 a Warner Brothers iria lançar em Curitiba a superprodução "Assim Caminha a Humanidade" (Giant, 55, de George Stevens). Como se tratava de uma superprodução, com 189 minutos, e tinha a grande promoção de ser o último filme estrelado por James Dean (1931-1955), os preços nos ingressos haviam sido majorados. A união Paranaense dos Estudantes/União Paranaense dos Estudantes Secundários não concordaram e promoveram manifestações defronte o cinema Palácio - comandadas, entre outros, por 2 jovens líderes estudantis que se chamavam José Richa (hoje senador) e Rafael Iatauro (hoje conselheiro do Tribunal de Contas). A manifestação foi tamanha que a polícia interveio e o filme não foi exibido. No dia seguinte, em substituição, era lançado "Um Rosto na Multidão", que ficou apenas 5 dias em cartaz, nunca mais sendo reprisado. Um mês depois, "Giant" estreava. Com ingressos majorados e sem protestos. (2) "Laços de Ternura" valeu os Oscars de melhor filme, atriz (Shirley MacLaine), ator coadjuvante (Jack Nicholson), roteiro adaptado e direção (Brooks) na noite de 9 de abril de 1984. (3) História sobre um excelente repórter policial que quer abandonar o jornalismo para casar com uma rica herdeira, mas é impedido pelo seu editor (que não deseja perder o bom profissional) "The Front Page" foi filmado pela primeira vez em 1931, direção de Lewis Nilestone (no Brasil, se chamou "Última Hora"), com Adolph Menjou e Pat O'Brien. Em 1974, Billy Wilder voltaria a filmar a mesma história, com Walter Matthau e Jack Lemmon. A propósito, Billy Wilder, 80 anos, será, merecidamente, o grande homenageado na festa do Oscar na segunda-feira. LEGENDA FOTO 1 - Tom Grunik (Willliam Hurt, candidato ao Oscar de melhor ator) é o apresentador seguro diante das câmeras. Inseguro, atrás delas. Um bom retrato que se ajusta a muitos nomes famosos do telejornalismo no Brasil. LEGENDA FOTO 2 - Norman Jewison - ao centro - durante as filmagens de "Broadcasting News", entre William Hurt e Holly Hunter. Jewison, canadense, concorre ao Oscar de melhor diretor. LEGENDA FOTO 3 - Albert Brooks, o bom repórter mas péssimo apresentador de noticiários, e Holly Hunter - a grande personagem de "Nos Bastidores da Notícia".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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07/04/1988

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