Nas trilhas musicias do cinema brasileiro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de novembro de 1988
Pela própria identidade de sua obra com a utilização em trilhas sonoras de vários filmes (no ano passado, "Cidadão Jatobá", documentário de Maria Luiza Abohim, premiado no Festival de Brasília, usava trechos de seu "Rhythmetron") Marlos Nobre, 48 anos, presidente da Fundação Cultural do Distrito Federal, viu na realização da 21ª edição do festival de cinema a oportunidade para ser retomada a discussão de uma questão até há pouco esquecida: a trilha sonora no cinema brasileiro.
Numa das três mesas-redondas paralelas a I Mostra do Cinema Latino Americano do Paraná (Curitiba, 3 a 10 de outubro de 1987), pela primeira vez reuniram-se compositores que têm se dedicado a criação de sound tracks, (Sergio Sarraceni, Sergio Ricardo, maestro Remo Usaí, entre outros).
Em Brasília, Marlos ampliou a reunião para um seminário, desdobrado em dois dias, na sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional - com as participações de Dori Caymmi ("Tati, A Garota", "Dona Flor e Seus Dois Maridos"), Jards Macalé ("O Amuleto de Ogum", "Tenda dos Milagres"), Hermelino Nader ("A Dama do Cine Shangai", trilha premiada no último festival de Gramado), Remo Usaí (autor de mais de 100 trilhas de longas e curtas, discípulo de Miklos Rosza em Hollywood) e David Tyguel (que vem se dedicando basicamente a música de cinema, com trabalhos marcantes para "A Cor do Seu Destino", "O Homem da Capa Preta" e "O Mentiroso" - que concorreu ao Festival, premiado com melhor longa). Também participaram o compositor contemporâneo Guilherme Vaz, autor de várias trilhas para filmes de Nelson Pereira dos Santos, hoje radicado em Brasilia (há 3 anos, fez a premiada música do documentário "Brasiliários") e Eliseo Visconti, cineasta e que, mesmo sem ser músico, tem montado trilhas sonoras de várias produções.
Sergio Ricardo, cantor, compositor e cineasta, (autor da trilha de "Deus e o Diabo na Terra do Sol") não chegou a tempo dos debates - mas na noite de encerramento, esteve presente, na original forma que Marlos Nobre idealizou para a entrega das premiações: na praça do ParkShopping, entre os anúncios dos premiados nas diferentes categorias, apresentaram-se estes compositores com obras de seus filmes - enquanto o maestro Remo Usaí, homenageado especial, regeu a orquestra sinfônica do Teatro Municipal, com peças das trilhas dos filmes "O Caso Claudia" e, num primoroso arranjo sinfônico, trecho de "Mônica e o Robot". Guilherme Vaz, pela sua proposta vanguardista, apresentou uma peça em homenagem a Mario Peixoto (o realizador de "Limite", 1929), que teve a performance de um ator e mímico dos mais conhecidos em Brasília.
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Nas duas reuniões do seminário "A Música no Cinema Brasileiro", a questão evoluiu do processo de criação até um assunto antigo, mas sempre atual: pagamento de direitos autorais. O maestro Remo Usaí, 60 anos, com uma obra imensa, relatou a luta judicial que vem empreendendo há cinco anos para receber os direitos que tem direito, enquanto David Tyguel alertou para uma nova questão: o não pagamento dos direitos conexos com o aproveitamento das trilhas dos filmes em vídeo. Dori Caymmi - que vem dividindo seus trabalhos entre o Brasil e Estados Unidos (acaba de sair na America um elepê com suas canções, produção de Sergio Mendes) falou sinceramente sobre a criação de trilhas sonoras não só para o cinema, mas também para a televisão, área em que atuou por muitos anos.
Jards Macalé, um dos líderes da Sombrás, ator e compositor nos filmes de Nelson Pereira dos Santos, fez revelações sobre os bastidores na luta pelo direito autoral, as trampolinagens das sociedades arrecadadoras e a falta de respeito para com os autores. O próprio maestro Marlos Nobre, que há 13 anos já foi, corajosamente, um dos compositores a brigar pela valorização dos direitos autorais, também denunciou vários aspectos em torno da falta de respeito de gravadoras multinacionais pela obra de compositores brasileiros, desonestidade nos direitos autorais e a necessidade de se organizar um movimento dos autores - referendando assim o que, há um ano, já se discutiu em Curitiba, quando foi elaborado um manifesto - encaminhado pelo secretário da Cultura, René Dotti, ao ex-ministro Celso Furtado. O qual, evidentemente, não surtiu o menor efeito - mas representou uma primeira tomada de posição.
Questão ampla, que comporta novos encontros e discussões, a música no cinema brasileiro - mais do que os aspectos de criação e produção - tem problemas profissionais que, graças a sensibilidade do maestro Marlos Nobre, foram discutidos pela segunda vez. Agora, é de se esperar que o interesse demonstrado pelos participantes do encontro em formalizar novos encontros, procurando caminhos e instrumentos legais, tenha sequência.
LEGENDA FOTO - No curta "Caramujo-Flor", inspirado na obra poética do matogrossense Manoel de Barros, o diretor Joel Pizzini contou com a participação do violeiro e compositor Almir Sater (em cena, com Ney Matogrosso). Premiado em Brasília, a trilha deste filme pode virar um elepê - com poemas e canções inspiradas na poética do autor de "A Arte de Infantilizar Formigas".
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