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Pires une-se a Lattes na 'Última Loucura' nuclear

Tão logo consiga uma sala de exposição disponível, em Goiânia, o cineasta Roberto Pires quer relançar naquela capital o filme "Abrigo Nuclear". - Não é por nada, mas acho que está na hora do público assistir este meu filme tão desconhecido que até parece inédito. Jantando no Fritz, em Brasília, em companhia dos jornalistas Wilson Cunha e Helena Salem, Roberto Pires, um baiano extrovertido, pioneiro do ciclo que marcou a cinematografia baiana no final dos anos 50, fala com entusiasmo de seus projetos sobre um filme no qual voltará a abordar os riscos da energia nuclear: - Vim para Brasília há alguns anos para fazer este filme e daqui não saio enquanto não realiza-lo. O título é apocalíptico: "A Última Loucura". E como co-roteirista, Roberto Pires tem o mais famoso cientista nascido no Paraná: o físico Cesar Lattes. Helena Salem, ex-"O Globo", agora freelancer, trabalhando na produção e numa série de programas sobre a história do Cinema Brasileiro que a Rede Manchete apresentará em 1988, indaga como foi a aproximação com Lattes, sabidamente um homem reservado. Roberto explica: - Enviei uma carta e um resumo do meu roteiro. O próprio Cesar Lattes marcou a primeira entrevista e me recebeu em sua casa. A partir de então, temos nos encontrado sempre que possível e discutido longamente o projeto. Ao lado de Wladimir - que há 4 anos tenta concluir um longo documentário sobre Brasília; Geraldo Moraes, que após "A Difícil Viagem" inicia na próxima semana a rodagem de "Circulo de Fogo" e Tânia Quaresma, realizadora de "Nordeste: Repente, Cordel e Canção" - atualmente assessora da Fundação Cultural do Distrito Federal, Roberto Pires integra a colônia de cineastas brasilienses. Aos 53 anos, sete longa-metragens e oito filhos - "tenho que fazer logo o novo filme para empatar com a família", diz brincando - Pires é uma pessoa importante dentro do cinema baiano. Há 29 anos, realizou o primeiro longa-metragem naquele Estado, "Redenção", que teve lançamento nacional e estimulou toda uma geração de jovens a fazer cinema. Entre eles, Glauber Rocha, na época ainda um adolescente, fazendo suas primeiras experiências em 16 mm, entre os quais o curta "O Pateo" - recuperado para a mostra em sua homenagem que a Embrafilmes [Embrafilme] e o Banco Nacional promoveram há três anos. Filho de um dono de ótica, Roberto Pires chegou a desenvolver uma lente amórfica, no estilo cinemascope (mais ou menos semelhante aquela que o professor Leonel Moro desenvolvia na mesma época em Curitiba - o chamado "Moroscope"), que até hoje o seu ex-sócio, Oscar Santana, guarda em lugar de destaque na sede da Saci Filmes, a maior produtora de filmes publicitários e documentários comerciais da Bahia. Oscar e Braga Neto eram sócios de Roberto Pires, quando se dispôs a produzir "Barravento", cuja realização original seria de Trigueirinho Neto. Só que a produção - na qual Glauber era o executivo - teve problemas e o diretor afastou-se. Com isto Glauber assumiu a direção e faria o seu primeiro longa-metragem, mas cujo lançamento comercial demoraria muitos meses - e na verdade só passaria a ser valorizado após a explosão internacional de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1963, exibido em 1964). xxx Roberto Pires é um homem que conhece profundamente a história do cinema baiano. Afinal, antes que Glauber conseguisse a projeção, ele já estava estruturando e realizando longa-metragens. Depois de "Redenção" fez "A Grande Feira" e "Tocaia no Asfalto", ambos lançados entre 1962/63, marcando o chamado ciclo baiano. O sucesso fez com que viesse para o Rio de Janeiro, ali realizando um thriller de fundo histórico - "O Crime do Sacopá" - "que teve a curiosidade de ter o próprio tenente Bandeira fazendo o seu personagem" - e o policial "A Máscara da Traição", que entre os financiadores teve Alfredo Saad, "hoje sócio do Pelé". Depois, em apenas 16 dias, rodou uma comédia erótica, "Em busca do Sucexo", "feita em 16 mm, nos estúdios da Globo". Voltando a Salvador, Roberto Pires passou três anos mergulhado num projeto considerado maluco: uma ficção científica mostrando o comportamento dos sobreviventes de uma explosão nuclear. Entre 1979/81, Pires fez das tripas coração para conseguir concluir seu filme. - Faltava tudo: material, equipamento, dinheiro até para pagar a comida para equipe e elenco. Foi então que adotei a fórmula-macarrão que havia aprendido em 1954 com o Nelson Pereira dos Santos. Ante a surpresa de Helena, autora da biografia "Nelson Pereira dos Santos - O Sonho Impossível do Cinema Brasileiro", e que desconhecia este detalhe da produção de "Rio 40 Graus" - o filme marco do Cinema-Novo - Roberto explica: - É o seguinte: o macarrão é a comida mais barata para manter uma equipe. Durante as filmagens de "Rio 40 Graus", as quais assistia, deslumbrado, sempre que o dinheiro escasseava, Nelson apelava para essa alimentação. Eu fiz o mesmo... Pela temática abordada, "Abrigo Nuclear" entusiasmou a atriz Norma Benguel, que, gratuitamente, interpretou um dos papéis centrais. O filme, péssimamente lançado, foi um fracasso. - Na época ninguém estava ligando para o tema! Agora, após a explosão de Chernobyl e o caso da contaminação do Césio em Goiânia, tanto "Abrigo Nuclear" como "Parada 88: Limite de Segurança", de José Anchieta (filme só exibido em Curitiba uma única vez) adquirem especial significado: foram os únicos a tratar dos riscos da contaminação provocada pela explosão atômica. - "Portanto, o relançamento de "Abrigo Nuclear", a partir de Goiânia, tem um significado político importante" - diz Roberto. E o projeto da "Última Loucura" - na qual prevê recursos especiais dignos de George Lucas e Spielberg, para mostrar Brasília após uma explosão nuclear - o faz dar uma verdadeira aula sobre os riscos que a humanidade corre neste final de milênio. Chega a ser apocalíptico em suas explicações, com números e exemplos raros. Para dar maior credibilidade as palavras, vira-se para mim e diz: - Olhe, tudo isto eu sei porque o Cesar Lattes, que é paranaense, me disse. E meu roteiro tem todo embasamento científico com base em seu conhecimento! LEGENDA FOTO: Cesa Lattes: roteiro apocalíptico
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/11/1987

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