"Tempo de Morrer"foi o premiado do FestRio
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de dezembro de 1985
Ao contrário do ano passado, quando "Cabra Marcado Para Morrer" premiado com o Tucano de Ouro, saiu do FestRio já com uma disputa de cadeias de exibição para o seu lançamento, o grande premiado deste ano - " Tempo de Morrer", produção colombiana baseada em um texto de Gabriel Garcia Marques ( Nobel de Literatura- 1982) não tem sequer perspectiva para comercialização imediata. Pode até correr o mesmo risco de " Martin Fierro" , do argentino Leopoldo Torre Nielson, que premiado com a Gaivota de Ouro, no l Festival Internacional do filme ( 1966), no Rio de Janeiro, até hoje permanece inédito no Brasil.
Provocando polêmicas, dividindo opiniões, o filme de Jorge Ali Triana- premiado também pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica e pelo Centro Internacional do Filme para a Infância e a Juventude, além do troféu de melhor ator no seu principal intérprete, menos ruim do festival". Outros preferiam ver na premiação esta espécie de " western colombiano" - com uma estória lembrando inúmeros bang-bang dos anos 40/50- a confirmação de uma tendência ideólogica do FestRio: a promoção de um cinema terceiromundista, preferencialmente de raízes esquerdistas. Para negar preocupações, o produtor Luiz Carlos Barreto, presidente do júri e membro comissão organizadora, fez um discurso violento, no qual, entre vaias, elogiou o cinema americano ( " que nos influenciou a todos " ), mas criticou os Estado Unidos e países europeus " por não terem enviado a esta segunda edição do FestRio filmes de melhor qualidade".
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Fazendo-se um balanço do FestRio, que se encerrou oficialmente no sábado mas teve ainda sequência no domingo, com exibições nos circuitos paralelos (como o filme "Sohah", de 10 horas de duração, que será lançado comercialmente em 1986, pela Alvorada, ex-Gaumont) verifica-se que não houve, na parte competitiva, maiores momentos de cinema. Em compensação, "Ram", de Akira Kurosawa (exibido na noite de abertura), " Frida", de Paul Deluc e, especialmente, "Tangos - O Exílio de Gardel", de Fernando Solimas, foram mostras da melhor arte cinematográfica. "Ram" e "Tangos" já têm distribuição assegurada - com lançamento depois do Carnaval - mas "Frida", não foi até agora negociado com nenhum distribuidor. Aliás, a exemplo do ano passado, poucos dos filmes apresentados no FestRio foram comprados em seus direitos para o Brasil, o que faz com que, lamentavelmente, a maior parte das produções mostradas nesta competição se restrinja a um pequeno público que teve oportunidade de assisti-los em duas ou três sessões. Dos filmes que concorreram, no ano passado, somente "Cabra Marcado para Morrer", e "1984 de Owell" ( exibição, 2 semana, cine Itália) tiveram lançamento comercial. Luiz Carlos Barreto anunciou no início deste ano que iria distribuir a interessante comédia "Se Permuta", que representou Cuba ( e valeu, inclusive, a sua intérprete, um Tucano de Ouro), mas até agora a fita continua inédita.
O filme visto por menor número de espectadores ( a cópia atrasou e, em versão sem legendas, foi mostrado em sessões extras, à meia-noite e à tarde), "Noventa dias", produção canadense, direção de Giles Walker, comédia de comportamento, com uma estrutura teatral, acabou valendo à atriz Christine Pak o "Tucano de Ouro"- dividindo com Glenda Jackson ( "Turtle Diary "), motivando, aliás, o incidente na festa de encerramento ( ver texto abaixo). O Tucano de Ouro para o melhor diretor foi para João Botelho, ex-cineclubista, diretor do sensível "Um Adeus Português". E o prêmio de curta-metragem foi dado à produção portorriquenha "Ligia Elena", desenho animado dos mais interessantes e com gostosa e irônica canção.
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Poucos espectadores conseguiram assistir aos vídeos premiados. Na multiplicidade de opções oferecidas pelo FestRio, cerca de 20 video-tapes eram exibidos diariamente, entre as 14/21 horas no subsolo do hall de convenções do Hotel Nacional, em três salas. Assim, só mesmo quem se dispunha a acompanhar esta parte do festival é que pôde ter uma visão selecionada para o FestRio - tanto na parte competitiva como na informativa.
As três premiações especiais na categoria foram para realizações basicamente políticas: "Mire Como Lucha Mi Pueblo", do coletivo Sistema Rádio Venceremos, de El Salvador; "Ninos Desaparecidos" , de Stella Bravo, de cuba e "Sônia Morta e Viva", do brasileiro Sergio Weismann. Uma emocionante Mercedes Sossa, que havia chegado ao Rio na madrugada de sábado, especialmente para a pré-estréia de um documentário sobre sua turnée pela Argentina (que teve exibição no Cine Bruni - Ipanema), foi quem entregou a Stella Bravo, americana, viúva de um líder revolucionário argentino e radicada há anos em Havana, o troféu.
"Sônia Morta e Viva", tape jornalístico de 45 minutos sobre o casal Sônia Moraes Angel e Stuart Angel (filho de Zuzu Angel), assassinados pela repressão militar no inicio dos anos 70, teve 4 exibições, frente a platéias emocionadas - incluindo sempre amigos e familiares deste casal de jovens que a partir de 1968 teve atuante participação na luta armada contra a ditadura. Este tape foi roterizado pelo jornalista Eric Nepomuceno, ex-correspondente da "Veja" em Buenos Aires e Madri e, em sua trilha sonora, somou a emotiva música de Eduardo Souto Neto, também um poema de Vinícius de Moraes.
Na área de vídeo, o grande prêmio ficou com "Perfidi Incanti", de Mário Martone (Itália), "Bagre Cego", do brasileiro Ricardo Lua, na categoria de musical (focaliza o múltiplo Hermeto Pachoal e seu grupo fazendo música nas cavernas do vale da Ribeira e tape tem um sentido ecológico, na preservação daquela região) e, "L'Angelus", do belga Willy Kempeneers (animação). Na área experimental, foi premiado "Shifters", do americano Juan Downey, e na jornalística "Do Outro Lado de Sua Casa", da produtora brasileira Olhar eletrônica (focaliza vários mendigos em São Paulo, entrevistados por um deles, de profunda consciência política). "Aqueles Anos", de Branda Martinez, da Nicarágua, foi considerado o melhor programa de ficção, e "Violeiros", do brasileiro Marcos Paulo, o melhor programa comercial.
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Na área cinematográfica, houve ainda premiações paralelas que consolaram alguns. Por exemplo, Assunção Hernandez, produtora de "Céu aberto", de João Batista de Andrade, ficou satisfeita com a distinção obtida por este documentário sobre a agonia e morte do presidente Tancredo Neves, o valorizado troféu da OCIC (Office Catholique Internacional du cinema). Embora exibido hors concours, "Nem tudo é Verdade" , de Rogério Sganzerla, também recebeu uma premiação - dada pela Associação Brasileira de Cineastas. "Tgipio", de Pedro Jorge de Castro, ganhou dois prêmios : o da Federação Internacional de Cineclubes e o Pierre Kast (para cineastas estreantes). Os cineclubistas também premiaram a produção moçambicana "Tempo dos Leopardos" , dirigida pelo iugoslavo Zdravko Velimirovic. O júri da imprensa internacional, generosamente, deu, também menções honrosas, a "Blas Cuba", de Julio Bressane; "Um Adeus Português", de João Botelho e ao mexicano "Frida", de Paul Leduc (que também foi mostrado hors concours) e ao vídeo "Ninos Desaparecidos" , de Stella Bravo (Cuba). "Que Horas São Sr. Despertador?" (Hany Az Ora Vekker Úr?), do iugoslavo Peter Bacsó, - tido, no início, como forte candidato ao Tucano de Ouro - não saiu sem nenhuma distinção: mereceu uma menção honrosa do júri oficial e, talvez por isto, venha a encontrar distribuidor para o Brasil.
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