O cinema (muito) falado de Caetano
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de março de 1987
Horas após assistirmos, em sua estréia mundial, ao filme "O Cinema Falado", em exibição hors concours durante o III FestRio (novembro/86), e relatando em O Estado do Paraná a polêmica que se seguiu, provocada pelas (justas) vaias que o cineasta Arthur Omar ("Tristes Trópicos", "O Som") estimulou durante a projeção na Sala Glauber Rocha (Hotel Nacional, RJ), escrevíamos que este seria o filme que mais discussões provocaria e ganharia os melhores espaços na imprensa nacional. E não deu outra!
Afinal, Caetano Veloso e seu empresário-produtor, o gordo e simpático Guilherme Araújo, 51 anos, conhecem as regras do marketing autobadalativo. E ao escolherem o FestRio para fazer uma única sessão, quase às 2 horas da madrugada, sabiam que era o momento certo para provocar discussões (em 1985, Caetano já havia sido a "estrela" na festa de abertura ao protestar, em altos brados, contra a proibição de "Je Vous Salue, Marie", de Godard, que deveria ter inaugurado o II FestRio).
Irritando grande parte do público - mas aplaudido pela tietagem de Caetano, "O Cinema Falado" vem sendo exibido, com bom público, em várias capitais. No Rio e São Paulo foi lançado ainda em 1986, num tratamento prioritário da Embrafilmes, o que desagradou outros cineastas que, há meses aguardam oportunidade para verem seus filmes comercializados. Agora, "O Cinema Falado" está em exibição em Curitiba (Cine Luz, 5 sessões).
Apesar de toda badalação e tietagem a respeito, João Aracheski não quis arriscar a exibi-lo, cedendo-o para que Francisco Alves dos Santos o programasse no Luz, sala pequena, confortável (se, nos dias de calor, a gerência lembrar-se de ligar o ar condicionado) e no qual o filme de Caetano Veloso pode ficar semanas em cartaz. Se a garotada metida a intelectual valorizar o pretensioso filme e formar filas para assisti-lo.
UM FILME CHATO - Sem meias palavras, 90% do público mais esclarecido - mesmo aquele que admira Caetano Veloso como compositor, tem definido "O Cinema Falado" como um filme chato. Se cinema é imagem, na concepção do autor de "Alegria, Alegria", o cinema é papo - e quase sempre furado. Assim, do início ao fim, o filme é um blá-blá interminável, parecendo mais uma reunião de amigos, da patota de Caetano (aliás, a primeira cena já é uma festinha intelectual, com um desfile de caras conhecidas).
Há, entretanto, méritos no filme de Caetano. A fotografia (Pedro Farkas) é excelente e existem pelo menos três sequências marcantes. A mais bonita é quando ele, defronte a matriz de Santo Amaro, recorda seus tempos de adolescente, apaixonado por "Il Vitteloni" de Fellini e assovia o tema de Nino Rotta. Dona Canô, sua mãe, aparece cantando, afinadíssima, "Último Desejo" (Noel Rosa/Vadico), em outro momento marcante. E Regina Casé, hilariante, imitando Fidel Castro na entrevista a Roberto D'Ávilla em "Conexão Internacional".
A platéia morre de rir. Houve críticos que também gostaram do filme. Pola Vartuck, a mais respeitada crítica paulista, de "O Estado de São Paulo", dedicou uma página de reflexões ao filme ("Herético e antropofágico explícito", Caderno Dois, 20/12/86), onde começa dizendo que "independentemente do fato de gostar ou não do filme - eu, particularmente, faço parte da numerosa patota que o aplaude - 'O Cinema Falado', de Caetano Veloso é um acontecimento. Um dos mais importantes acontecimentos do cinema brasileiro desde a eclosão do Cinema Novo - de cujas premissas básicas ele é, sob vários pontos de vista, uma antítese. É um filme que poderá tornar-se um divisor de águas, tal como ocorreu com a Tropicália. Em 1967/68, Caetano e Gilberto Gil infringiram regras, quebraram tabus e cometeram uma heresia ao incorporarem à música popular brasileira o som estrangeiro das guitarras e dos conjuntos de rock. Foram vaiados, combatidos, mas revolucionaram a MPB".
LEGENDA FOTO - Um blá-blá entre amigos: "O Cinema Falado", de Caetano Veloso está em exibição no Cine Luz.
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