Quando o terror é bem humorado
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de janeiro de 1985
O terror que faz rir. Eis a nova fórmula dotada pelo cinema norte-americano, para os dois maiores campeões de bilheteria de 1984 e, tal como presente de Natal, reservados para o final do ano às platéias brasileiras. "Os Caça-Fantasmas" e "Gremlins".
Quem imaginaria, há alguns anos, os monstros que desfilam nessas duas brincadeiras de Steven Spielberg/Joe Dante/Ivan Reitmann, em programas de censura livre, fazendo a criançada vibrar!
Tanto "Os Caça-Fantasmas" (Cine Bristol, a partir de hoje) como "Gremlins"( Cine Astor, 5ª semana) usam e abusam da sátira ao próprio gênero do terror. Refletem, antes de tudo, um novo padrão de comportamento.
Em "Gremlins", o roteirista Chirs Columbus, ex-desenhista de histórias-em-quadrinhos (assim como o personagem Jimmy Peltzer), utilizou, livremente, parábolas que garantiram sustos a várias gerações, especialmente a mitologia da luz na destruição do mal. Assim, os terríveis Gremlins que ameaçavam a tranqüilidade dos moradores da bucólica Kingston Falls – a típica cidadezinha do Interior norte-americano – são destruídos pela luz, como Drácula nunca resistiu ao sol da manhã.
"Gremlins" é rico em interpretações e isto é que o torna um filme fascinante. Antes de tudo, um produto de marketing, com a receita em que o produtor Steven Spielberg é especialista, tem, entretanto, o encanto do fantástico como "Encontros Imediatos do Terceiro Grau" e "ET" . Pode, entretanto, resistir a uma análise mais rigorosa – e isso é que faz seu encanto para platéias adultas.
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Joe Dante, o diretor de "Gremlins" é uma das revelações desta década. Começou gozando o próprio Spielberg, ao fazer "Piranha", um sucesso tão grande (ou quase) quanto "Tubarão",o abre-te-sésamo comercial de Steven, após sua estréia no tv-movie "Encurralado".
Foi Spielberg que, entusiasmado pelo talento de Dante, o convocou para realizar um dos mais interessantes episódios de "No Limiar da Realidade" ( Twilight Zone – The Movie").
O resultado valeu a garantia de um longa-metragem e este é "Gremlins", um filme de monstrinhos que mais do que os sustos na platéia parece querer satirizar algumas tradições do american way of life, arrasando instituições que vão da pureza natalina à Associação Cristã de Moços. Sérgio Augusto, um dos mais competentes analistas cinematográficos do Brasil, num texto fundamental para o entendimento de "Gremlins" ( "Folha de São Paulo", 13/12/84), lembrou, com precisão: "a horda de monstros anárquicos gerada por Gizmo, à sua revelia, nada mais é do que um bando de crianças ou adolescentes fissurados em rock, break, graffitis e algazarra em cinema. Em suma: vampiros da alma consumista americana".
O adorável Gizmo, comprado por um trapalhão papai inventor (Hoyt Axton) como presente de Natal para o filho Billy (Zack Galligan), num antiquário chinês de Nova Iorque, acaba se transformando numa usina de animais semelhantes, os quais, entretanto, quando molhados ou alimentados após a meia-noite, revelam tendências estranhas. A partir das naturais confusões que se estabelecem, o filme tem um ritmo adorável de comédia e sátira, nas quais as imagens terroríficas das centenas de gremlins estão mais para a gozação do que para a tragédia.
Essa fórmula – a de monstros simpáticos – também está em "Caçadores de Fantasmas", outro campeão de bilheteria, que, após faturar milhões de dólares, nos Estados Unidos, repete sua performance comercial no Brasil
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