O longa-metragem de ideal, esforço e amor pelo cinema
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de maio de 1991
Para não ficar apenas na pesquisa, preservação de filmes e cursos práticos de cinema, Valêncio Xavier também conseguiu estruturar uma programação diária de exibições. Sem contar, no início, sequer com aparelhos de projeção - a generosidade do sempre presente Goethe Institut, foi que permitiu o empréstimo duas unidades Bauer - e tendo dificuldades para conseguir filmes, Valêncio fez, entretanto, uma programação cultural da maior importância, trazendo obras clássicas, ciclos de gêneros, décadas e cinematografias desconhecidas, sempre que possível acompanhada de palestras, seminários e debates além de edição de fichas técnicas e mesmo publicações.
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O incêndio do prédio da rua XV de Novembro, onde existia a confeitaria Schaeffer, emocionou a cidade e, graças a uma campanha do Clube de Criação, o edifício foi reconstruído, com um projeto feito gratuitamente pelo arquiteto Rafael Dely. O qual previu um espaço para um pequeno cinema de arte que, homenageando o pioneiro Groff, seria inaugurado em 10 de agosto de 1981. Durante quase três anos, seria também Valêncio que programaria o cinema, merecendo cuidados especiais: sala de espera com bebedouro, revistas e jornais à disposição dos freqüentadores nos intervalos das sessões e banheiros limpos.
Hoje, seus banheiros são imundos, não existe uma única torneira com água fresca e a sala perdeu suas intenções originais, de ser um espaço cult, acolhedor e simpático.
Em abril de 1983, confiando nas possibilidades de desenvolver um grande projeto para implantar um centro de documentaristas junto à Secretaria da Comunicação, quando o jornalista Enio Malheiros assumiu aquela pasta no início do governo José Richa, Valêncio deixou a Cinemateca. Previdentemente já havia preparado um substituto.
Tendo conhecido Francisco Alves dos Santos, quando ainda fazendo o Seminário Maior dos Irmãos Palotinos, no Cajuru, em 1970/71, começou a se interessar por cinema, Xavier sentiu o talento do jovem cristão. Assim, ao mesmo tempo que o jornalista Aroldo Murá, em sua generosidade apoiaava o aparecimento do nascente crítico nas páginas do semanário "Voz do Paraná", Valêncio confiava em Franciscocomo um auxiiar precioso levando-o como seu secretário para a Cinemateca. Inicialmente como estagiário, depois contratado como celetista, Francisco seria um precioso auxiliar de Valêncio e, por sua atuação cultural, começaria a participar de festivais de cinema, a integrar júris = inclusive os de seleção de curtas-metragens da Embrafilmes. De entrevistas feitas nos festivais que participou em 1975, produziria um livro ("Cinemaa Brasileiro 1975", Editora Voz do Paraná), que vale hoje como referencial de uma época em que a produção cinematográfica ultrapassava uma centena de longas-metragens por ano.
Infelizmente , com o afastamento de Valêncio Xavier da Cinemateca, a mesma começou a perder sua criatividade e credibilidade. Temperamento tímido, reflexo de sua própria formação de seminarista, sofrendo pressões, Francisco começou a ter que reduzir as atividades da instituição, passando a sala - que,por sugestão de uma ex-diretora executiva da Fucucu, Maria Elisa Ferraz Paciornik (hoje Secretária Municipal de Recursos Humanos) chamou-se oficialmente "Sala Arnaldo Fontana"(*) - a ser mais um espaço de exibição, deixando ali de acontecerem cursos regulares, bem como a parte de pesquisas de filmes e trabalhos (**) ter também esmorecido.
A conquista de novos cinemas - o Ritz, Luz e Guarany tornando-se a própria Fucucu/Prefeitura Municipal de Curitiba concorrentes da iniciativa privada no circuito de exibição - obrigou a Francisco a praticamente abandonar a Cinemateca em seus princípios idealizados por Valêncio. Infelizmente, a contratação de um assessor (Geraldo Pioli) para a programação, não solucionou. Ao contrário, por falta de preparo, o elemento escolhido na generosidade de Francisco, acabou criando áreas de atritos, a impor a sua vontade em programações e levar o circuito da Fundação a um verdadeiro caos. O que motivou críticas de nossa parte e justificaria o seu afastamento - mas sem necessidade do mesmo e dar na forma traumática que ocorreu na semana passada.
Com problemas de saúde, sofrendo em sua sensibilidade de intelectual, poeta ficcionista (em 1974, publicou o romance "Pássaro Cativo"), Francisco sentiu-se magoado, especialmente, na atual administração. Prepotente e despreparada culturamente em termos de cinema, a assistente social Celise Niero procurou, de todas as formas, humilhá-lo, inclusive comprometendo a Fundação com discutíveis e caríssimas promoções, como foram as mostras internacionais de cinema, que significaram milhares de dólares para o paulista Leon Cakoff pela vinda do rastolho da programação levada naquela capital. Além do mais, os filmes pelos quais o município - (ou seja, os contribuintes) - pagaram milhões, chegaram, na maioria dos casos, em versões originais e, posteriormente, legendados, tiveram lançamento comercial. Um, entre muitos escândalos que não nos cansamos de denunciar.
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Esvaziado em cursos, praticamente sem ter nenhuma política de estímulo à produção cinematográfica - a lei que cria o Fundo Municipal de Cinema, de autoria do ex-vereador José Maria Correa até hoje não foi regulamentada - e desperdiçando a potencialidade de desenvolver um núcleo de produção visual, especialmente com a advento da era do vídeo, a Cinemateca é uma instituição que não deve ficar nas mãos de gente incapaz e servilmente disposta a exercer apenas um trabalho direcionado com fins político-pessoais.
Ao contrário, a exemplo do que ocorre em todas as grandes cinematecas do mundo - e são 94 reconhecidas pela Federação Internacional de Arquivos de Filmes (***) - é de esperar que
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