O melhor com Paulinho da Viola,Ferreira e Netinho
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de fevereiro de 1977
Muita gente ainda imagina que Paulinho da Viola (Paulo César Baptista Faria, 34 anos, 14 de vida musical em termos profissionais) seja um sambista, de origens dos morros cariocas, tal a sua intimidade, o seu lado e sua sensibilidade que o aproxima ao maior, para nós, de todos os espectadores populares do Rio de Janeiro e o divino Cartola (Angenor de Oliveira, 68 anos, dois elepês gravados (Marcus Pereira). Mas, Paulinho nasceu e cresceu dentro de uma família de classe média, bastante longe do morro, filho de um violinista, César Faria (Benedicto César Ramos de Faria, 64 anos), que durante mais de 30 anos trabalhou em rádios do Rio, principalmente com aquele que até hoje é lembrado como o maior executante do instrumento que ficou como seu sobrenome, Jacob do Bandolim (Jacob Pick Bitencourt, 1919-1969) e que até hoje era o grupo por ele criado, o Época de Ouro. Pois foi ouvindo as reuniões chorões, na casa de seu pai ou na casa de Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá, que Paulinho se entusiasmou pela MPB - e antes de sua descoberta do samba, do qual viria a se chamar um dos maiores compositores intérpretes, Paulinho aprendeu a chamar a este gênero tão brasileiro, tão fascinante e criativo, mas que só nos últimos 4 anos é que passou a ser devidamente revalorizado (I). Para um homem, como Paulinho, e quem cada elepê é um monumento do bom gosto, de inteligência e de requinte artesanal - haja vista que praticamente toda sua fonografia, ano a ano, está sempre presente ao que de melhor é editado, produzir um disco exclusivamente de choro era, sem dúvida, algo sonhado há muito tempo, como ele confessa: "Não me sentia, como agora, suficientemente preparado pra fazê-lo e mesmo depois da emoção que ele me provocou quando remixado, acho que vou precisar ainda de algum tempo de pesquisa, vivência e preparo técnico para dominar completamente como instrumento do choro, o violão e o cavaquinho". Editado simultaneamente ao lp "Cantando", o álbum "Memórias 2 Chorando" (Odeon SXMOFB 3923, dezembro/76), só não entrou na nossa lista dos melhores do ano, porque embora lançado no Rio de Janeiro na última semana do ano passado, em Curitiba só chegou na segunda quinzena de janeiro. Mas a exemplo do "Cantando", já está entre os melhores de 77 - acima de qualquer discussão.
"Chorando" é um elepê de amor, de respeito e de homenagem ao que poderia haver de melhor na música brasileira que Paulinho pessoa humana tão admirável como criador, tanto sabe admirar. E que o fez, dedicando-o ao seu pai, César Faria, principal solista de violão, e dividido com seus talentosos e fiéis amigos Cristóvão (da Silva) Bastos (Filho), ao piano (emocionante os seus solos em "Chorando" de Ary Barroso e "Inesquecível", do próprio Paulinho), seu irmão Chiquinho (Francisco Xavier Baptista de Faria, bandolim), Copinha (Nicolino Coppia, 67 anos, (flauta), Dininho (Horondino Reis da Silva, baixo elétrico), Jorge (irmão de Dino, pandeirista), baterista Mr. Chaplim (Wilson dos Santos), Pai João (Hércules Pereira Nunes). Paulinho, que sempre produz seus discos, passou vários meses estudando o repertório e conseguindo uma síntese perfeita: de Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana Filho, 1898-1973), são "Cinco Companheiros", "Cuidado Colega" (parceria com Benedito Lacerda), "Cochichando" e "Segura Ele" (parceria com Benedito Lacerda). Para um admirável - mas ainda desconhecido - compositor e instrumentista de Recife, o Canhoto da Paraíba (Francisco Soares de Araújo), Paulinho dedicou a faixa mais absorventemente comunicativa, "Rosinha, Essa Menina", cujo título também é uma referência a uma grande amiga, a violonista Rosinha de Valença. "Romanceando", é o choro de Paulinho em homenagem ao seu pai, enquanto que "Oração de Outono" é choro mais antigo, de 1972, na mesma época em que compôs, em parceria com Fernando Costa (do Terra Trio) o antológico "Choro Negro", "Beliscando", o único dos choros de Paulinho em três partes, "Choro de Memórias" e "Inesquecível" são os seus três outros choros. Mas a grande surpresa é a inclusão de um belíssimo choro de Ary Barroso (1903-1964), que poucas pessoas conhecem, embora tenha sido gravado pelo próprio autor, há 30 anos passados e o pianista Cristóvão executa tentando se aproximar do estilo usado por Ary em seu registro original. Qualquer faixa de "Memórias/Chorando" é antológica e faz com que se ouça este elepê quantas vezes for possível - descobrindo-se a cada nova audição um novo encanto. O capricho de Paulinho foi ao detalhado texto do encarte interno e a sentimental capa criada por Elifas Andreatto. Em suma, um álbum nota 10
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A revalorização do choro está dando oportunidade a que instrumentistas extraordinários, mas que durante décadas ficaram restritos ao acompanhamento de cantores (as) nem sempre de maior talento, passassem a terem chance de fazerem seus elepês solos. No ano passado, o notável Paulo Moura, um dos melhores clarinetistas que o Brasil já teve, fez o histórico "Confusão Urbana, Suburbana e Rural" (RCA Victor) e o veterano Abel Ferreira, 62 anos, 50 de vida instrumental, na opinião de Lúcio Rangel o maior clarinetista do Brasil, fez o seu sonhado elepê-solo "Brasil, Sax e Clarineta" (Discos Marcus Pereira, MPL-9310, setembro/76), e, no final do ano foi a vez do Netinho (Pedro Silveira Neto, sergipano de Simão Dias), gravar o seu elepê-solo, "Chorinho, Cuica e Tamborim" ( R C A Camden, 107.0258), só lançando em janeiro último. O elepê de Abel Ferreira, produção do jornalista paranaense Marco Aurélio Borba, entrou em várias das listas dos melhores de 76. Um disco onde Abel, acompanhado por instrumentistas indispensáveis num elepê de choro (Dino, Copinha, Jorginho etc.), alterando-se na clarineta ("Corta Jaca", Chiquinha Gonzaga; "Rapaziada do Brás", de Alberto Marino; "Alma Brasileira" de Fernando Magalhães "André de Sapato Novo" de André Victor Correia e suas próprias composições, "Chorando Baixinho", "Sai da Frente", "Haroldo no Choro", e "Lua de Caromandel"), ou no sax-alto ("Sorriso de Cristal", de Luiz Américo e "Saxofone, por que choras?" de Severino Rangel, o Ratinho) ou ainda no sax-soprano. ("Machucando" de Adalberto de Souza e "Cochichando" de Pixinguinha), demonstra todo um virtuosismo perante o qual torna-se necessário a maior referência.
Já "Chorinho, Cuica e Tamborim", produção de Jorge Santos, com pesquisa de repertório do estudioso Pedro Cruz, faz uma abertura, acrescentando aos quatro instrumentos executados por Netinho - clarineta, sax-alto, sax tenor e sax soprano - a cuíca e o tamborim, que, em absoluto não prejudicam a qualidade deste excelente lançamento, inicialmente previsto para ser editado simultaneamente ao II Encontro de Pesquisadores da M P B (Rio, 8/11 de novembro/76), mas que, por razões industriais acabou sendo adiado. Netinho, instrumentista que antes de chegar ao Rio (1955) trabalhou em clubes e cassinos de Aracaju e Salvador, é hoje o primeiro clarinetista da orquestra da Rede Globo de Televisão e nesta gravação teve apoio de instrumentistas como Luiz Roberto (ex- Os Cariocas No Violão), Marçal, Eliseu, Luna e Neném na percussão). A seleção inclui choros de várias origens, épocas e autores. "Urubu Malandro", de Lourival de Carvalho (Louro) e João de Barro, o clássico "Na Glória" de Ary dos Santos e Raul de Barros (2), "Dá-lhe Garoto", e "Teleguiado" de K-Ximbinho; "Dengoso" de Jonas Silva; "Tio Samba no Choro" de Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito; "Luiz Americano no Lido" de Jacob do Bandolim; "Bem-te-vi Atrevido" de Lina Pesce; "Os Batutas" de Pixinguinha e Daniel Santos (com Daniel Santos no vocal); "Discotecando" de J. Santos; "Homenagem à velha Guarda" de Sivuca (notável solo de Neco no cavaquinho), "Antigamente" de candeia e "Chorando pra Pixinguinha" de Toquinho/Vinicius de Moraes.
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NOTAS.
(1) Ao lado de vários elepês de solistas, tivemos a criação dos clubes do choro no Rio (onde já existe meia dúzia de "chorões" formados por jovens de 14/23 anos), Recife, Brasília e Londrina. Grande contribuição, embora restrita, foi a edição do álbum duplo "Chorinhos, Chorões, Choroada", patrocinado pela Companhia Internacional de Seguros, produção de Mozart de Araújo e Ricardo Cravo Albim.
(2) O excelente trombonista e compositor Raul de Barros passou o carnaval em Curitiba, comandando a orquestra que animou os bailes da Thalia. Lamentável que um instrumentista de sua dimensão não pudesse ser ouvido num concerto de chorinhos.
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