As voltas do parafuso na visão do comunismo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de junho de 1987
Quem viu as duas situações, não pode deixar de achar o fato, no mínimo, irônico - e mais uma prova das voltas que a história dá. Há exatamente 23 anos, no hall do auditório da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, o então reitor Flávio Suplicy de Lacerda, em colaboração com as autoridades militares, fez uma "exposição de material subversivo", reunindo livros, revistas e outras publicações supostamente esquerdistas. O Febeapá daquela mostra macartista - que se destinava a mostrar à população (sic), a "esquerdização da cultura e do ensino", incluia até - ironia das ironias - um modesto livro sobre Diretrizes da Reforma Universitária, de autoria do professor Jucundino da Silva Furtado, ex-chefe de gabinete do próprio Suplicy e ex-secretário da Educação e Cultura no governo Ney Braga (hoje, um dos ricos empresários do setor de hotelaria e do mercado de capitais). Na ignorância de "reunir tudo o que pudesse ser interpretado como obra subversiva, alguns agentes da DOPS apreenderam o livro de Jucundino porque o título falava em "Reforma". Afinal, em outras bibliotecas, haviam sido sequestrados até obras do arquiteto Le Corbusier, porque o deputado Roland Corbusier também tinha livros publicados - e entre o francês e o paulista, os defensores da democracia não iriam saber a diferença literária...
Pois bem! No mesmo hall no qual a história registra aquela exposição que hoje figura no anedotário do golpe de 1º de Abril, na última segunda-feira, dia 1º , aconteceu o lançamento do livro "Harry Berger" (Editora Paz e Terra/ Editora Universidade Federal do Paraná, 183 páginas, Cz$ 200,00) do historiador José Joffily. Na capa, sobre as páginas do jornal "Diário Carioca", de dezembro de 1935/ janeiro de 1936, com notícias sobre a prisão dos líderes da Intentona Comunista, apenas o nome de Harry Berger - com o "G", substituído por uma foice e martelo, na criação do artista Renato Bastos Júnior.
O reitor Riad Salamuni, secretário Renê Dotti, da Cultura, professora Cecilia Maria Helm - filha do jurista marxista José Rodrigues Vieira Neto (já falecido) e o próprio autor, José Joffily em rápidas intervenções falaram da importância de uma Universidade abrigar as mais diferentes correntes de pensamento e, sobretudo, ter características de liberdade. Assim, ao reiniciar suas atividades no campo da publicação de livros, a Editora da Universidade Federal do Paraná - que, de agora em diante, terá o título de fantasia Scientia et Labor - não poderia dar maior mostra de abertura do que escolher o vigoroso estudo de Joffily, 72 anos, hoje um historiador de reconhecimento nacional, no qual traz novas revelações sobre fatos ligados à vida política brasileira. Aqui já registramos a importância de sua obra, voltada sempre a resgatar personagens esquecidos o que faz, mais uma vez, ao tirar do limbo vida e ação de Harry Berger (Arthur Ernest Ewert), alemão de nascimento, revolucionário por vocação e que teria sido mentor da revolução comunista de 1935 - e, por isto mesmo, preso e torturado durante dez anos - libertado em 1945 e só recambiado a Alemanha em 1947 (nestes dois anos, nada se sabe de seu paradeiro), onde faleceria doze anos depois, louco, devido aos sofrimentos da prisão.
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Após Joffily, orador sempre brilhante, experiência de mais de 30 anos de vida parlamentar a partir da Constituinte de 1946, relembrar suas pesquisas e personagem de seu livro, o secretário Renê Dotti - que como advogado defendeu vários presos políticos no Paraná, após 1964 - também enalteceu a escolha deste livro para o reinício das atividades da Editorada UFP. Lembrou Renê, como exemplo de intolerância, o fato do médico, humanista e líder comunista, Jorge Karam, ter tido sua preciosa biblioteca queimada após o golpe de 1º de abril. O próprio reitor Salamuni, que ao lado dos professores Newton Freire Maia e Amilcar Gigante (por sinal, de passagem por Curitiba no início da semana) integrava o diretório local do Partido Socialista Brasileiro, também foi vítima da intolerância em abril de 1964. Sua biblioteca foi apreendida e, soube depois, jogada às margens do rio Barigüi.
LEGENDA FOTO: José Joffily: revendo a história oficial e resgatando personagens esquecidos como Harry Berger.
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