O malandro regenerado enaltecendo o trabalho
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de abril de 1989
Uma coincidência mas que merece um destaque: em 1940, o presidente Getúlio Vargas preocupava-se com o grande número de sambas em que se enaltecia a malandragem. Encarregou Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda, para aconselhar os compositores mais irreverentes a modificarem a temática: ao invés de enaltecer o ócio, deveriam valorizar o trabalho.
Wilson Batista (1923-1968), era o próprio símbolo do malandro maneiro: vivendo de expedientes, sambista, tinha por tema em muitos de seus sambas, a ociosidade. Mas dentro da nova ordem, uma parceria com Ataulfo Alves, "O Bonde de São Januário", acabou tendo a letra trocada - e se transformou num ufanista canto de exaltação ao trabalho - bem próprio para as comemorações do dia 1º de maio, véspera do aniversário de Ataulfo.
Quem trabalha/É que tem razão
Eu digo/E não tenho medo/de errar
O bonde de São Januário
Leva mais um operário/Sou eu
Que vou trabalhar
Antigamente/Eu não tinha juízo
Mas hoje/Eu penso melhor/No futuro
Graças a Deus/Sou feliz
Vivo muito bem/A boemia
Não dá camisa a ninguém
Passe bem
Com uma nova marcação na letra, diferente da gravação original - campeã do Carnaval de 1940 - "O Bonde de São Januário" foi gravada por Gilberto Gil, tendo na percussão o excelente Marçalzinho, uma das melhores faixas do álbum "Ataulfo Alves - Leva Meu Samba", lançado nesta semana pela Sigla/Som Livre.
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