Por que fechar o cinema popular?
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de janeiro de 1987
Por que a Fundação Cultural de Curitiba quer o fechamento do cine Rui Barbosa?
Eis uma boa pergunta para algum vereador mais consciente fazer ao prefeito Roberto Requião ou, mais especificamente, ao seu bem protegido secretário da Cultura e presidente da Fundação Cultural, Carlos Frederico Marés de Souza.
Oficialmente, a Fundação requereu o despejo do cinema alegando que necessita do espaço - pertencente legalmente a URBS (hoje Empresa de Gerenciamento de Transporte Coletivo) - para ali ser implantado um teatro. Extra-oficialmente, comenta-se que a Fundação estaria irritada com a programação exibida, exclusivamente filmes pornográficos. Neste caso, a sua diretoria estaria fazendo aquilo que, ideologicamente, seu presidente, ex-líder estudantil, ex-exilado político, sempre combateu: Censura.
Que o cine Rui Barbosa exibe filmes pornográficos (e eventualmente violentos) não há dúvida. Assim como no Morgenau - que ocupa o espaço vizinho no terminal da Praça Rui Barbosa - os filmes pornográficos são os únicos que atraem um público constante, capaz de lotar suas 180 poltronas - numa média de freqüência de 22 mil pessoas/mês. Outros gêneros tentados resultaram em fracassos.
Os irmãos Jorge e Erasmo Souza - chamados de "Irmãos Coragem da Cinematografia", que praticamente ganharam o espaço para transferir o tradicional cine Morgenau (o mais antigo de Curitiba), do bairro do Capanema, quando a família que era dona do imóvel exigiu sua desocupação, também exibem filmes pornográficos.
Jorge Souza é um apaixonado por cinema de arte mas para não falir tem que se submeter ao gênero que o público que passa pelo local exige. Para compensar, ele mantém o Cine Clube Aníbal Requião, que, aos domingos, pela manhã, exibe velhos westerns, comédias e até seriados dos anos 30 a 50. Aliás, Jorge possui um invejável arquivo de cinema, com preciosas fotos que emocionam os velhos espectadores.
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O cine Rui Barbosa - ao contrário do cine Morgenau - foi arrendado à Fama Filmes após concorrência pública. O aluguel é reajustado e as obrigações são cumpridas. Portanto, a empresa recebeu com surpresa o pedido de retomada do prédio e, através de seu advogado, José Cid Campello, decidiu brigar na justiça.
As razões apresentadas até agora pela Fundação Cultural para pretender ocupar o espaço são discutíveis: um novo teatro!
Por que um novo teatro? Se a Fundação Cultural, na atual administração desativou o Paiol, conforme aqui temos constantemente denunciado! Por que mais um teatro se, há menos de 200 metros, o antigo Teatro de Bolso, que teve uma presença tão importante na Curitiba cultural dos anos 50 e 60, tem hoje um aproveitamento mínimo, sem divulgação e com programação das mais discutíveis!
O Teatro Universitário, também da Fundação Cultural, só não vive às moscas porque é ocupado pelos mais amadores e barulhentos grupos de subroque tupiniquim. Outros espaços teatrais da cidade também estão ociosos: o 13 de Maio (ex-da Classe), construído pela Associação dos Produtores Teatrais, quando José Maria Santos a movimentava, passa meses sem apresentar um único espetáculo.
E quando o faz, sua administração é tão incompetente que nem sequer comunica a programação à imprensa. Agora, quando se fala que o imóvel foi vendido e o teatro iria fechar, protesta-se. Mas, é o caso de se perguntar: qual o aproveitamento real do teatro?
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Há outros auditórios que poderiam também ser movimentados: o do SESI, o SESC da Esquina, o do Centro Tecnológico Federal do Paraná. Bastaria haver infra-estrutura, convênios com os diferentes organismos e, principalmente programação. Infelizmente, a situação é dramática. O Sesc da Esquina, funcionando há um ano, não tem equipe técnica e produtores de espetáculos ali apresentados amargam pesadas críticas, com sérias acusações. A mais recente vítima foi a coreógrafa Rita Pavão, que teve prejuízos.
O Teatro do SESI, na Avenida Cândido de Abreu - com o mais amplo palco do Paraná - nunca teve a mínima estrutura. A burocracia sempre prejudicou seu aproveitamento racional. Espera-se, ainda, que o novo presidente da Federação das Indústrias seja mais aberto, em termos culturais, do que o seu antecessor, que nunca se interessou em fazer daquela área um espaço integrado à comunidade.
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Frente a tantos exemplos é de se perguntar mais uma vez: por que a Fundação Cultural, que abandona seus espaços e desestrutura-se artisticamente, quer agora fechar mais um cinema de Curitiba? Independente da programação, o cine Rui Barbosa ocupa uma faixa, atinge um público simples. Censurá-lo por exibir filmes pornográficos é uma atitude ditatorial e fascista - o contrário do que pregam os dirigentes peemedebistas da área cultural.
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A questão é mais ampla: falta é espetáculos, grupos e iniciativas artísticas locais para ocupar os espaços já existentes. De Londrina, há grupos como o Corpo e Cara e Proteu que, neste verão, levam espetáculos como "Aqui ó, Peguei um Dimenor", de André Luiz Lopes e "A Peste", de Albert Camus, direção de Nitis Jacón, aos teatros Glauce Rocha e Cacilda Becker, no Rio de Janeiro, na mostra promovida pelo INACEM. Outros espetáculos produzidos em Londrina - como "Toda Nudez Será Castigada" - vão até a festivais em Nova Iorque.
Enquanto isto, falta em Curitiba um movimento sólido, de vigor, tanto no teatro amador como no (semi) profissional. Faça-se primeiro este movimento para que se ocupe devidamente os espaços já existentes.
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