O canto das mulheres
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de setembro de 1987
Há alguns anos houve o chamado boom das mulheres. Nunca tantas cantoras (algumas também atirando-se como intérpretes) apareceram com tanta garra para conquistar o espaço maior. Da quantidade, sobraram algumas poucas que (como Joanna) passaram a integrar o (milionário) clube das vitoriosas. Mas não custa tentar e portanto é livre e feminino, como se observa em mais um punhado de discos de vocalistas - com estreantes, outras já em segundo ou terceiro trabalho e mesmo retornos - como da veterana Martha Mendonça, viúva de Altemar Dutra (1940-1983), que após anos de ostracismo decidiu voltar a cantar.
Comecemos pelas jovens. Como Yoli, com heranças internacionais: seus pais dirigiam a orquestra afro-cubana Conchita Del Ryo e Sua Bongozeros e sua estréia no palco foi tocando bateria com eles. Espanhola de Barcelona, chegou ao Brasil, no início dos anos 60. Cresceu em Porto Alegre, onde participou de conjuntos de baile, foi para a noite e na década de 70 integrou o grupo nativista Pentagrama. Cantou no bar Vinha D'Alho, onde se reuniam músicos de talento, no Papa Nenê, no La Cave, no Tiffany's, etc. Agora, finalmente, chega ao seu primeiro elepê (3M, julho/1987), com um repertório de autores gaúchos como Hermes Aquino / Sérgio Napp ("Jogo do Amor"), ótimo argentino Litto Nébia ("Viento Dile a la Lluvia"), que já se apresentou até no Paiol, mas é desconhecido no Brasil - além de mostrar também seu lado de compositora, como "Mágoas", ou fazendo uma versão de "Just The Way You Are".
Bonita como Yoli é Rosana, fazendo - se não nos enganamos - o seu segundo elepê ("Coração Selvagem", CBS), numa linha bem jovem, com arranjos de vários hits internacionais, além de, naturalmente, uma parceria da dupla mais bem sucedida do mercado - Michael Sullivan / Paulo Massadas, que teve até a participação do americano Gregory Abbot ("Tudo é Vida"), de quem, aliás, a CBS também colocou um elepê no mercado.
Criado para marcar os artistas dito mais populares, o selo Paralelo do estúdio Eldorado, tem trazido algumas revelações interessantes. A mineira Jaine Mary, de Três Pontas, faz um lp ("Em Todos os Sentidos", Paralelo), com nada menos que onze composições de um certo Jaime Abreu. Convenhamos que é dose maciça para quem está tentando entrar no mercado, é um risco em termos de aceitação, mas como se trata de uma produção previamente financiada (prefeitura de Três Pontas e uma empresa comercial), tudo vale - e ao menos na área mineira, a Jaine Mary deve ser ouvida.
Dulce Quental, uma mulher tão bonita quando fascinante, faz seu segundo elepê ("Voz Azul", EMI/Odeon), depois de uma bem sucedida estréia solo que se seguiu a sua participação no grupo Sempre Livre, da qual foi integrante de maior sucesso. No elepê "Délica", Dulce já procurava um caminho moderno, de sonoridades próprias, que reforça neste segundo, que abre com a música título de Ciro Pessoa, seguida da curiosa "Não Atire no Pianista", que Dulce diz ser uma "música noir", mas que lembra, no título, um filme noir de Françoise Truffaut (1932-1984), "Tirez sur le Pianiste" (19160, nunca exibido no Brasil).
Dulce fala de amor em "Correspondence" e em "Stoned", sua parceria com Celso Fontana, diz que "amor é um labirinto". Moderninha, não poderia deixar de incluir Herbert Viana ("Caleidoscópio"), ou mesmo o humor tão característico desta nova geração na irônica "Essa Gravação se Auto Destruirá em Cinco Segundos" (Marcelo Ramer).
Como Dulce, também Verônica Sabino é uma cantora de uma experiência coletiva - no caso, o Céu da Boca - o melhor grupo vocal surgido nos últimos anos e que se desfez após dois elepês fascinantes. Filha caçula de Fernando Sabino, a insinuante Verônica busca dar ao som aquela qualidade que caracteriza o texto do autor de "O Encontro Marcado". Só que seu ilustre pai é gamado por jazz e Verônica, pela própria contemporaneidade, se liga a músicas de Vinícius Cantuária ("Até o Fim"), Kiko Zambianchi ("Vício", "Droga"), Nico Rezende / Tavinho Paes ("Canhão"), Marina ("Cai na Real"), alguns dos autores selecionados para este seu segundo elepê (Polygram, julho/87). Mesmo duas versões - "Como eu Sei", que fez de "Only Love Remains", de MacCartney), soam
agradavelmente neste disco jovem, e vigoroso. Verônica pode chegar a ser uma cantora de vôos maiores, tal como aquelas que seu pai tanto admira no jazz. Afinal, ela tem pouco mais de 20 anos e por enquanto é intérprete de sua geração.
Em contradição a juventude de Dulce ou Verônica, a quarentona Martha Mendonça, ainda uma bela mulher, volta a gravar - fazendo seu décimo lp agora na 3M. Arranjos de José Paulo Soares e Eduardo Assad, um repertório puxado para o brega, naturalmente - que vai de Terry Winter ("Caminhos") a Nelson Ned ("No Esperes Eso de Mi"), mas que não é suficiente para esconder a boa voz da ex-Sra. Altemar Dutra. E como ela está voltando, após anos de afastamento, precisava fazer mesmo um disco bem comercial, é claro...
LEGENDA FOTO - Rosana: decolando bem em seu segundo LP.
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