A ficção (muito real) dos anos de ditadura
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de janeiro de 1988
Em 1964, poucas semanas após o golpe de 1º de abril, um grupo de escritores e jornalistas de Curitiba, liderados por Valmor Marcelino, publicava "Cinco de Amor e Violência". Era o primeiro livro refletindo simbolicamente na ficção o trauma que foi o golpe militar.
Ao longo destes 23 anos, a literatura que se formou em torno do período ditatorial é grande - e eis aí bom tema para ser levantado: uma bibliografia de todos os textos que, na ficção ou principalmente na não-ficção, trataram do assunto.
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Agora, ainda a Record acaba de lançar "Contos de Repressão" (152 páginas, Cz$ 349,00). Autores como Rubens Fonseca, Ivan Ângelo, Mafra Carbonieri, Flávio Moreira da Costa, Júlio Borges Gomide, Manoel Lobato, Garcia de Paiva, Nélida Pinon, Wander Pirolli, Ricardo Ramos, Moacyr Scliar e Deonísio da Silva (catarinense que viveu muitos anos em Curitiba) colocam em seus contos a violência em diversas formas e fornecem um precioso material para a compreensão da sociedade que assistiu a conquista do tricampeonato mundial de futebol, muitos de seus filhos morreram ou simplesmente desapareceram.
A seleção dos contos é de Fábio Lucas - que fez também uma introdução, lembrando que durante anos, a censura da ditadura militar vetou romances como "Feliz Ano Novo", de Rubens Fonseca. Outros autores como José Louzeiro ("Aracelli, Meu Amor") e Ignácio de Loyola Brandão ("Zero"), também tiveram seus livros vetados por anos.
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De Rubens Fonseca, estão neste livro seus dois contos mais provocativamente participantes: "O Cobrador" e "Feliz Ano Novo". De Ivan Ângelo, "A Casa de Vidro"; de Júlio Borges Gomide, "Um Tiro numa Melancia" e "Outra Vez a Mesma História"; de Manoel Lobato, "O Subversivo" e "Medo". De Garcia de Paiva, "Comunicação" e "A Gente Vai Caçar o que Pacopai?"; Nélida Pinon é autora de "O Jardim das Cerejeiras". O escritor mineiro Wander Pirolli é o autor de "Os Camaradas" e "Lá no Morro"; de Moacyr Scliar, "Cão" e "Os Leões". Finalmente, Deonísio da Silva, com "Investigações sem Nenhuma Suspeita de Bandidos".
Na introdução, Fábio Lucas acentua que estes "Contos de Repressão" ajudam-no a aprofundar o estudo da violência, sua tipologia, seu exercício, assim como as formas de que se reveste, incluindo-se aí sua utilização no discurso literário, no interminável jogo de relações entre o texto e o contexto.
- "Tão compreensivas têm sido a defesa e o exercício do poder na sociedade brasileira que as reações temáticas afloram ao espírito criado com ênfase oposta. Temos aqui um substrato moral, uma denúncia da sociedade enferma", diz o crítico, e acrescentando:
- "Estes contos curiosamente não apontam para a utopia, não se transformam em armas ideológicas para se lograr uma revolução social ou uma sociedade perfeita. O seu conteúdo é crítico, muito mais na área da negatividade e da desesperança do que na idealização de um mundo corrigido. Somente por linha reflexa é que dizem da emancipação humana".
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