A noite política da "Boca Maldita"
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de dezembro de 1984
SE sobraram alguns (poucos) lugares, não faltou bom humor. O jantar mais famoso entre tantos congraçamentos de fim-de-ano - o da Boca Maldita - na noite de quinta-feira, 13 - sintomaticamente, no 16o aniversário do Ato Institucional no 5 - manteve algumas tradições. De princípio, o congraçamento político - no qual se encontravam parlamentares, cabos eleitorais e simpatizantes de todas as tendências (exceto o PT, que por ser o mais proletário dos partidos, por certo não teve nenhum de seus integrantes disposto a pagar Cr$ 20 mil de participação).
Ainda fechado à presença feminina - muito embora, se a presidenta da Boca Rouge, a trêfega vereadora Rosa Maria Chiamulera tivesse aparecido, seria recebida com aplausos e abraços - o jantar deste ano reuniu "pouco mais de 300 participantes", conforme dizia Naninho, um de seus organizadores - preocupado em que todos depositassem a contribuição para custear as despesas. Houve, naturalmente, os convidados especiais, como os deputados federais Márcio Braga, Samir Achoa, Darcy Passos, Sinval Guazelli e o jornalista Marcondes Sampaio, de Brasília - cinco dentre os 33 novos Cavalheiros da Boca Maldita, devidamente galardeados com o medalhão e diploma, que anualmente o presidente perpétuo, advogado Anfrisio Siqueira, manda confeccionar.
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Aumentando de 25 para 33 comendas - fórmula salomônica para resolver alguns impasses tamanho era o número de indicações (consta que 250) - , a condecoração da Boca Maldita foi a mais eclética possível: dirigentes clubísticos (a começar pelo bancário Almir Sabbag, presidente da Sociedade Thalia, que anualmente sedia o jantar), parlamentares, jornalistas, empresários, ocupantes de cargos públicos, entre outros. Por exemplo, entre os deputados estaduais que agora passaram a merecer o título de Cavalheiro da BM estão Tércio Albuquerque, Adhail Sprenger Passos, Augusto Carneiro, Ivan Gubert e Jorge Maia Filho. Dois vereadores de Curitiba - Jorge Bernardi e Sadi Ricardo dos Santos e um de Ponta Grossa - Djalma de Almeida Cesar e o deputado catarinense Francisco Assis Filho também foram devidamente homenageados.
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Entre os homens de comunicação, o médico e empresário Celso F. Hilgert, diretor do "Correio de Notícias"; o advogado e tv-man Antonio Carlos Braga; os repórteres policiais Ricardo Chab e Ali Chaim; o jornalista Aroldo Murá, diretor do escritório do Paraná da Agência Nacional; Edsom Toledo, Dorival Selbach.
Dois destaques especiais: o ex-secretário do Planejamento, Belmiro Valverde Jobim Castor recebeu sua comenda das mãos do deputado Airton Cordeiro - um dos mais ferrenhos críticos no episódio dos dólares. Uma prova de que a Boca também anistia. Já, o cirurgião-dentista e pistonista José Carlos Micelli foi uma presença musical: todas as sextas-feiras, ao entardecer, ele encerra o expediente com jazzísticas improvisações do seu consultório no edifício Tijucas. Pena que Micelli não tivesse seu pistão para agradecer, sonoramente, a homenagem.
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Dentro do autoritarismo pluriárquico com que dirige há 28 anos a Boca Maldita, o presidente Anfrísio Siqueira só permitiu dois discursos: o do orador oficial, Renê Ariel Dotti e, em nome dos homenageados, do deputado Darcy Passos. E ambos, de improviso, falaram bonito e com humor.
Renê Dotti, com seu estilo de brilhante jurista e didático mestre, procurou colocar a Boca maldita dentro da sociologia curitibana, lembrando seu passado, presente e referindo-se a 1985, como "o ano das minorias" - em favor dos índios, dos presidiários e "naturalmente do PDS". Ao referir-se aos símbolos da BM - do qual a palavra é o principal - fez um apelo "aos homens que hoje ocupam cargos importantes": a instalação de uma máquina xenográfica é o principal veículo pelo qual a Boca Maldita pode divulgar os fatos em sua ótica. No final, uma exaltação ao anarquismo - que não deixa de ser uma das características da Boca - e um aplaudido grito de guerra:
- Salve a Palavra! Salve a rebeldia!
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Um humor ferino, com muitas entrelinhas, caracterizou o discurso de agradecimento do deputado Darcy Passos. Procurando situar-se junto a esta instituição curitibana que o homenageava, o parlamentar paulista não deixou por menos: atirou certeiras farpas em relação ao continuismo de Anfrísio Siqueira na presidência da BM e referindo-se ao seu ex-companheiro de Câmara, prefeito Maurício Fruet, o definiu, ironicamente, "como esta figura introspectiva, braba, irritada e carrancuda". Ao lado, sem armar nenhuma de suas tradicionais brincadeiras, Fruet ouvia com um sorriso mefistofélico. Apesar das solicitações feitas, não quis dar uma demonstração do mais novo de seus talentos: o de cantor. Ricardo MacDonald, fiel chefe-de-gabinete de Fruet, garante que apesar das propostas de gravadoras, Fruet ainda não se decidiu a fazer um compacto com "Linda Curitibana", hit que vem interpretando com grande sucesso nos quarentas jantares de fim-de-ano que comparece a cada noite. Aliás, MacDonald, um garboso jovem advogado, famoso por sua elegância, está preocupado: se continuar a acompanhar Maurício no periplo gastronômico-político, a sua silhueta de toureiro espanhol irá para o brejo.
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Quando o deputado Darcy Passos encerrou seu cuidadoso discurso - comparando a língua dos frequentadores da Boca Maldita ao trabalho de quem dá a perfeição ao diamante - Anfrisio foi objetivo e prático: encerrou a sessão, cortando antecipadamente qualquer chance de novos oradores se fazerem ouvir. Dentro da tradição da Boca Maldita, nada mais precisa ser dito. E mais um capítulo de sua história se encerrava.
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