Retrato em branco & preto do amor de Ana por Jobim
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de janeiro de 1988
"O Tom é visceralmente ligado à terra, um ser telúrico, gosta do cheiro da chuva, trata as coisas poeticamente.
"Águas de Março" é tratado. O prego, o estrepe não doem ditos por Tom. O número dele cantando "Águas de Março" com Elis é o mais bonito, o mais perfeito que já vi".
(Dorival Caymmi)
Amanhã, Antônio Carlos Jobim faz 61 anos. Como as comemorações foram pelos 60 anos e ele está em Nova Iorque - sem planos de retornar a curto prazo ao Brasil, talvez ninguém se lembre da data neste janeiro de algumas efemérides da música brasileira, como o centenário do nascimento do compositor Ernani Braga (1888-1948), pianista e regente que nos anos 30 organizava grandes concertos orfeônicos (em Curitiba, chegou a reger um orfeão de 3 mil vozes infantis), nascido no Rio de Janeiro em 10 de janeiro de 1888.
Neste mês de janeiro, em que Narinha Leão completou no último 19, seus 46 anos e que Miltinho (Milton Santos de Almeida), aquele cantor de voz personalíssima ("Você mulher / que já viveu / que já amou / mulher de 30") e que tanto sucesso fez nos anos 50, chega também aos 60 anos no próximo dia 31, o nosso Tom aniversaria. É de janeiro, mesmo mês de um de seus maiores amigos e mestres - o gaúcho Radamés Gnatalli, gravemente doente há dois anos, e que chega aos 82 anos na próxima quarta-feira, dia 27.
Uma coincidência que até hoje os biógrafos de Tom e Radamés não destacaram: ambos são aquarianos, do primeiro decanato, o que os faz se identificarem numa grande amizade e, sobretudo, na genialidade musical. Tom nunca negou a influência de Radamés, como ele um arranjador e compositor notável, e juntos estão entre as glórias de nossa música.
Os 60 anos de Antônio Carlos Jobim tiveram comemorações que, pelo visto, ainda não se esgotaram. Animou-se a fazer shows internacionais - no Japão e Estados Unidos, voltou a gravar um elepê ("Passarim", Polygram, lançado no final de 87, nos EUA e Europa em laser) e, em termos bibliográficos, ganhou duas grandes homenagens: a edição de sua biografia, escrita pelo jornalista Sérgio Cabral, que acompanhada de um álbum duplo (com gravações novas, por ele e sua Nova Banda), saiu um projeto financiado pela Companhia Brasileira de Projetos e Obras / Fundação Emílio Odebrecht, coordenado por Jairo Severiano.
A IBM Brasil editou "Ensaio Poético / Tom e Ana Jobim", num verdadeiro livro de arte: ao longo de 140 páginas, as programadoras visuais Ruth Freihof e Jael Coaracy, mais Ana Lontra Jobim - esposa de Tom, e excelente fotógrafa, montaram um livro-síntese, com fotos de seu cotidiano, do mundo que o cerca, entremeados de textos magníficos e letras de algumas de suas mais significativas composições.
Embora esta primeira edição se constitua num livro-brinde, de circulação dirigida, "Ensaio Poético" deverá ter lançamento comercial, não só no Brasil mas também no Exterior. A própria concepção da obra mostra esta visão universal de Tom, chamando para o seu lado ecológico, seu amor a natureza. Se no livro de Sérgio Cabral (213 páginas), em português e inglês, há uma biografia linear de Antônio Carlos Jobim, no volume que graças a IBM Brasil (sem dúvida, a multinacional que mais e melhor tem investido em excelentes projetos culturais no Brasil) foi concretizado, temos esta leitura mais liberta.
Por exemplo, o prefácio da obra é de Helena Jobim, sua irmã, romancista - autora de "Trilogia do Absurdo" (romance fascinante, Prêmio José Lins do Rego e que foi levado ao cinema em 1986 por Marcos Altberg, com o título de "Fonte da Saudade". Helena, num texto enxuto e saboroso, lembra a infância dourada de Tom, nascido na Rua Conde de Bonfim, 634, na Tijuca, depois os dias em que a família morava na Sadock de Sá, 276 - na Ipanema tranqüila dos anos 30, quando "os flamboyants deixavam cair suas folhas, atapetando as calçadas de confete amarelo". Com natural orgulho, sua irmã diz:
- "Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Músico e poeta. Seu piano limpo, apuradíssimo, faz parte da música do universo".
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