Porta Aberta para o cineclubismo de fato
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de janeiro de 1990
Quando a crise de espectadores faz com que amplie-se a escalada de cinemas com suas últimas sessões - transformando-se em supermercados, agências bancárias ou espigões nas cidades (não só nas grandes, mas também nas médias), não deixa de ser estimulante saber que o trabalho de um juventude (ainda) apaixonada pelo cinema projetado na tela ampla vem fazendo em termos nacionais - com desdobramentos que permitem a resistência em salas bem programadas e que provam a possibilidade de terem um público regular.
Em Brasília, durante o XXII Festival do Cinema Brasileiro, o coordenador do evento, Marco Antônio Guimarães, fez questão de destacar, em todas as oportunidades, que se não fosse a firme atuação do Cine Clube Porta Aberta, da cidade de Gama, o evento que Paulo Emílio Salles Gomes criou há 25 anos - e que ao longo destas duas décadas e meia sofreu as mais diversas pressões - não teria sido realizado.
É que há três semanas da data programada do Festival, os recursos do Ministério da Cultura para custear o Festival continuavam ainda bloqueados. Foi quando a diretoria do Cine Clube Porta Aberta, num emotivo apelo ao ministro José Aparecido de Oliveira, mostrou a importância do Festival não sofrer interrupção e com isto Ncz$ 450 mil acabaram sendo liberados, completando-se o orçamento que permitiu que fosse realizado o mais enxuto, bem organizado e elogiado Festival de Cinema de Brasília, um verdadeiro renascimento do evento que, por diversos problemas, vinha sendo prejudicado nos últimos anos.
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A credibilidade que o Cine Clube Porta Aberta - que funciona na cidade satélite de Gama, 250 mil habitantes, 45 Km do Plano Piloto, desfruta hoje junto ao Ministério da Cultura deve-se ao trabalho que seus dois principais dirigentes, Gerson Santos da Silva e José Claudionor de Alcântara vêm desenvolvendo há um ano no Cine Itapoã, hoje a única sala de projeção na cidade de Gama. Pertencente à cadeia de Paulo Sá Pinto (que, em Curitiba, possui o Cine Plaza), o Cine Itapõa era uma sala poeira, que mesmo exibindo exclusivamente filmes pornográficos e de terror, entrou numa decadência financeira tão grande que acabou sendo desativada. Seus proprietários já estavam em negociações com o grupo Casa da Banha. Foi quando o Cine Clube Porta Aberta, num movimento de mobilização pública pela "Folha do Gama", jornal local (e do qual Cláudio é um dos editores) conseguiu sensibilizar o então governador do Distrito Federal, José Aparecido, que adquiriu o imóvel e o cedeu, em comodato, ao Cine Clube, que vem programando-o há um ano.
Mais do que simplesmente exibir bons filmes - com ênfase na produção nacional, mas também divulgando o que há de melhor internacionalmente - o Cine Clube tem a preocupação de formar um novo público e para tanto mantém um convênio com 11 colégios da cidade, nas sessões vespertinas, com entrada gratuita, levam seus alunos a conhecerem filmes importantes. Com uma média de 200 espectadores por sessão (a sala tem 540 lugares) e funcionando com duas sessões à noite e uma à tarde, o Cine Clube dispõe hoje de público fiel. Em 1989, a exemplo do que já havia ocorrido no ano passado, todos os filmes em competição no Festival foram apresentados em sessões vespertinas na sala, para um público basicamente jovem e interessado. Realizadores de curtas e longas compareceram nas sessões e surpreenderam-se com o respeito que o humilde público - garotos e adolescentes pobres, acompanhados de professores - assistiram às sessões, participando depois dos debates. Umberto Martins, 41 anos - co-realizador de "Dia de Visita" (melhor curta do Festival), na tarde em que seu filme foi exibido emocionou-se pelo público que entendeu a mensagem de seu documentário sobre as pessoas que vivem marginalizadas da sociedade, em abrigos e presídios. Igualmente, o ator Emanuel Cavalcanti (melhor coadjuvante, por "Uma Avenida Chamada Brasil"), também ficou encantado com o interesse demonstrado pelos espectadores no debate sobre o documentário de Octávio Bezerra, que aborda a violência urbana no Rio de Janeiro.
- "Poucas vezes encontrei pessoas tão interessadas em querer trocar idéias em torno de um filme que aborda nossa realidade" - comentava Cavalcanti, alagoano, ator vigoroso e que não perde oportunidades para discutir questões ligadas à cultura brasileira.
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Animador cultural com múltiplas atividades - faz teatro amador, é músico, escreve sobre artes na "Folha do Gama" e cuida da programação do Cine Itapoã, Alcântara, 30 anos, acredita que um trabalho bem desenvolvido em termos de cinema, buscando-se o público e fazendo-se promoções que complementem as informações aos espectadores - mesmo aqueles de menor nível cultural, trazem bons resultados.
Desde a abertura da sala - em outubro de 1988, com a exibição do curta "Da Cor da Luz" do cineasta e escritor Mário Kupperman - que aborda justamente a função cultural e comunitária dos cineclubistas - o Cine Itapõa passou a ter uma presença importante dentro do equipamento cultural da cidade satélite de Gama, e estimulando, inclusive outras salas equipadas com 35mm para um circuito paralelo (ver texto nesta mesma página) que o Conselho Nacional de Cine-Clubes está estruturando.
O ministro José Aparecido é um dos entusiastas do trabalho que José Claudionor de Alcântara e Gerson Santos da Silva desenvolvem no Cine Clube Porta Aberta, tanto é que foi ainda como governador do Distrito Federal que deu condições que ao invés de mais uma Loja da Banha, na praça 01, setor Leste daquela cidade satélite, a luz iluminasse, todas as noites, o retângulo mágico de uma sala de espetáculos com filmes da melhor qualidade.
LEGENDA FOTO - Poeta e jornalista Reynaldo Jardim (hoje radicado em Goiânia) o ministro José Aparecido e os diretores do Cine Clube Porta Aberta, quando da reabertura do Cine Itapoã, na cidade satélite de Gama, como um centro de cultura cinematográfica.
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