Truz, o original livro objeto de Vera Didonet
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de novembro de 1987
Se originalidade e inovação são elementos significantes, sem dúvida que Didonet faz o lançamento plástico-literário mais curioso do ano: "A Historieta de Truz", que define como livro-objeto (dia 24, Museu de Arte Contemporânea; dia 5/12, na sala Gilda Belczack do Solar do Barão). Meiga, tipo mignon jeito de adolescente que esconde seus 37 bem vividos anos, Vera Lúcia Didonet Thomaz, gaúcha de Bento Gonçalves, assume os riscos de uma proposta de vanguarda e traz um livro-objeto, mais objeto-texto, contido na delicadeza de um tubo de madeira de pinho, decorado com desenhos-gravuras de extrema simplicidade.
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Teorização não falta a Didonet para o seu trabalho. Formada em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos, RS, há 10 anos, nunca advogou mas aprendeu bem as lições de como expor suas idéias. Devoradora incansável de livros, sensível ao belo, acumulou informações culturais e não se deixou vencer por uma vivência doméstica - embora se declare apaixonada pelo marido, o engenheiro Carlos Thomaz, 38 anos, técnico da Ypiranga - e cujas funções o tem levado a morar em várias partes do Brasil. Esta vivência-andarilha tem se refletido na sensibilidade de Didonet, e em suas propostas de fundir a forma, as letras e a vivência comunitária. Há cinco anos foi a proposta dos Abrolhos, sintetizando numa bula-metáfora tendo como invólucro latas pequenas. Uma tiragem pequena, de apenas 500 cópias, que só agora se esgotou.
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"A Historieta de Truz", embora definida como um objeto-livro (500 unidades, preços de duas OTNs cada), é mais um texto-objeto. Em papel vergê, um texto de 37 linhas, no qual, em linguagem extremamente trabalhada-simbólica, a autora pretende passar toda uma experiência real de quase dois anos de observações de personagens num ambiente muito próprio. Melhor explicado: em sua disposição de captar o real na simplicidade do cotidiano, Didonet passou meses em convivência doméstica na mansão dos Stenzel, um casarão que resiste às especulações imobiliárias na Travessa Lima e Silva, 65, próximo ao Cemitério Municipal. Ali viveu toda sua vida o estranho e famoso Erbo Stenzel, escultor que deixou sua arte em obras monumentais, das quais as mais conhecidas são o homem e a mulher nus, símbolos do Centenário do Paraná e que se encontram na Praça 19 de Dezembro. Aliás, juntados apenas há alguns anos, pois por puritanismo oficial, em 1954, quando da inauguração do monumento-praça, só o Homem Nu ganhou espaço e, machisticamente, a mulher nua, deitada, foi condenada a permanecer nos fundos do Palácio Iguaçu. Uma separação física de imagens de pedras com sabor de love story.
Pois foi na mansão do Stenzel - e sem ter conhecido o escultor Erbo, falecido anos antes de Didonet chegar a Curitiba - que ela conviveu com a prima do escultor, Gerda Matzenthin, a quem dedica agora seu livro-objeto. Explica Didonet, a propósito da germânica Gerda, uma das mais requisitadas especialistas na restauração de peles de luxo, procurada pelas dondocas bilionárias da cidade sempre que seus visons e arminhos sofrem com a passagem do tempo. A figura de Gerda Matzenthin, cujo material básico de trabalho é a pele, a quem este fazer (o livro-objeto) é dedicado, deixou vir novas dimensões, e o fez mais porque sente, não porque sabe. Está aberta para receber a natureza, sem o que não me parece possível sentir a arte. De seu mundo, contempla. E surpreende-se cada vez que falo sobre esta dedicatória.
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De um original e minimalista micro objeto-texto de arte - cuja leitura não ocupa mais do que cinco minutos e cujo invólucro permanece como peça de decoração - Didonet cria toda uma formulação teórica, que assume em todos os seus riscos. Mesmo o da loucura ou neurose.
- A neurose é a criação - diz sem temer ser mal interpretada em sua proposta tão pessoal quanto difícil de ser explicada e justificada dentro do convencional.
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A formulação teórica que Vera Lúcia Didonet desenvolve num release distribuído junto com a sua obra dá uma dimensão ainda maior do seu universo de sensibilidade. Mergulhada por certo, entre cristaleiras centenárias e salões antigos da mansão dos Stenzel, tendo como guia sua (hoje) amiga Gerda Matzenthin, procurou sintetizar nas palavras de "A Historieta de Truz", uma história de gatos & morte, reflexo inclusive da visão da velha Sr.ª Edwiges Matzenthin (1902-1986), mãe de Gerda, que ao morrer, no caixão, era despedida pelos seus animais de estimação, lambendo suas faces.
- Foram imagens fortes que ficaram e que transmito agora em meu livro-objeto - diz Didonet.
Didonet vê símbolos e imagens em coisas & fatos que passariam despercebidos aos outros. A notícia de que o solar Stenzel seria demolido, abalou não só a herdeira Gerda mas também Didonet. E a propósito, ela diz:
- "A rapidez existencial dos fatos, das coisas e das pessoas que os promovem, instala imediatamente uma espécie de fim que rima com sim. Escrevo da vida e da morte como se fossem a mesma coisa, pois o que separa uma da outra é uma fina e afinada lâmina".
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"A historieta de Truz" é um livro (sic) - objeto original. Didonet, sua autora, programou uma tarde de autógrafos padrão entardecer do dia 5 de dezembro na Casa Gilda Belzack (Rua Carlos Cavalcanti, 533) e, apesar do custo de cada peça (mais de mil cruzados) diz que já tem várias reservas. Vai também fazer o lançamento no MAC, em forma de exposição. Energética e criativa, fala de novos projetos e já pediu para a crítica Adalice Araújo a reserva do mês de abril de 1989 para uma exposição de desenhos, com o título de "Zamoth & Arev"- e para o qual já tem uma formulação teórica tão intensa e profunda quanto a que marca agora o lançamento deste seu original texto-objeto "A historieta de Truz".
LEGENDA FOTO: Didonet: um minilivro e muita teorização
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