Os contos novaiorquinos de Woody, Scorcese e Coppola
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de janeiro de 1990
Durante 3 anos, foi imbatível com "A Rosa Púrpura do Cairo" (1985), "Hannah e Suas Irmãs" (1986) e "A Era do Rádio" (1987), Woody Allen esteve em primeiro lugar nas listas dos melhores filmes do ano.
Retornando ao universo huis clos, assumidamente bergmaniano, que já tinha experimentado no incompreendido "Interiores" (1978), os dois últimos filmes de Allen vistos em Curitiba só atingiram faixas muito especiais - capazes de entenderem/emocionarem-se - com a grandeza de sua visão de analista do american way of life, dos mais profundos sentimentos: "Setembro" (1988) e "A Outra" (1989), em nosso entendimento mais duas obras-primas em sua filmografia.
Para o público, que prefere o Woody Allen menos profundo - mas igualmente cáustico e observador do comportamento do homem urbano contemporâneo - 1990 começa com uma esplêndida notícia: "Contos de Nova York" estréia nos próximos dias em Curitiba.
Um retorno saudável e auspicioso de Allen à comédia, com toques, naturalmente, de um realismo fantástico, "Édipo Arrasado", o episódio de Allen nesta trilogia produzida no final de 1988 e que teve seu lançamento na primeira quinzena de março do ano passado, quando o assistimos na Big Apple, é realmente um filme notável. Como se não bastasse the touch of genius de Allen em sua parte, os produtores Jack Rollins e Charles H. Joffe - que, com exclusividade, financiam todas as experiências cineestéticas de Allen - confiaram no taco dos outros dois cineastas escolhidos para darem também sua interpretação humana da metrópole americana: Martin Scorcese em "Lições de Vida" e Francis Coppola em "A Vida Sem Zoe".
Inevitável - a junção de três pesos-pesados do que existe de melhor no cinema americano atual provoca comparações, que mostram as naturais predileções do espectador. Sem muito esforço, Allen tira de letra: afinal sua história - no original "Odeipus Wrecks", com ele próprio, mais Marvin Cathtinover, Mae Questel, George Schindler, Bridigit Ryan e sua mulher e musa, Mia Farrow - é delirantemente cômica - embora também faça pensar. Em Woody nada é gratuito.
Cada um dos cineastas convocou mestres da fotografia: Scorcese trabalhando com Nestor Almendros, Coppola com Vitório Storato e Allen com o sueco Sven Nykvist que fazem de "Nova York Stories" um curso de fotografia cinematográfica em três lições.
Nova York é o cenário para os três diretores mostrarem o afeto e a fascinação pela Big Apple. Em "Lições de Vida", Scorcese se inspirou no diário de Appolinaria Suslova, amante e protegida de Dostoievski. O diretor e roteirista (Richard Price) mudaram a profissão dos personagens (agora pintores ao invés de escritores), a época e o lugar. Fortemente visual, as telas que aparecem no filme são de dois nomes famosos da pintura americana - Chuck Connely e Susan Hambleton, que, no filme, seriam as obras de Lionel Dobie (Nick Nolte) e sua amante Paulette (Rosana Arquette). Um conflito amor/ódio/sexo/tintas num filme denso - longe da comédia hilariante que, à primeira vista, o espectador espera.
Já "A Vida Sem Zoe", um filme basicamente familiar que Francis Coppola rodou em poucas semanas - antes de voltar à Itália (onde está concluindo "O Poderoso Chefão - III Parte") é um intermezzo lírico, um conto de fadas na cidade grande. A partir de uma história escrita por sua filha Sofia, 17 anos (também responsável pelos belos figurinos que deram charme todo especial aos personagens), Coppola conta a história de uma pobre menina rica (Zoe/Heather McComb), filha de um famoso flautista e uma fotógrafa, separados, que passam a maior parte do tempo fora de casa e obrigam a garota a viver num hotel em companhia de um mordomo. Seu único amigo é um garoto milionário, árabe. Depois que o hotel é assaltado, numa festa infantil, uma jóia desaparecida é devolvida à princesa. Num clima de conto de fadas, o filme termina em Atenas.
No elenco estão Giancarlo Gianini, Talia Shire (irmã de Francis) e Paul Herman. A música, naturalmente, é do papai Carmine Coppola.
Sobre "Édipo Arrasado", não vamos falar. Deixamos para que a curitibana Denize Araújo, professora, globetrotter e apaixonada por Woody Allen - a respeito de quem (e especialmente do filme "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa/Annie Hall", 1977) prepara há dois anos uma tese desenvolvida na Universidade do Colorado, em Tempe, EUA, fale com exclusividade num belo texto. Afinal, ninguém melhor que Denize para expor idéias sobre este filme fascinante.
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Para terminar, apenas uma lembrança: já com um novo filme pronto para estrear em Nova York (naturalmente!) e outro projeto em andamento, Allen, 55 anos, não pára. Em outubro estreou nos EUA "Crimes e Contravenções" (Crimes and Misdemeanors), um filme sério, profundo e que teve os maiores elogios. Até Paulo Francis o enalteceu!
LEGENDA FOTO 1 - Rosana Arquette no episódio "Lições de Vida", de Martin Scorcese. O diretor se inspirou no diário de Appolinaria Suslova, amante do escritor russo Dostoievski.
LEGENDA FOTO 2 - Coppola montou sua fatia cinematográfica em cima do roteiro escrito por sua filha que também é responsável pelo figurino. "A Vida Sem Zoe" é um filme familiar, por excelência.
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