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Aramis

Poema de Leminski inspira a gaúcha Flora jazzística

Uma tristeza maior tomou conta da cantora gaúcha Flora Almeida quando soube da morte do poeta Paulo Leminski, dia 8 de maio último: - "A frustração de não ter podido conhecê-lo pessoalmente e ter lhe entregue o meu disco independente". Afinal, foi um dos mais belos poemas do poeta curitibano que Flora pinçou o título-tema de seu show: "Acordei Bemol / Tudo Estava Sustenido", que também batizaria seu primeiro álbum, produção independente, cujas gravações iniciaram em novembro de 1987 - para só serem concluídas quase um ano depois. Como a sua homônima carioca Flora Purim, a gaúcha Flora Almeida é uma tremenda cantora de formação jazzística, embora ligada a música nativista, troféu de melhor intérprete na 4ª Serra Canto e Cantiga (Veranópolis, Rio Grande do Sul, 1987) e na 8ª Ciranda Teuto-Rio Grandense (Taquara, 1986) e presença de destaque em festivais como o II Musicanto (Santa Rosa, 1984), XIV Califórnia (Uruguaiana, 1984), III Tertúlia Nativista (Santa Maria, 1985), 5ª Seara da Canção Gaúcha (Carazinho, 1987) e II Moenda da Canção (Santo Antônio da Patrulha, 1988), entre outras mostras mais representativas da música popular gaúcha. xxx É, no entanto, como intérprete de formação jazzística - com admiração-influência de "Lady Singer" que vão de Billie Holiday a Aretha Franklin, que Flora se coloca mais a vontade, "mas sem nunca perder a brasilidade, o tempero gaúcho", como diz um de seus mais entusiastas admiradores, o jornalista Roberto Moura, carioca, responsável por uma espontânea catituagem de seu disco junto a ouvidos privilegiados no meio musical. xxx A admiração pela poesia do curitibano Paulo Leminski - que curtia a distância - levou flora a dar o mote "Acordei Bemol / Tudo Estava Sustenido" para seu amigo Guinha Ramirez, baterista e compositor, na criação de um tema especialmente idealizado para o seu show - e que viria dar título ao elepê que ela produziu no ano passado. Trabalhando as palavras, "como, penso, Leminski gostaria de fazer", a letra de "Acordei Bemol / Tudo Estava Sustenido" ficou bem estruturada e objetiva. "Quando se ganha espaço Quanto mais longe se está É preciso saber chegar É outro momento novo, novo Idéias, palavras, sons Raízes da mesma sensação Se agora satisfaz O não querer olhar prá trás Te quero é muito mais Quero estar passado bemol Presente no tom O futuro ainda pode Poderá ser puro". Há pelo menos cinco anos Flora está nas estradas musicais do Rio Grande do Sul - com algumas (rápidas) incursões na noite paulista (temporada no Victoria Pub, em São Paulo, em março último, por exemplo) e desejando, naturalmente, abrir espaços maiores. Talento para tanto, não lhe falta e desde seu primeiro espetáculo montado em termos profissionais ("Mulher, Verso e Reverso", 1984, com o qual percorreu o Rio Grande do Sul por quase um ano), vem acumulando elogios - inclusive de Luís Fernando Veríssimo, apaixonado por jazz e que, com entusiasmo, fez o texto de contracapa de seu elepê. Organizada e com muita garra, Flora vem montando shows musicais inteligentes, como "Flora in Bossa & Blues" (1985, considerado pelo Juarez Fonseca, da "Zero Hora", o melhor daquele ano), "Sai Dessa" (1986, com direção de Luciano Alabarse), "Com que Roupa" (1987), "Acordei Bemol / Tudo Estava Sustenido" e "Villa-Lobos: O Outro Lado do Rio" (também em 1987) e "Com Toda Bossa" (1988). Produção esmerada - exemplo de como se pode realizar um bom trabalho fora do Eixo Rio-São Paulo - Flora reuniu em seu disco um repertório de primeira qualidade, basicamente de compositores gaúchos - considerando a riqueza e a expressão da música naquele Estado. Jerônimo Jardim, nome nacional é o autor de "Ardente" que abre o lado um; Zé Caradípia (sucesso na voz de Zizi Possi há 5 anos passados) é o autor de "Estrela Nova"; Raul Ellwanger, compositor-intérprete que vem buscando espaços cada vez mais internacionais - via Argentina e Uruguai - é o autor de "Beco's Blues", enquanto que Nei Lisboa (já com três elepês gravados, o último dos quais pela EMI/Odeon) é o autor de "Junky", uma das faixas mais impressionantes do disco. Outro compositor gaúcho em ascensão, Galileu Arruda, comparece com "Destino Vagabundo", enquanto do excelente Sérgio Napp, autor de uma obra imensa, inúmeras premiações, é (em parceria com Pedro Guisso), "Amo Você". Flora ainda inclui uma apropriada versão de uma canção de David Bowie ("Verniz") e, num toque descontraído, valorizou um tema de um jovem músico-compositor, o guitarrista Gilson Oliveira ("Estúdio Solon"). Os melhores instrumentistas gaúchos, participações afetivas como de sua colega Adriana Calcanhoto (agora começando a aparecer nacionalmente) e, especialmente, arranjos perfeitos fazem com que Flora nesta sua estréia - em que a homenagem maior veio para Paulo Leminski (de certa forma postumamente, pois ele não chegou a conhecer o disco), seja anotada como uma voz muito especial - entre tantas que o Brasil continua a desconhecer e que ficam restritas em limites geográficos estaduais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/07/1989

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