De como se faz rádio para as comunidades
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de janeiro de 1988
A partir do dia 30, um novo som estará no ar no Bairro do Novo Tarumã. Não será captado em aparelhos AM/FM mas será ouvido numa extensão de mais de 3 mil metros quadrados, na qual se concentram milhares de pessoas. É a Rádio Popular Tarumã, segunda unidade de um projeto pioneiro que a Fundação Cultural está implantando na periferia de Curitiba com auxílio financeiro do Ministério da Cultura mas operado, basicamente, pelas próprias comunidades. A primeira rádio popular já vai ao ar desde o final de dezembro - no Bairro de Santa Amélia, e a terceira, a ser implantada na Vila Pinto, já tem o nome escolhido pelos moradores: Rádio Novo Horizonte. Um excelente nome, aliás!
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Da escolha do nome da rádio e definição de sua programação, o projeto busca o máximo de participação da comunidade, "Justamente no sentido de existir a maior integração", explica a radialista Léa Oksenberg, 32 anos, 10 de radiofonia - atuante produtora e locutora da Rádio Estadual do Paraná - e que, com entusiasmo, é a executiva deste programa, coordenado pelo chamado setor "Universidade dos Bairros", da Fundação Cultural de Curitiba. Aliás, são quatro jovens mulheres, bonitas, independentes e entusiasmadas pelo trabalho que vêm desenvolvendo este (e outros) projetos comunitários: Sandra Gracindo, a chamada "Reitora" da Universidade dos Bairros e as assessoras Yascard Varela e Jacqueline Andrade dos Santos, esta, professora de história.
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Requisitada nos últimos anos para inúmeros projetos - de campanhas publicitárias e políticas, sem falar numa válida participação na TV Iguaçu, Léa Oksenberg não esconde seu amor pelo trabalho que desenvolve há pouco mais de cinco semanas, com "pessoas simples, fabulosas, extremamente competentes" - que encontrou nos bairros de Santa Amélia e Novo Tarumã - além dos contatos preliminares feitos na Vila Pinto.
Dentro de uma inteligente política de buscar que a própria comunidade desenvolva o projeto da Rádio Popular - basicamente funcionando com um sistema de alto-falante, com quatro cornetas e um mini-estúdio, com dois microfones, amplificador, toca disco e gravadores minicassetes - a filosofia é de que "o fato local é o mais importante" - ou seja, a máxima jornalística de que "a morte do gato do vizinho é notícia mais significativa do que a queda do primeiro ministro da Inglaterra". Assim, Jorge Gregori, 34 anos, jornalista, morador da Vila Santa Amélia e responsável pelo setor de notícias da Rádio Popular do bairro, procura destacar o que de fato interessa aos moradores daquela comunidade durante os minutos que lhe cabem na programação diária, entre as 18/19 e 15 horas - distribuídas com música, notícias esportivas e outros programas. Sua esposa, Beatriz Gregori, conduz um programa sobre assuntos femininos - "mas não exagerando nem no feminismo, nem tratando a mulher como doméstica" - apressa-se a esclarecer Léa, cujo trabalho de coordenadora limita-se ao treinamento do pessoal - aulas sobre dicção, montagem dos programas, uso da aparelhagem, etc. - mas deixando os responsáveis pela rádio total liberdade.
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A escolha do horário em que a emissora vai ao ar - através de seus quatro alto-falantes, com boa qualidade técnica - foi decidida após uma cuidadosa pesquisa. Tratando-se de um projeto embrionário, não haveria condições de estender uma programação feita ainda amadoristicamente. Por outro lado, há que respeitar o interesse dos moradores do bairro em sintonizarem as televisões, especialmente na programação de telenovelas - que geralmente começam a partir das 19 horas. "Não queremos concorrer com nenhum veículo, apenas usar uma brecha para aproximar o bairro", diz o sr. Antônio Brito, 75 anos, integrante histórico do PC, estivador aposentado e que se mostra um dos mais entusiasmados participantes da rádio popular Santa Amélia.
Dentro de uma programação eclética, foi iniciada uma "Pequena História do Carnaval", com grandes sucessos do passado e informações sobre o Carnaval curitibano - que vai ao ar às quartas-feiras. Nos sábados, entre 14/15 horas e domingos das 10 às 12 horas, o "Correio Sentimental" funciona de uma forma que lembra os antigos serviços de alto-falantes (ver texto nesta mesma página), com músicas escolhidas pelos ouvintes e recados sentimentais. "Há inclusive romances florescendo no ar", brinca Léa.
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Na assinatura dos convênios entre a Fundação Cultural e os diretores das associações de bairros que, teoricamente, se responsabilizam pelas rádios populares, um ponto é claríssimo: nem política, nem religião, pode intervir na programação. A obediência desta cláusula é total, embora oposicionistas ao prefeito Roberto Requião, já tenham acusado o secretário municipal da Cultura, advogado Carlos Frederico Marés de Souza, 45 anos, de ter "armado" o esquema das rádios populares com fins políticos. Até agora, ao menos, não houve qualquer utilização política nos horários em que a Rádio Popular Santa Amélia vai ao ar.
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Embora só comece a funcionar no sábado, a equipe da Rádio Popular Tarumã já está formada. Benedito Aparecido Ribeiro, 40 anos, jornalista, residente naquele bairro, fará a coordenação do noticiário, enquanto Nelson Aparecido Vieira, 35 anos, artesão e Vando Rodrigues, 21 anos, mecânico, serão locutores. Ana Martins, 32 anos, também integrou-se ao grupo de "radialistas de fim da tarde", da original emissora que foi instalada numa das salas do Centro de Saúde.
Na Vila Pinto, a Rádio Novo Horizonte vai demorar algum tempo para entrar no ar: será instalada numa das salas do novo módulo policial que a Secretaria de Segurança Pública está construindo naquela antiga favela, urbanizada na administração Roberto Requião.
LEGENDA FOTO - Léa: trabalho na periferia.
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