Festival do Rio (IV) II Fesrio já tem data: novembro, 85
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de novembro de 1984
RIO (Especial para O ESTADO DO PARANA) - Ao encerramento do I Festival de Cinema, televisão e vídeo, terça-feira última, uma coisa já era definitiva: a realização de sua segunda edição, em novembro 1985, com uma estrutura bem mais ampliada e uma planificaçãoantecipada, corrigindo-se as deficiências observadas durante os últimos dez dias. Praticamente independente dos recursos oficiais - a contribuição da Flumitur ficou em menos de Cr$ 300 milhões e o Fesrio custou mais de Cr$ 6 bilhões - e justamente por não ficar atrelada à máquina estatal é que esse festival poderá consolidar-se. Há 15 anos, quando o governo Carlos Lacerda realizou o Festival Internacional de Filmes, houve apenas duas tumultuadas edições. Ricardo Cravo Albim, ex-diretor do Museu da Imagem e do Som e ex-presidente do Instituto Nacional do Cinema, hoje membro do Conselho Superior de Censura, diz que, ao assumir o INC, atendeu uma reivindicação dos cineastas brasileiros: acabar com o FIC, que, na época, era visto como uma promoção voltada exclusivamente em favor do cinema estrangeiro. Esse problema não deve ocorrer agora: como assinalarmos em correspondência anterior, a preocupação da Comissão Organizadora do Fesrio foi, justamente, abrir espaço para o cinema brasileiro. No encerramento, foi exibido "Além da paixão", o recém-concluído filme de Bruno Barreto, que, no melhor sistema americano, já distribuiu material promocional do filme que realizará em 1985: "Eldorado, a saga do café", com roteiro de Rubens Luchetti e a ser rodado em Ribeirão Preto - SP.
O grande filme apresentado no Fesrio foi "Cabra Marcado para morrer", de Eduardo Coutinho, que mereceu aplausos entusiásticos e o prêmio principal, e tem, como a promoção agora recebida, condições de se tornar o grande acontecimento cinematográfico político para o verão democrático de 1985. Assim como "Jango", de Sílvio Tendler, lançado em março do ano passado, foi o chamado "Filme de abertura", "Cabra Marcado para morrer" (levou 20 anos para ser concluído) deverá tornar-se o filme mais discutido nas próximas semanas.
A estréia comercial da película está prevista para o próximo dia 3, no Circuito Belas Artes, da Gaumont, em São Paulo, e, se houvesse mais cópias (por enquanto, são apenas duas em 35 mm), sem dúvida seu lançamentoseria em escala nacional. Na próxima semana, "Cabra marcado para morrer" abre o Festival de Cinema Brasileiro de Caxambu, em Minas Gerais, a convite pessoal do secretário da Cultura do governo de Minas Gerais, José Aparecido, Ziraldo Alves Pinto, agora cartunista da nova "Última Hora", emocionado, após assitir o filme - "chorei como uma criança, tamanha a emoção", dizia: - "O Tancredo (Neves) tem que assiti-lo. Vendo esse filme, ele vai compreender melhor ainda muita coisa que aconteceu no Brasil nos últimos anos".
OS NÚMEROS DO FESTIVAL
O último número da "Folha do Festival", que durante 10 dias circulou com 150 mil exemplares, deu grande destaque à promessa feita pelo secretário de Turismo do Rio de Janeiro, Trajano Ribeiro, presidente da Comissão Organizadora: a efetivação do Fesrio no calendário turístico. Em termos promocionais, turísticos e culturais, o Estado do Rio não vai perder novas oportunidades: para maio de 1985, haverá um novo Festival Cinematográfico, dedicado exclusivamente à produções nacionais.
Para julho, haverá um festival Internacional da Canção, reeditando a época em que os FICs movimentavam o Maracanãzinho. Há motivos para tanto entusiasmo: apesar do pouco tempo, que se tinha para organizar o Fesrio, houve uma positiva participação internacional e grande cobertura da imprensa mundial, entre os 800 jornalistas credenciados, mais de 100 representavam 30 diferentes países (apenas 20 foram convidados do Festival).
Se o nível artístico dos 17 filmes de longa-metragem que competiram podem merecer discussões e análises mais aprofundadas, em termos de movimentação os resultados foram positivos. Nas 13 salas cinematográficas que exibiram mostras paralelas, houve uma afluência imensa de público e mesmo os outros cinemas do Rio de Janeiro passaram a ter melhor renda, desde que o Fesrio passou a ocupar maiores espaços da imprensa, rádio e televisão. "O importante foi que o cinema voltou a ser discutido e mereceu primeiras páginas de jornais", dizia Fernando Algarbim, diretor da revista "Cinemin", uma das poucas revistas especializadas em cinema e que trará, em sua próxima edição, um suplemento especial sobre o Fesrio. Já Romeu Crenaldi, programador de salas de arte em Porto Alegre e que veio do Rio, por sua conta, assistindo 40 filmes numa "maratona festivalesca", comentava:
-"Muita gente reclamou da multiplicidade de eventos, lamentando não poder assitir a sequer 10% dos filmes oferecidos. Mas isso faz parte do festival. Um evento cinematográfico tem que ter muitos programas".
O PRÊMIO DA OCIC
Afora as premiações oficiais, como o "Tucano de Ouro", um dos galardões mais importantes distribuídos neste festival foi o do "Office Cothelique Internacional du Cinema", o OCIC, que desde os anos 50 é atribuído, nos festivais de primeira categoria, em todo o mundo, e que se destina à premiação de filmes que ponham em destaque os valores humanísticos. O presidente do OCIC-Internacional, o padre suíço Ambros Eichenberger, veio ao Brasil para presidir o juri, do qual fizeram parte três críticos de cinema, todos ex-seminaristas - Francisco Alves dos Santos (conservador de cinemateca do Museu Guido Viaro e programador da Sala Groff), Miguel Pereira ("O Globo") e José Tavares de Barros (presidente do Centro de Pesquisadores de Cinema Brasileiro e professor de Cinema da Universidade Federal de Minas Gerais). Participaram, também, do júri, [uma] religiosa argentina, irmã Maria Fidelis Tibaldo; o paulista Conrado Berning; o chileno Roberto Urbiana; e d. Eduardo Kenik, bispo de Piracicaba, representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A premiação do OCIC foi atribuída ao filme brasileiro "Cabra marcado para morrer", que, desde o início, já era favorito para merecer essa distinção, pela carga de emoção e importância política.
Francisco Alves dos Santos, como tantos, emocionado com o filme, comentava: - "O filme não apenas resgata um período da vida política brasileira, como também, é o próprio resgate de uma família, já que só através da conclusão desse filme, iniciado em 1964, a viúva do personagem, dona Elizabeth Teixeira, está podendo reencontrar 9 dos 10 filhos, dos quais se separou em 1964.
VENDAS
Um milhão e meio de dólares em equipamentos foram negociados nos Stands montados no Centro de Convenções do Hotel Nacional.
Segundo o último levantamento, as vendas de filmes e vídeos totalizaram sete milhões de dólares, incluídos os contratos a maior prazo: Brasil, Espanhae Argentina figuram entre os principais vendedores. Apesar desses dados otimistaas, muitos se queixaram na parte comercial. Oscar Santana, produtos de "O mágico e o delegado", o premiado filme de Fernanco Cony Campos, acompanhou, com sua simpatia baiana, muitos compradores em potencial, interessados em ver os filmes brasileiros, mas cuja decisão de fechar negócio sempre é demorada.
- "É um verdadeiro trabalho de corretor", comentava, após mostrar seu filme a um francês, interessado em seu novo documentário "Entrudo, uma paixão carioca", curta-metragem dos mais elogiados.
Já Ewa Kurde Polter, da Taurus Filmes, de São Paulo, trouxe, apenas, um filme (estreelado por Tarcísio Meira) e, "por uma questão de economia", associou-se a outros pequenos produtores, no Stand da Associação Brasileira dos Produtores Cinematográficos. Participei mair por curiosidade de que com esperanças de comercializar meu filme, Por exemplo, os chineses, que o assistiram, são muito cautelosos e exigentes. Eles não adquirem filmes que contenham cenas de violência ou a mais leve insinuação de pornografia".
Em contrapartida, houve também negócios entre os produtores dos filmes estrangeiros com distribuidores brasileiros. A Artenova, do ex-editor Álvaro Pacheco (o homem que com dois filmes, "O império dos sentidos" e "O dia seguinte", se transformounum dos mais ricos "tycoens" cinematográficos), não chegou a adquirir nenhum dos filmes estrangeiros aqui apresentados. "Maria Laver's", com Natassia Kinski, exibido na Semana da Crítica, já havia comprado, antecipadamente, no festival de Veneza. Também, Broadway Danny Rose", o penúltimo filme de Woody Allen. Seu último trabalho, "Purple rose of Cairo" (ainda não estreou nos EUA), já havia tido seus direitos adquiridos anteriormente.
"Broadway Danny Rose" estreou esta semana em São Paulo, com excelentes rendas, e segundo Paulo Goes, o principal executivo da Artenova, deverá ser lançado em Curitiba ainda em dezembro, possivelmente no Cine Astor, agora reformado. Na última segunda-feira, finalmente "Paris Texas", de Win Winders, que venceu o festival de Cannes-84 e que abriu o Fesrio, teve seus direitos adquiridos para o Brasil. O comprador foi um riquíssimo indiano dono de uma pequena distribuidora de filmes pornográficos, da Boca do Lixo, em São Paulo, que agora decidiu investir 2 milhões de dólares em filmes de qualidade. Assim, pagar os 35 mil dólares para ter os direitos de lançamento de "Paris Texas" no Brasil não foi um problema. E não poderia ter feito um negócio mais simpático para transformar a imagem de sua distribuidora de "especializada" em pornografias numa firma de respeitabilidade.
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