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Aramis

Um filme chamado Brasil na dura realidade dos anos 80

O Festival de Cinema de Brasília, nesta sua 22ª edição, não poderia iniciar com um filme mais importante, corajoso e atual do que "Uma Avenida Chamada Brasil". Há um ano, quando "Memória Viva", primeiro longa de Octávio Bezerra, 43 anos, venceu a XVII Jornada de Cinema da Bahia, obtendo o prêmio Paulo Emílio Salles Gomes, como o "melhor trabalho brasileiro de pesquisa histórica sociológica ou antropológica", aqui dedicamos, matéria especial sobre o filme que ele acabara de rodar, "Uma Avenida Chamada Brasil" (publicada no "Almanaque", 28-09-88), relatando detalhes da produção realizada (sem financiamento da Embrafilme), que o levou a conviver nas favelas do Rio de Janeiro, testemunhando cenas chocantes de violência para realizar um retrato, sem retoques, de nosso dias - com títulos dos mais apropriados. Anteriormente, em 1987, no IV FestRio, com o excelente "Memória Viva", Bezerra, representando o Brasil, já havia obtido dois prêmios - mas apesar da importância deste filme em que examina a cultura brasileira a partir das idéias de Aluisio Magalhães (1927-1982), o filme permanece praticamente inédito - inclusive em Curitiba, conforme denunciamos em outra ocasião. Assim, para quem acompanha o que se faz de sério, honesto, corajoso e criativo na área do cinema documental, o nome de Bezerra, um carioca filho de pernambucanos, extremamente simpático e humilde como são os verdadeiros talentos, há muito merece respeito, pois desde os seus primeiros documentários tem se voltado a discussão de questões polêmicas. Brasil Brasileiro Antes mesmo de sua montagem como cinema - mas aproveitado num vídeo em duas partes de 57 minutos, primeira síntese das 8 horas de filmagens, "Uma Avenida Chamada Brasil" foi levada pelo co-produtor Uberto Mollo ("Tormenta", "Por Incrível Que Pareça") ao Festival de Nova York (novembro/88), inicialmente destinado ao cinema publicitário mas hoje aberto a outros gêneros e cinematografias. Ali, o impacto das imagens capturadas pelas duas Arriflex em favelas como a do parque Alegre, Ramos, Roquete Pinto, Acari, Nova Brasília, Morro da Lagartixa e Rocinha - e no tráfego intenso da Avenida Brasil - impressionaram ao júri - que concedeu uma medalha de prata ao vídeo, no caso apresentado em sua edição supervisionada por Mollo. Trabalhando por seis meses na edição final, Bezerra sintetizou agora no filme as imagens trágicas deste Brasil de final de década, às vésperas de sua primeira eleição presidencial em 29 anos. O filme nada contempla: é veraz, direto, real, sem meias palavras ou meia imagem. A câmera de Miguel Rio Branco, com quem Bezerra vem realizando todos os seus filmes, é extremamente realista, mostrando o crime, o vício, as perversões, a polícia, os bandidos e a multidão de deserdados - uma enorme população lutando pela vida - e tendo que conviver com o medo, as ameaças constantes e a morte. Desde suas primeiras projeções a crítica - e depois, no RioCine - os elogios ao documentário de Bezerra tem sido unânimes. Nelson Holnef, tanto nas páginas de "O Dia", como no "Variety", a qual é correspondente no Brasil (edição de 13 de setembro) enalteceu "Uma Avenida Chamada Brasil", destacando a importância de se realizar um filme-coragem como este. José Carlos Avellar, da "Última Hora", em seu sentido sempre profundo de ensaísmo cinematográfico, analisou o filme desde suas primeiras (e chocantes) imagens, de câmara aérea, focalizando os chamados "surfistas de trem" - pingentes dos suburbanos cariocas que se equilibram nos tetos dos vagões, num risco terrível - temática que outro cineasta importante, Luís Carlos Lacerda (o Bigode, realizador de "Leila Diniz") também pretende abordar em seu próximo longa-metragem. Pela densidade e seriedade deste filme que hoje a noite, abrirá o Festival de Brasília (antecedido do curta "Musika", do mineiro Rafael Conde - revelação em 1987, com "Uakti"), sente-se que mesmo com todas dificuldades de se fazer cinema, é possível realizar obras contundentes e profundas, com repercussão internacional. Tanto é que Bezerra levará seu filme a sete festivais internacionais nos próximos meses - incluindo Havana, Jerusalém, Nova York, Leipzig e Finlândia.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/11/1989

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