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Mesmo ausente Godard foi a polêmica do II FestRio

RIO - A atriz Norma Benguell, integrante do júri do II FestRio, não gostou da autopromoção de Caetano Velloso, na noite de abertura do festival, quinta-feira. Todo de azul, bem badalativo, o cantor baiano aproveitou o atraso na programação para, com muita frescura, lançar um protesto pela não exibição de "Je Vous Salue, Marie", o polêmico filme de Jean Luc Godard, designado pra encerrar a mostra paralela "Je Vous Salue, Godard", que acabou cancelada. Embora reconhecendo a Caetano o direito de protestar, Norma acha que ele exagerou, ao criticar a Igreja, tanto é que, a altas vozes, ela fez um reparo: se houve pressão da Igreja, pela proibição de "Je Vous Salue, Marie", foi "da direita da Igreja". Para o Estado, Norma Benguell explicaria depois: - Caetano tem o direito de protestar. Mas não pode confundir a Igreja, que muito lutou contra a ditadura, tendo inclusive vítimas entre sacerdotes, com uma atitude radical de parte da CNBB, em pressionar contra a projeção do filme de Godard". Além de conseguir a promoção desejada (tanto é que foi foto de primeira página da imprensa nacional na sexta-feira), a intervenção de Caetano Velloso, na platéia, acabou obrigando a que os discursos das autoridades que subiram ao palco do Centro de Convenções do Hotel Nacional (chamado durante o FestRio de "Sala Glauber Rocha") mudassem o tom. Antes das vaias do público e os gritos dos que pediam uma explicação sobre a suspensão do filme de Godard, o secretário Trajano Ribeiro, de Turismo, o diretor-geral do FestRio, Ney Scolutvhich, e o próprio vice-governador Darcy Ribeiro repetiram que a exclusão do filme de Godard se devia a uma decisão da empresa distribuidora do filme no Brasil, a Alvorada (ex-Gaumont), em não ceder a cópia. A explicação não convenceu a ninguém, tanto é que a atriz Fernanda Montenegro (uma das homenageadas da noite, ao lado de duas dezenas de outros pioneiros da televisão no Brasil), ao subir ao palco, aplaudida, e em pé, pela platéia, dirigiu-se ao microfone e disse, emocionada, que não aceitava "o silêncio em torno dessa proibição, numa época em que a Nova República promete liberdade", Ao final, coube à atriz e deputada Ruth Escobar, presidente do Conselho Nacional da Condição da Mulher que co-patrocina a mostra paralela "Um Olhar Feminino", com exibição de curtas e longas realizados por mulheres e cineastas), dar nome aos bois. Ruth praticamente tachou de mentirosas as alegações do diretor-geral do festival e colocou o dedo na ferida: "Je Vous Salue, Marie" só não está no FestRio porque a Igreja Católica - mais especificamente, a CNBB - pressionou o governo e, logo, também a distribuidora do filme, a não cedê-lo. Até agora, o filme não foi submetido à Censura Federal, mas para o FestRio - a exemplo de todos os filmes aqui presentes - não há necessidade de qualquer documento da censura. Esta, aliás foi uma das primeiras medidas do novo ministro da Justiça: filmes para festivais independe de laudo de censura. O FESTIVAL Com os protestos pela ausência do filme de Godard e homenageando homens e mulheres que há 35 anos participaram dos primeiros movimentos da televisão no Brasil (no ano passado, foram homenageados críticos e cineastas), iniciou-se o FestRio, que na abertura lembrou, também, os 90 anos da primeira sessão de cinema, com exibição de uma dezena de curtíssimos filmes dos irmãos Lumière, cedidos pela cinemateca francesa, em ótimas cópias. Benê Nunes, 63 anos, pianista e galã em 20 filmes da antiga Atlândida, e que volta às telas em 1986, em "As sete vampiras", de Ivan Cardoso (para o qual também fez a trilha sonora), proporcionou o fundo musical, como nos tempos do cinema mudo. Em seguida, um desafio para o público: as quase 3 horas de "Ram", longo e belíssimo filme de Akira Kurosawa realizou, com base em "Rei lear", de Shakespeare. Com muitas cenas de batalha, sangue e violência, "RAM" é, entretanto, um filme belíssimo, especialmente na fotografia, lembrando, em muitos momentos, quadros de autores notáveis. Já com direitos adquiridos para distribuição no Brasil pela Alvorada Filmes, "Ram" só será lançado no segundo trimestre de 1986. Jaime Tavares, 42 anos, ex-gerente da Fama Filmes em Curitiba, hoje braço-direito de Jean Gabriel Albicoco na Alvorada, explica: - Vamos aguardar a festa do Oscar, pois, com toda certeza, "Ram poderá ser indicado como o melhor filme estrangeiro e valer a Kurosawa o terceiro Oscar. Afinal, ele já recebeu a estatueta duas vezes ("Rashmon" e "Derzu Uzula"). FALHAS E ACERTOS Se, de um lado, esta segunda edição do FestRio (investimento de mais de 6 bilhões) apresenta algumas falhas em relação ao ano passado, a começar pela ausência do catálogo oficial dos filmes (que só começará a ser distribuído segunda-feira), por outro lado houve preocupação em dar um caráter sério à promoção, através de vários seminários e mesas redondas paralelas à exibição dos filmes. Mas é na projeção de quase 500 filmes - na Sala Glauber Rocha, no Hotel Nacional, e em mais de 16 cinemas da cidade - que se distribuem milhares de espectadores, obrigados a uma verdadeira corrida de obstáculos para apreciar toda uma programação repleta de filmes inéditos, dos quais pouquíssimos chegarão aos circuitos comerciais do Brasil. Afinal, dos filmes que estiveram em [competição] no I FestRio, há um ano, apenas o grande premiado - "Cabra Marcado para morrer", de Eduardo Coutinho, e "1984" (que estréia dia 28, no Cine Itália, em Curitiba) tiveram lançamento comercial até agora. Hoje, em exibição hours-concours, "Nem Tudo é Verdade", o filme que Rogério Sganzerla realizou com o paranaense de Londrina, Arrigo Barnabé, como Orson Welles, misturando ficção e realidade sobre a passagem do diretor de "Cidadão Kane" pelo Brasil há 43 anos passados. Aliás, na mostra "Minight Movies", no Bruni-Ipanema, onde se concentram filmes dos mais interessantes, a grande atração para a próxima semana será "Falsfatt", obra que Welles realizou há quase 20 anos, baseado no personagem que aparece em várias peças de Shakespeare e que nunca foi exibido no Brasil. Talvez agora, com a motivação trazida pela morte de Welles (aos 70 anos) no dia 10 de outubro, alguém se anime a promover a exibição comercial desse filme, que traz Jeanne Moreau no elenco. Mas a cópia que veio não tem legendas e será visto no original.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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24/11/1985

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