Login do usuário

Aramis

O disco maldito de Smetak

Acaba de aparecer um dos discos mais importantes do ano. Que é também um disco maldito, condenado a ser retirado de catalogo pela gravadora, que dificilmente conseguirá recuperar o dinheiro investido nesta produção. Um disco experimental, que merece a maior divulgação ao menos na imprensa já que nenhuma radio terá condições de divulgá-lo: é o elepe do musico checoslovaco nacionalizado suíço e depois brasileiro, Anton Walter Smetak, 61 anos, professor da Escola de Música da Bahia. É impossível descrever o som experimental de Smetak, mas de uma coisa estamos certos: se escreverá muito, se discutirá em rodas intelectualizadas bastante sobre este trabalho que, infelizmente, pouca gente adquirirá. O que é uma pena, pois se trata de uma experiência realmente importante, na mostra de novos, sons, com novos instrumentos - todos criados pelo próprio Smetak. Há duas semanas, a revista "Veja" dedicou sua entrevista de abertura a Smetak, ao qual o jornalista Renato de Moraes, chama de "O Alquimista de sons". Na apresentação de Smetak, o jornalista recorreu em parte ao texto com que Norma Freire, no interior da capa dupla do elepe (Philips, 6349110, série de luxo, março/75) apresenta o incrível compositor-musico-inventor: "Filho de um musico e de uma cigana, Smetak fala monotonamente e ainda conjuga os verbos portugueses nos tempos errados - apesar de 38 anos de Brasil. Reclama das constantes dores nas pernas, causadas por uma velha motocicleta BMW, a "prostituta da Babilônia" que só pega depois de muitas aceleradas. E se irrita quando as pessoas não entendem sua explicação para o nome de seu filho de 4 anos, que o chama de avô, Uibitu: uma tradução indígena de "To be or not to be", de Shakespeare. Alto, forte, olhos azuis, cabelos louros, esbranquiçados pelos 61 anos e um cachimbo apagado entre os dedos, Smetak se integra perfeitamente ao mundo particular de sua indagações esotéricas e à desordem inocente dos mais de 100 instrumentos que já inventou espalhados pela casa humilde em que vive com a família no bairro da Federação ou amontoados na pequena e tosca oficina em que trabalha na Escola de Musica da Bahia. Com uma casca de coco e um tubo plástico, eleborou um timpano suavíssimo. Com duas cabaças justapostas imita o som do vento batendo numa janela. Com uma lata de inseticida pingando água num balde chegou a um ritmo próximo do samba". Tamanho experimentalismo num musico de formação erudita, tinha que atrair os jovens compositores. E assim Caetano Veloso, o flautista Tuzé de Abreu, o violonista Gereba (que já andou por Curitiba) estão entre os muitos que cultuam Smetak que já foi até refrão de musica de Caetano (Smetak, Smetak e muzak e razão" em Épico) E coube a Caetano e Roberto Santana um dos mais ativos produtores da Phonogran, responsável pelo lançamento do Quinteto Violado, gravarem dezenas de horas de som livre (realmente) de Smetak com a participação de alguns outros instrumentistas-amigos (incluindo Gerba, Tuzé, Capenga, Caetano, o próprio Santana entre outros). Deste material, Gil e Caetano fizeram a montagem de onze temas, que ganhou finalmente um elepe, corajosamente editado pela Phonogram. Um disco de prestigio e histórico que mesmo não vendendo (embora possa ocorrer uma surpresa) está entre os trabalhos que justificam a frase que todas as gravadoras utilizam mas que poucas merecem "Disco é Cultura". LEGENDA FOTO 1 - Caetano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal do Espetáculo
12
18/03/1975

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br