Os novos tempos da Boca Maldita
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de dezembro de 1989
"A Boca Maldita jura fazer deste nosso imenso país a grande democracia ocidental, onde a liberdade de expressão do pensamento e os Direitos Humanos constituam as bases fundamentais de nosso desenvolvimento."
(Anfrísio Siqueira, presidente da Boca Maldita)
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Duas grandes flâmulas, patrocinadas pelo Bamerindus, contendo a frase acima do fundador e presidente perpétuo da Boca Maldita, decoravam o salão de festas da centenária Sociedade Thalia na noite de quarta-feira. Durante a longa solenidade na qual foram entregues 50 comendas aos novos "cavalheiros", os mestres-de-cerimônia, advogados Alberto Duarte e João Darci Ruggeri, entremearam os curriculuns dos homenageados com citações atribuídas a Anfrísio Siqueira, nas quais há referências à Liberdade, Desenvolvimento e a importância da Boca Maldita dentro do universo curitibano.
Bem humorado e feliz, Anfrísio, ao centro da mesa, ao lado de nomes conhecidos - a partir do superempresário Antônio Ermírio de Moraes e o ex-deputado Nelson Marchesan, não escondia o fato de Boca, nascida quase como uma brincadeira de confraternização de meia dúzia de amigos, ter adquirido fórum de uma verdadeira instituição política-comportamental da cidade. Os macaquinhos inteligentes que são logotipo da Boca - nada falo, nada digo, nada escuto - continuam os mesmos, em sua ironia crítica - já que por tradição a filosofia da Boca é justamente o oposto. Entretanto, institucionalizando-se, a Boca Maldita adquiriu, cada vez mais, o sentido de uma entidade capaz de motivar que para a sua única reunião oficial anual - o jantar de confraternização sempre a 13 de dezembro - lideranças nacionais (como o então governador Fernando Collor de Mello, no ano passado; Ermírio de Moraes neste ano) virem as comendas de cavalheiros.
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Oposicionistas de Anfrísio Siqueira, criticam a "institucionalização que deu à Boca, retirando, assim, a espontaneidade e o espírito crítico da mesma, tornando-se uma entidade quase oficial - e cujo número de homenageados amplia-se cada vez mais". Entretanto com sua autoridade de idealizador e presidente perpétuo da BM, Anfrísio tira de letra tais reclamações. Para ele, a Boca apenas adquiriu maturidade e ao invés de representar um grupo de amigos que a partir de 1956 reuniram-se em torno do barreado (então um prato difícil de encontrar em Curitiba, apesar de suas raízes litorâneas) ao saudoso Grande Hotel Moderno, acompanhou os novos tempos e assumiu sua projeção nacional.
É bem verdade que poucos dos que compareciam ao jantar anual da Boca Maldita em suas primeiras edições - inclusive o jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior, a quem se reconhece a condição de padrinho do nome - deixaram, nos últimos anos de comparecer ao evento. Muitos já se foram deste nosso planeta como disse, em seu discurso, o conselheiro do Tribunal de Contas, Cândido Manoel Martins de Oliveira, intimado à última hora a fazer o discurso oficial - já que o orador oficial, secretário Rene Dotti, não compareceu (viajou a Brasília, o que impediu, inclusive de comparecer também ao jantar de confraternização dos funcionários na mesma noite na Sociedade Rio Branco).
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Voltando ao vigor de orador aos seus tempos de líder estudantil - quando presidiu a Upes (1960), deslanchando uma carreira política que só viria interromper devido a ter ingressado no Tribunal de Contas, Candinho comparou os cavalheiros da Boca aos da Távola Redonda dos tempos do rei Arthur, falando que a única coisa que a instituição não perdoa é a corrupção e a mentira, "razões que sempre a fizeram ser a mais temida das instituições oficiais da cidade - o poderoso veículo de comunicação alternativo que, com as armas do xerox e da informação boca-a-boca sempre fez suas denúncias e acusações, inclusive nos tempos mais duros do regime militar, quando a liberdade de expressão inexistia".
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