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Aramis

Almirante, o primeiro homem que pesquisou nossa música popular

Apesar de nunca ter vindo a Curitiba, o cantor - e depois produtor dos mais famosos programas do rádio brasileiro - Almirante (Henrique Foreis Domingues, Rio de Janeiro, 19/02/1908 - 22/12/1980), teve numa firma paranaense - a Matte Leão, através de um dos seus produtos, o "Matte Ildedonso", um dos patrocinadores daquele que é considerado o primeiro programa de palco auditório da radiofonia brasileira - o "Caixa de Perguntas", iniciado em agosto de 1938 na Rádio Nacional, que havia sido inaugurada dois anos antes, em 12 de setembro de 1936. A popularidade de Almirante, como principal produtor da maior emissora do Brasil era tão grande, que seu nome independia de endereço para o envio da correspondência. Na página 204 de "No Tempo de Almirante - Uma História do Rádio e da MPB" (Editora Francisco Alves, 400 páginas), Sérgio Cabral conta: - "Em outubro de 1940, ocorria um fato que demonstrava definitivamente o poder de penetração da Rádio Nacional e a popularidade de Almirante: chegava às mãos do nosso herói, no dia 29, uma carta enviada de Curitiba, pelo subtenente Theodomiro Augusto de Moraes, do 1º Batalhão Rodoviário, no dia 22, com apenas as seguintes indicações, no envelope: uma caricatura de Almirante recortada de jornal e a expressão "onde estiver". O jornal "A Noite" revelou o fato, reproduzindo o envelope e intitulando assim a notícia: "Parece até coisa da América do Norte". O subtítulo dizia: "A popularidade de Almirante e a eficiência dos nossos serviços postais". Amigo de Almirante por mais de 25 anos, desde os tempos em que iniciando sua carreira de repórter do "Jornal do Brasil" e começando a se interessar por música popular brasileira passou a buscar os ensinamentos do grande mestre, Sérgio Cabral, 55 anos, hoje vereador no Rio de Janeiro, recebeu a incumbência de escrever sua biografia. O que fez da forma mais competente possível. O resultado é um dos mais agradáveis livros sobre o rádio e a MPB publicados no Brasil, o que se deve ao estilo jornalístico, leve, bem humorado e sobretudo, sincero de Sérgio Cabral, que mesmo com todas as suas atribuições políticas não deixou nunca de se dedicar a sua maior paixão: a valorização de nossa música popular. Por certo, a própria dona Ilka Braga Foreis, irmã do compositor Braguinha e viúva do Almirante, deve ter insistido para que Sérgio Cabral fizesse, para a efeméride dos 10 anos da morte da "maior patente do rádio brasileiro", o livro que faltava. É bem verdade que como a primeira pessoa a se preocupar em organizar um arquivo não só sobre a nossa música popular, mas também em relação a outros aspectos culturais ligados a manifestações do povo, Henrique Foreis também preservou documentos, cartas, observações, discos, etc., sobre a sua fértil vida de cantor até os anos 40 e, sobretudo, como um dos pioneiros do rádio brasileiro. Cabral, entretanto, não ficou apenas neste arquivo: procurou depoimentos deixados no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro por inúmeros contemporâneos de Almirante, fez leituras paralelas, obteve novas revelações e assim completou uma obra que ao lado de seus outros livros - como o pioneiro estudo das Escolas de Samba do Rio de Janeiro ou a premiada biografia de Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana Filho, 1898-1973), o coloca como um de nossos principais pesquisadores da MPB. Quando idealizamos e organizamos o I Encontro de Pesquisadores da MPB, entre 28 de fevereiro a 2 de março de 1975, dentro das comemorações de inauguração do Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, primeira vez, reunia todas aquelas pessoas que, de uma forma ou de outra, se preocupavam com a nossa memória musical, foi de Almirante. Infelizmente, devido a seu já precário estado físico, não teve condições de viajar. Entretanto, desde a abertura até o encerramento, em todas as sessões - a maioria, aliás, com direção dos trabalhos de Sérgio Cabral, as referências ao seu trabalho como o primeiro e maior pesquisador de nossa MPB foram marcantes. Lúcio Rangel (1914-1979), outro exemplar estudioso e defensor de nossa MPB, também fez várias alusões a Almirante, que na época dirigia o seu Arquivo, adquirido no governo Carlos Lacerda, em princípios de 1965 e que seria o núcleo do primeiro Museu da Imagem e do Som, inaugurado no dia 3 de setembro de 1965. Mas só em 22 de dezembro, o mesmo deixaria o apartamento de Almirante, no Catête, e, iniciando uma trajetória que trouxe muitos aborrecimentos ao grande pesquisador, só seria inaugurado oficialmente em novembro do ano seguinte. Até o final de sua vida. Almirante trabalhou junto ao seu Arquivo no MIS, enfrentando inúmeros problemas burocráticos, falta de recursos, motivos para sérios aborrecimentos. No dia 20 de dezembro de 1980, uma sexta-feira, ele e seu cunhado João de Barro, participaram como entrevistadores, do depoimento de Homero Dorneles - ou Candoca da Anunciação, o seu parceiro em "Na Pavuna". Almirante sentiu-se mal e no dia 22 morreria, devido a problemas de aneurisma na aorta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/07/1990

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