Miúcha e Francis num show que devolve a MPB ao Paiol
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de julho de 1989
A responsabilidade sempre foi enorme. Irmã de um monstro sagrado da MPB - Chico, de família de intelectuais e músicos, mulher por muitos anos do "papa" (perdoem o lugar comum, mas não já jeito de evitá-lo) da Bossa Nova - João Gilberto, e mãe também de uma graciosa cantora - Bebel. Portanto, Miúcha é daquelas pessoas a quem, mais do qualquer outra, se cobra uma performance artística maior. Capaz de inibir mesmo a mais segura das pessoas.
E na verdade, no fundo do poço, Miúcha em sua simplicidade nunca teve pretensões maiores. Sempre cantou porque gosta, pois filha do sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1987), cresceu num ambiente musical: tanto o pai, como a mãe, Maria Amélia, tocavam piano. Miúcha aprendeu cedo a tocar violão. Cristina, a caçula, sempre gostou dos sambas da velha guarda - gênero no qual se tornaria especialista. Como a casa dos Buarque de Holanda recebia tantos intelectuais como gente da música - como Vinícius de Moraes e Paulo Vanzolini - as irmãs - Miúcha, Cristina, mais Ana Maria, Maria do Carmo e uma amiga (Helena) formaram um grupo vocal que se apresentava em shows em colégios paulistas, como o Rio Branco e o Les Oiseaux, e alguns programas esporádicos na televisão, acompanhando, às vezes, o mano Chico.
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Justamente por ter sempre uma convivência natural com nomes maiores da música e da intelectualidade, Miúcha nunca fez de sua carreira algo prioritário. Gravou discos com o ex-marido João Gilberto e o saxofonista Stan Getz, dividiu dois outros com Antônio Carlos Jobim, fez álbuns solos e tem espraiado seus shows ao longo de quase 20 anos de andanças pelo mundo. Afinal, Miúcha nunca teve que provar nada a ninguém - muito menos à crítica. Beleza mignon, extrema simplicidade, charme cativante, só gosta de fazer apresentações num astral extremamente favorável. O que acontece agora, motivada para promover um novo disco que, após quase dois anos de gestação, está saindo pela Continental, a mais verde-amarela de nossas gravadoras e que retoma, mais uma vez, uma linha de boas produções.
Com sua carreira gerenciada agora por uma competente "manager" artística, Regina Oreiro, que também está cuidando da vida profissional de Francis Hime e Paulinho da Viola (entre alguns outros artistas do primeiro time), Miúcha estará no Paiol no próximo fim de semana (dias 8 e 9, 21 horas). Só que, numa prova de atenção profissional, Miúcha e Francis Hime - que com ela divide o show - chegam hoje a Curitiba. Ou seja, com tempo suficiente para fazer uma boa promoção prévia, testar a aparelhagem de som do teatro (que tantos problemas tem oferecido) e também se preparar para viagem a Londrina, cidade na qual farão shows na quinta e sexta-feira.
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O encontro no palco de Miúcha e Francis Hime é significativo por todos os aspectos. Afinal, cada um representa um segmento importantíssimo de nossa música popular - embora com raízes comuns. Há anos que já dividem espetáculos, no Brasil e Exterior (em Cuba, estiveram por duas vezes), com um repertório equilibrado, no qual, sem preconceitos a gêneros ou estilos, mas basicamente do melhor bom gosto. De Francis Hime, não é preciso falar muito. Às vésperas de seu cinqüentenário (nasceu no Rio de Janeiro em 31 de agosto de 1939), filho de uma família tradicional, Francis Victor Walter Hime teve uma formação musical das mais sólidas. O que o fez retardar sua carreira de intérprete, mantendo-se até meados dos anos 70 mais como arranjador, orquestrador e compositor-cantor - gravando apenas elepês que hoje estão entre clássicos da MPB do primeiro nível. Deve-se a segurança harmônica de Hime às melhores parcerias com Chico Buarque ("Atrás da Porta", "Trocando em Miúdos"), Rui Guerra ("Minha", "Último Canto") e mesmo Vinícius ("Sem mais Adeus", 1963, para só citar um exemplo).
Casado com a cantora, compositora e poeta Olívia (Leuthrop) Hime, Francis passou muitos anos nos Estados Unidos, estudando orquestração (com Albert Harris e Hugh Friedhopper) e criação de trilhas sonoras com nomes como Lalo Schifrin, David Raskin e Paul Glass, entre outros. Formação que o fez se firmar como um de nossos melhores autores de sound tracks, especialmente a que fez para "Dona Flor e seus Dois Maridos", sucesso mundial, editada em elepê nos EUA (Carnival Records), mas que ficou inédita no Brasil em termos de elepê - apesar do sucesso da canção-tema "O que Será?", na voz de Simone.
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Miúcha e Francis Hime no Paiol - acompanhados, por certo, por excelentes instrumentistas (cujos nomes ainda não haviam sido fornecidos pelo eficiente Sérgio Martinez, administrador daquele espaço, quando preparávamos este texto), enfim um programa artístico digno para o tão sofrido auditório da Prefeitura. Já não é sem tempo, que algo de muito bom ali aconteça!
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