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Aramis

A mineirice do Grande Mentecapto na tela.

Gramado - Mesmo que não saia com o Kikito de melhor filme deste festival porque, afinal, surpresas podem acontecer (e os resultados só foram anunciados na noite de ontem, impossíveis assim de serem registrados neste espaço), "O Grande Mentecapto" obteve a maior aceitação do público - o que o fez o maior favorito ao troféu do júri popular - e entre (muitos) méritos tem o de conseguir aquilo que poucos filmes têm obtido: uma fácil, deliciosa e emocionante comunicação. Nas duas sessões em que teve suas primeiras exibições - na noite de quarta e quinta-feira pela manhã - este filme adaptado do romance de Fernando Sabino provocou gargalhas e transmitiu momentos de emoção, virtudes que, infelizmente, faltaram nos primeiros filmes em exibição, fechados, e que mesmo pretendendo serem comédias - "Jardim de Alah", de David Neves, e "1º de Abril, Brasil", da estreante Maria Letícia, não conseguiram. Fernando Sabino, 65 anos, que chegou na tarde de quarta-feira e que pela segunda vez assistiu ao filme (anteriormente o tinha visto numa sessão reservada, no Rio de Janeiro) não escondia o seu entusiasmo. Para ele, um intelectual apaixonado por cinema, mesmo, modestamente, dizendo que "não sou conhecedor profundo de cinema", a adaptação que o roteirista Fernando Oroz e o diretor Oswaldo Caldeira fizeram deste romance lançado em 1979, foi perfeita. Ao vender os direitos autorais para o cinema - em troca de uma importância (não revelada) em cruzeiros e mais um percentual (ao redor de 5%) sobre a bilheteria, Fernando Sabino havia se auto-imposto a condição de não interferir na adaptação. Entretanto, gostou tanto do roteiro - e do clima oferecido pelo diretor Caldeira, mineiro como ele - que acabou "dando uns palpites, fazendo sugestões". O resultado é que a adaptação lhe agradou profundamente, ao contrário do que aconteceu há 20 anos, quando o cineasta paulista Roberto Santos (1930-1987) filmou seu conto "O Homem Nu", baseado apenas num primeiro tratamento do roteiro. Apesar dos elogios e premiações que "O Homem Nu" recebeu na época (além de relativo sucesso de público), a experiência não o satisfez (por sinal, há poucos dias, Hugo Carvana o procurou propondo uma filmagem do mesmo texto). A linguagem cinematográfica não é estranha a Fernando: além de cinéfilo há mais de 50 anos e que inclui três filmes de Fellini ("A Estrada", "Amarcord" e "A Doce Vida", mais "Vidas Amargas" (East of Eden, 1954, de Elia Kazan) e "Luzes da Ribalta" (1951, de Charles Chaplim), como cinco dos melhores filmes que já viu em sua vida, Fernando Sabino realizou uma dezena de curta-metragens sobre escritores brasileiros num projeto financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento há mais de 15 anos. E graças àquela série - que teve parte dirigida cinematograficamente por seu amigo David Neves - foi que foram perpetuadas imagens vivas, emocionantes, de escritores como Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, entre outros. Estes documentários continuam a ser requisitadíssimos para exibições culturais. Escritor que mantém uma admirável jovialidade e comunicação em toda sua obra - o que, merecidamente, o faz um dos mais amados pela juventude e um best-seller da Editora Record, Sabino tem razões para sentir-se feliz com a adaptação de "O Grande Mentecapto". Oswaldo Caldeira, cineasta cujos filmes anteriores - "Passe Livre", um documentário sobre o jogador de futebol Afonsinho, "O Bom Burguês" (sobre um episódio de guerrilha urbana verídica), "Ajuricaba" (com tema indígena) e "Muda Brasil" (sobre os acontecimentos de 1985, com a eleição e morte do presidente Tancredo Neves) até agora ainda não havia realizado um filme de maior empatia. O que acontece agora, com "O Grande Mentecapto", que conseguiu absorver o espírito picaresco de Geraldo Viramundo, uma espécie de Quixote de Minas Gerais, cuja vida é acompanhada com graça, humor - mas sem excluir um aspecto social: o menino travesso que para trens na sua bucólica cidadezinha de Rio Bom, é expulso do seminário em Mariana quando envolve-se com uma fogosa viúva Peidolina (Imara Reis em excelente atuação), torna-se soldado, acaba quase prefeito de uma cidade, passa por um manicômio e acaba liderando uma revolução de mendigos e prostitutas que cercam o Palácio da Liberdade em Belo Horizonte. "O Grande Mentecapto" vale como um excelente veículo de divulgação turística de Minas Gerais. Poucas vezes um filme conseguiu captar tão bem exteriores maravilhosos como nesta lírica produção, a qual a excelente fotografia de Nonato Estrela soube extrair os melhores ângulos das cidades históricas de Mariana, Ouro Preto e Congonhas do Campo - nesta, especialmente, com a utilização perfeita das imagens dos 12 apóstolos esculpidos por Aleijadinho e cujas visões têm uma utilização dramática na seqüência em que o cego Elias (Jofre Soares, excelente também), é assassinato por policiais. Há um feliz aproveitamento dos belos exteriores, com um momento de especial significado: o encontro de Geraldo Viramundo com o cineasta Humberto Mauro, num momento em que ele estaria filmando "O Canto da Saudade", com o acordeonista Mário Mascarenhas (seu último longa-metragem). Embora esta homenagem fosse criada por Caldeira - não constando do texto original - a sua integração ao filme ficou perfeita, entusiasmando Sabino. O livro "O Grande Mentecapto" teve sua gênese há 42 anos, quando Fernando Sabino morava pela primeira vez em Nova Iorque. Chegou a escrever 60 páginas, as quais tentou retomar em 1963, mas sem conseguir dar andamento. Em 1979, graças ao entusiasmo e estímulo de sua bela e inteligente esposa, Lígia - professora de Literatura e uma das coordenadoras da Casa da Cultura Lauro Alvim (Rio de Janeiro), Fernando decidiu-se trabalhar no livro. Em apenas 18 dias, fechado em seu ambiente, escreveu um romance - gênero ao qual não retomava desde seu clássico "O Encontro Marcado" (1956). Com 35 edições, elogiado pela crítica desde o lançamento e estabelecendo uma empatia fascinante com o público, "O Grande Mentecapto" ganhou agora uma boa e correta transposição ao cinema. Por uma (feliz) coincidência), vários fatos se conjugaram: o elenco está ótimo - reunindo há mais de um ano quando o filme foi rodado) os jovens Diogo Vilela, Luís Fernando Guimarães, Débora Bloch e Regina Casé, que, hoje, são conhecidos pelo programa TV Pirata, da "Rede Globo". Diogo Vilela, no personagem-título, consegue passar as emoções que vão da juventude ao amadurecimento, enquanto Luís Fernando Guimarães criou um divertidíssimo capitão Batatinha. Em elenco de suporte ajustadíssimo, Antônio Pedro (divertidíssimo como o governador), Duse Nacarati (Mariana, a amada de Geraldo Viramundo), Emiliano Queiroz e, em curtas mas marcantes intervenções - Maurício do Vale e Cláudio Correa e Castro (como um alemão plantador de rosas, notável). Uma das quatro produções nacionais a terem acabamento sonoro com recentíssimo sistema dolby que a Som Livre trouxe ao Brasil, a trilha sonora de Wagner Tiso (editada no LP "Cine Brasil", Polygram) ganhou maior definição. Independente das outras premiações que merece, a música de Tiso é maravilhosa, tão emocionante quanto as situações colocadas neste filme picaresco, brasileiríssimo em sua mineiralidade - e que prova como uma obra literária pode ser levada à tela. Aliás, Sabino viveu neste fim de semana, aqui em Gramado, uma emoção rara para um escritor: ter duas de suas obras adaptadas ao cinema, em competição - "O Grande Mentecapto" e a novela "A Faca de Dois Gumes", este um thrilling de adultério, crime e suspense, direção de Murilo Salles - exibido na quinta-feira e que desde sexta-feira era apontado como o favorito para o Kikito de melhor filme. Quem não assistiu "O Grande Mentecapto" em seu lançamento nacional, na quinta-feira, em 9 cinemas do Brasil, terá que esperar dois meses: em 7 de setembro, a Embrafilme promete colocar o filme nas principais salas do país. Um dos filmes que poderão ter as melhores bilheterias do ano e mostrar que as relações entre cinema e literatura, tão apaixonadamente debatidas e criticadas (vide casos de "O Nome da Rosa" e "Kuarup"), podem ser harmoniosas e inteligentes. LEGENDA FOTO - Sabino: obras literárias chegam ao cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/06/1989

Esse livro me fez viajar vno tempo como nunca fui.
ele é bom de ler tem uma grande capasidade de entender
adorei podia ter mais livro que nem esse
vc é d++++++++

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