A injustiça com Belarmino & Gabriela, a dupla mais querida do <<arraiá>> da cidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de julho de 1980
Mais do que apenas um novo espaço para a diversão das camadas mais humildes da população, o << Restaurante Arraiá de São José >> que a dupla Nhô Belarmino e Nhá Gabriela inaugurou na sexta-feira, na Rua Rocha Pombo, esquina com a Barão do Cerro Azul, em São José dos Pinhais, é uma espécie de protesto da mais querida dupla artística do Paraná em relação a injustiça que sofreu em Curitiba: a cassação do alvará para o funcionamento do << Forró do Belarmino >>, em Santa Felicidade, Ivan Graciano, filho do casal, há mais de 60 dias vem enfrentando o cipoal burocrático para tentar descobrir o que pode ter motivado a cassação da autorização de sua casa no bairro gastronômico, pois ná há nada oficialmente que proíba o seu funcionamento. Entretanto, a casa foi fechada e mais de 30 pessoas foram prejudicadas, já que na mesma trabalhavam seis músicos, garçons, cozinheiros etc. Decepcionado com a falta de sensibilidade de quem de direito, Ivan arrendou o antigo espaço do << Águas Belas >>, no caminho do aeroporto Afonso Pena, e ali inaugurou um restaurante dançante que tem no prestígio da dupla Belarmino & Gabriela a sua maior promoção.
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Curiosamente, comemora-se este ano os 40 anos de vida artística da dupla e os 60 de idade de Salvador Graciano - o << Nhô >> Belarmino. Dentro do Paraná não existe nenhum outro artista com uma carreira tão longa e, o que é principalmente, maior prestígio junto a população. Há 3 meses, Ivan Graciano, através da BG Gravações, reeditou << Os Maiores Sucessos de Nhô Belarmino e Nhá Gabriela >>, onde estão as 12 músicas que, lançadas ao longo de quatro décadas de atividades artísticas, ajudaram a fazer com que a dupla tivesse obtido sua legião de aficionados. Ligados ao rádio desde os anos 30 - foi na Rádio Clube Paranaense, em 1936, que Salvador conheceu Júlia Alves Graciano, 57 anos - a Nhá Gabriela - e nunca se afastando de uma linguagem simples e sincera, este casal de artistas mereceria, da parte do Estado, todas as homenagens por 40 anos de vida profissional. Infelizmente, ao invés disto, por razões políticas, sofreu um prejuízo, impedindo-os de manter um restaurante dançante em Santa Felicidade. A alegação de que o << Forró do Belarmino >> reunia << marginais >> chega a ser um insulto ao povo: o restaurante dançante que Ivan Graciano, filho do casal, administrativa, era frequentado por pessoas simples, gente humilde - mas digna e honesta. Se for feito uma estatistica, por certo os incidentes ali registrados foram menos do que os que ocorrem em barulhentas discotecas e << clubes privée >> (sic) que funcionam no centro da cidade. Só que o << Forró do Belarmino >> recebia homens e mulheres que trabalham de segunda-feira a sábado e, buscam no forró, um justo divertimento. Desprezá-los e acussá-los, sem razão é atitude fascista e que deve - de alto e bem som - ser denunciada. Fato aliás que esta semana seá levado ao próprio prefeito Jaime Lerner, que deve receber o casal em audiência. Afinal, Lerner nasceu e cresceu na Rua Barão do Rio Branco - numa casa vizinha a um terreno onde, num circo de lona, artistas do povo como Belarmino e Gabriela se apresentavam. E na mesma Rua Barão do Rio Branco, nos auditórios da PRB-2 e Guairacá, esta dupla comandava os programas de maior audiência.
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Não nos cansamos de chamar a atenção para a importância dos artistas do povo. Compositores como Salvador Graciano, autor de uma obra importante, honesta - e que teve nele e sua esposa, dona Júlia - a << Gabriela >> - intérpretes que chega ao coração de milhares de pessoas, merecem respeito. O produtor Isidoro Lassalve, da Arco-Iris, há anos planeja realizar um filme inspirado em << As Mocinhas da Cidade >> - canção que já teve inumeras gravações, inclusive a de Roberto Leal, jovem cantor -luso-brasileiro de grande sucesso. << Passarinho Prisioneiro >>, outro dos maiores sucessos da dupla, há 30 anos passados, já tinha uma mensagem ecológica. E se o longa-metragem sobre Belarmino & Gabriela será realizado, por nossa sugestão, através do Studio 8, de José Augusto Iwersen, o mais premiado realizador de filmes em super 8 no Paraná. Belarmino & Gabriela, artistas paranaenses - ele nascido em Rio Branco do Sul, ela em Curitiba - merecem respeito, homenagem e administração. E não perseguição e injustiça como a que vêm sofrendo. Ao ter o << Forró do Belarmino >> fechado, se fez uma agressão a um casal de artistas representativos das faixas mais humildes da populaçã. E abrindo o << Arraiá de São José >>, na vizinha cidade, a família Graciano levou a outro município um pouco de alegria.
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Falando em artistas rurais, já está saindo o lp da Chantecler com a trilha sonora de << Estrada do Filme >>, dirigida por Nelson Pereira dos Santos, com a dupla que mais discos vende no Brasil: Milionário e José Rico. O roteiro de Nelson e Chico de Assis é uma espécie de biografia romanceada desta dupla: o mineiro Romeu Januário de Matos (Milionário) e o pernambucano José Alves dos Santos (Zé Rico), que começou duramente sua caminhada artística em Londrina, trabalhando em programas de rádio e fazendo jingles. Em dez anos de carreira. Milionário e José Rico se transformou na dupla de maior sucesso, vendendo milhões de cópias de cada elepê. E a canção << Estrada da Vida >> motivou a Nelson Pereira dos Santos, 52 anos e pioneiro do Cinema Novo (<< Rio, 40 Graus >>, 1954) a entrar também na área de filmes com temas rurais - cada vez atingindo melhores bilheterias. Um texto do próprio Nelson Pereira dos Santos explica a importância desta dupla e da música que cantam.
-<< Mas, afinal de contas, o que é << modão >>, hein? - pergunta o dono do circo a Milionário e Zé Rico.
Diante do imenso e distinto público, na cena do filme que reconstitui a primeira apresentação profissional da dupla, Zé Rico responde.
- Ora, modão é a música que o povo gosta. É isso aí.
Foi o que também conclui, no início excursão da dupla pelo Interior de São Paulo e Minas Gerais. Pretendia registrar o momento de sucesso de Milionário e Zé Rico, a fim de compor uma sequência de documentário dentro do filme Filmamos em praças públicas, ginásios, clubes e circos, durante 2 semanas de imenso trabalho, que significaram a preparação básica para quem pretendia realizar um filme sertanejo.
Testemunhei, nessa fase da dupla Milionário e Zé Rico, capaz de reunir, por exemplo, na praça de Sorocaba, mais de 30 mil pessoas, ou levar para o circo do Bira mais de mil cidadãos de Franca. A qualidade musical da dupla, anteriormente conhecida pelas gravações, tornou-se evidente com a participação calorosa dos milhares e milhares de fãs de todas as idades. Versatilidade no repertório, versos expressivos, íntimos da realidade de autores públicos, domínio do palco, enfim, tudo o que se exige dos mais experimentados intérpretes da MPB. Aprendi com Milionário e Zé Rico que o cinema deve ser como o modão. É isso aí.
Terminada a excursão, chegou o momento de filmar as cenas de ficção, elaboradas com a participação da dupla. Outra surpresa: Milionário e Zé Rico ganharam, desde a primeira << tomada >>, a confiança e o aplausos da equipe e do elenco. Frente às câmaras encontravam-se dois refinados senhores do humor e da imaginação populares. Havia, sim, um texto escrito (de Francisco de Assis), mas este texto serviu como deflagrador do improviso, arte máxima dos nossos hérois. Foram quatro meses de trabalho.
Nós, do cinema, aprendemos a cantar as canções mais conhecidas de Milionário e Zé Rico. Acho que de agora em diante poderemos ser incluídos entre aqueles assim definidos por Zé Rico: << Quem nasceu com o destino de cigarra tem que fazer zum por este mundão de Deus.
E tudo bi! >>
FOTO LEGENDA - Milionário e Zé Rico
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