Um engano de 70 anos na Igreja de N.S. do Rosário
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de julho de 1988
Em sua última viagem à França, há pouco mais de um mês, a professora Cecília Maria Westphalen, da Universidade Federal do Paraná, encontrou alguns documentos junto a Biblioteca Nacional, em Paris, que poderão provocar muita polêmica no Paraná - inicialmente entre historiadores e pesquisadores, mas, naturalmente, evoluindo para opiniões leigas.
A mais respeitada de nossas mestres de história, dezenas de títulos acadêmicos, Cecília está convencida, após analisar dezenas de documentos, estabelecer estudos paralelos e fazer estudos interpretativos, de que a data que há séculos consta como da construção da Igreja de N.S. do Rosário, em Paranaguá, está errada: não poderia, garante a professora Cecília, ser o ano de 1578, pois a verdade histórica é que somente sete anos antes, por determinação do Papa, o culto a N.S. do Rosário foi instituído em 1571 em Portugal e suas províncias ultramarinas, como gratidão a vitória dos cristãos contra os turcos. "Assim, pensa a professora Cecília, numa época de comunicações demoradas, longas viagens marítimas, me soava estranho que em apenas 7 anos - e 78 após a descoberta do Brasil - já viesse a ser construída uma igreja em Paranaguá em homenagem a N.S. do Rosário".
Entretanto, outras provas foram encontradas pela professora Cecília para comprovar suas dúvidas. Uma delas, foi o longo relatório em que é descrita a viagem do Marquês de Cascaes à França, em comitiva nomeado pelo Rei de Portugal, em 1646, para apresentar a rainha-viúva de Luiz XIII, as condolências por sua morte. A viagem por mar, foi marcada por grandes dificuldades, quando a embarcação em que viajava o Marquês de Cascaes ameaçava submergir, ele apelou a N.S. do Rosário, protetora dos cristãos no mar, prometendo que se sobrevivesse com sua tripulação, dedicaria o resto de sua vida a cultuar a Virgem do Rosário. Como o Marquês de Cascaes sobreviveu, cumpriu a promessa e, por determinação, dois anos depois, a primeira igreja de Paranaguá foi edificada em louvor a N.S. do Rosário. Portanto, uma diferença de nada menos que 70 anos nas duas datas - a que ficou como a de construção da Igreja mais antiga do Paraná (relatada por Vieira dos Santos, primeiro historiador do Paraná) em relação a que teria sido realmente edificada.
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Professora e historiadora que só ousa levantar idéias quando tem segurança nos fatos pesquisados, a professora Cecília Maria Westphalen vai solicitar sua lincença-prêmio da Universidade, para, nos próximos meses, dedicar-se a conclusão de importantíssimos livros, aos quais se somarão aos 150 outros trabalhos, entre livros, ensaios, comunicações, etc., que tem publicado nas últimas três décadas.
O primeiro destes livros será um estudo completíssimo sobre o Porto de Paranaguá e seu papel na economia paranaense, num projeto iniciado em 1960 e que pela abrangência do tema tem merecido sucessivos aprofundamentos - ocupando hoje mais de 600 páginas.
O segundo livro será uma história sobre o comércio do Brasil Meridional - Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, igualmente resultado de anos de pesquisas e estudos interpretativos.
Finalmente, o terceiro estudo, ainda em desenvolvimento, será a mais importante contribuição para o maior entendimento de um amplo período de história comercial do Sul. Com base na cuidadosa documentação contábil que o Barão dos Campos Gerais (David dos Santos Pacheco), nascido na Lapa, deixou e no qual, durante 60 anos (1833-1893) anotou, cuidadosamente, todo o comércio que ele praticamente liderava, a professora Cecília, com sua visão de especialista fará um estudo sobre os mecanismos comercial de compra e revenda das tropas que, por mais de um século, cruzaram o Sul do Brasil - estabelecendo roteiros, dando origens a cidades e transformando mesmo a economia (e costumes) em muitas circunstâncias. Ainda sem título definitivo, o trabalho poderá se chamar, diz a professora Cecília "A contabilidade das fazendas provinciais".
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Mas existe um quarto projeto que também fascina Cecília Maria Westphalen - e a qual espera se dedicar, "desde que Deus me de forças e saúde para tanto". Trata-se de reescrever a história do Paraná, uma vez que ela própria, por duas vezes, já publicou trabalhos semelhantes, "mas que merecem revisões e reinterpretações, pois nada é estático, muito menos a história".
Em 1953, quando o então secretário da Educação e Cultura, Newton Carneiro presidia a comissão dos festejos de comemoração do centenário da emancipação política do Paraná, Cecília, iniciando sua carreira universitária, foi convidada a "revisar" a História do Paraná, que (José Francisco) Rocha Pombo (Morretes, 1857, RJ, 1933) havia publicado em 1922. Cecília, que via com respeito, mas restrições o trabalho do historiador paranaense, delicadamente recusou a missão. Carneiro, então, insistiu que ela escrevesse uma obra, de fins didáticos, para uma grande edição pela Melhoramentos distribuída nas escolas. Assim, em poucas semanas, produziu um material objetivo que resultou como um dos poucos referenciais de nossa história.
Há 19 anos, o idealista editor Said Mohamad El-Khatib, animado pelo sucesso do "Dicionário Cultural de Língua Portuguesa" (de Rosário Farani Mansur Guérios) havia obtido, e estimulado por seus filhos, Faissal e Faruk, decidiu patrocinar uma grande "História do Paraná". Procurando cobrir vários aspectos (geografia, antropologia, imprensa, perfis históricos e até história dos municípios), a obra se desdobrou em quatro volumes. A parte propriamente de história ficou sob responsabilidade de Cecília, e mais dois colegas de departamento - Altiva Pilhati Balhana e Brasil Pinheiro Machado. Embora seja uma obra ainda referencialmente importante (mas há muito esgotada), não tem, dentro do padrão de exigências da professora Cecília, a profundidade que vê como necessária - "além do que, nestes últimos 20 anos, aprendi muito sobre a história do Paraná" - diz com humildade. Assim, este é o seu projeto de, com calma e, principalmente rigor científico, fazer a obra que o Paraná necessita para que, neste final de milênio, as novas gerações conheçam o Estado em que nasceram e vivem.
LEGENDA FOTO - Cecília: corrigindo a história de Paranaguá.
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