TONICO E TINOCO As glórias da dupla caipira e as músicas do homem rural
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de novembro de 1985
Renato Teixeira e Passoca, dois paulistas de muito talento e bom gosto, vieram revitalizar a música rural brasileira, provando que no canto rural há muita beleza. Seus discos, com temas calcados no cancioneiro sertanejo, atingiram um público universitário que, ao menos em parte, aprende a ver também a beleza de nosso country.
A mais popular dupla rural brasileira, Tonico e Tinoco (João Salvador e José Perez, 66 e 65 anos, respectivamente) chegam agora aos 50 anos de carreira (na verdade, 42 de atividades remuneradas), com uma produção especial, realizada por Waldyr Santos e José Amâncio, da equipe Som Brasil, que além de valorizá-los faz com que aconteçam participações especiais das mais significativas: Ney Matogrosso em "Tristeza do Jeca" (Angelino de Oliveira); Chitãozinho e Chororó na composição de Sarrinha e Athos Campos que deu justamente nome a esta dupla; o grupo Magazine em "Moreninha Linda" (Tonico-Priminho-Maninho); Sérgio Reis, João Pacifico e até Lima Duarte (o apresentador de "Som Brasil") em outro clássico, "Chico Mulato" de Raul Torres / João Pacífico; Inesita Barroso em "Cana Verde" da dupla, autores também de "Festa na Roça". Jair Rodrigues é o convidado em "Cidade Grande", uma das muitas tentativas de Pelé em se firmar como compositor.
No lado dois, com exceção da participação do Coral da USP, apenas a dupla mostra um belo repertório: "Canoeiro" (Zé Carreiro/ Caporrino), "Besta Ruana" (Ado Benati-Tonico); "Aparecida do Norte" (Tonico/ Anacleto Rosas Jr), "Canta Moçada" (Tonico/ Nhô Fio/ Nono Basilio), "Na Beira da tuia" (Tinoco/Nadir) "Pé de Ipê" (Tonico e Tinoco) e, com a presença do Coral da USP, o clássico "Tristeza do Jeca" .
Com uma discografia de 70 lps, tendo merecido homenagens no Teatro Municipal de São Paulo, um livro autobiográfico lançado pela Ática no ano passado e, sobretudo, o amor e entusiasmo de um público fiel, Tonico & Tinoco estão entre os símbolos musicais do Brasil. Há muito que a sua obra passou da faixa mais popular para interessar aqueles que sabem valorizar a nossa cultura popular. Fazendo esta sofisticada edição, a Som Brasil / Sigla oferece um precioso documento da música brasileira. Um belo lançamento.
O CANTO EM DUO
A música rural tem nas duplas uma de suas características. Aquela forma institucionalizada a partir de Jarara & Ratinho e Tonico & Tinoco se desdobrou em milhares de formações, com inúmeras modificações que só mesmo um pesquisador da seriedade do Capitão Furtado (Arioswaldo Pires, 1907-1979) poderia ter levantado há 9 anos para o ainda indispensável "Enciclopédia da Música Brasileira".
Difícil passar um mês em que não surjam novas duplas (eventualmente trios) rurais, ampliando a já ampla discografia rural - cujo levantamento é um desafio para os pesquisadores. Há duplas consagradas, entre as de maior popularidade, como Milionário e José Rico, que iniciando modestamente em Londrina, no início dos anos 70, estão hoje entre as de maior prestígio, com agendas carregadas de shows e fazendo seus discos venderem milhares de cópias. Chegam agora ao 15º volume e, a exemplo do que acontece, na música urbana, com um Roberto Carlos, eles também não mudam o estilo. Desde a capa - com as imagens que estão mais para o hippie (Milionário) e o fazendeiro bem sucedido (Zé Rico) - ao repertório, a dupla repete o esquema de romance-separação-paixão, eventualmente com alguma pitada de ação, em músicas como "Nosso Romance", "Minha Prece", "Eterno Apaixonado", "Sublime Esperança", "Minha Decisão" etc. - todas de José Rico, o compositor da dupla. Buscando, a exemplo de outra dupla - Pedro Bento e Zé da Estrada - também caminhos latinos-mexicanos, o lado 2 é aberto com um "huapango" de Zé Rico: "Minha Casa".
Sem a popularidade de Milionário e Zé Rico - e um hiato de 5 anos em gravações - a dupla Nerino e Nivaldo volta ao elepê ("Momentos de Amor", Chantecler), com um repertório romântico, curiosamente com toques de um ié-ié dos anos 60/70, já que esta dupla buscando o público jovem chegou a ser conhecida, no final dos anos 70, como "Tremendões da Música Sertaneja".
Outra dupla que também busca uma linguagem capaz de aproximá-los da juventude é Carlos Cezar e Cristiano, paulistas de Padrópolis e Piracutu, respectivamente. Com um som que chegam a definir como "mundial" (sic) - o que demonstra a descaracterização da música rural por parte das novas duplas - Carlos e Cristiano já tiveram premiações em festivais rurais e neste "Pedra 90" cantam coisas como "Vou dar um tapa na tristeza/ vou dar um adeus a solidão/ um pontapé nesta saudade/ vou reabrir o meu coração". Buscando também o social ("Tanta Água, Tanta Sede"), fazem uma espécie de colagem com títulos de seus quatro - LPs anteriores ("Os Cowboys Andarilhos") e, numa temática rural, em "Grito Aberto" dizem com fervor: - "trago as carícias das mãos calejadas de um lavrador que trabalha a terra e clama em seu canto justiça melhor".
Outra dupla que retorna a gravação - após 6 anos de interrupção - é Durval e David, irmãos, nascidos em Goianésia, Interior de Goiás, radicados em Sumaré, SP, 12 anos de carreira - e que até 1979 fizeram cinco bem sucedidos LPs. Como outras duplas, retornam "cantando um sertanejo moderno e atual, que vai de encontro ao momento em que estamos vivendo" como diz Regina Guimarães, assessora de imprensa da Continental.
Em seu repertório vão do romantismo até o espiritualismo quase pentecostal em "O Filho do Adeus", que definem como "quase uma visão da possível volta d'Ele".
Espécie de disco-trailer ou pau-de-sebo de duplas de diferentes estilos, entre os que fazem a música rural (não confundir com a nativista) no Rio Grande do Sul, "Som da Gente" (Linha Sertaneja, sigla Som Livre-RBS), produção de Ayrton dos Anjos com coordenação de Paulo Fortes, traz Luciano e Caiobá, Irmãos Goulart, Os Estancieiros, Toni Rosa e Pero Wagner, Dudurei e Delmar, Miramar e Miral, Monte Belo e Marazul, União Gaúcha, Mambay e J. Campos, Adeilton e Doriel e Cleimar.
CANTO FEMININO
Entre as (poucas) duplas femininas da música rural, as Irmãs Freitas - Luciara e Ana Paula - estão entre as mais populares. Chegam agora ao 6º LP, mostrando afinação e equilíbrio vocal, além de um repertório, como sempre romântico. O destaque deste 6º LP é "Fique Comigo" (Bandeirante/ Durival Siriano/Damasceno"), mas há outras faixas de agrado do público específico: "Chuva e Pranto", "Meu Amor" e "Foi Feitiço".
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