Falta crítica para analisar o teatro que vem a Curitiba
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de março de 1992
A promoção do Festival de Teatro de Curitiba veio confirmar - e ampliar - a fragilidade de um aspecto de nossa imprensa: a inexistência de uma crítica teatral capaz de analisar, discutir e orientar os leitores-espectadores em relação aos dez espetáculos que desde a última quinta-feira,19 estão sendo apresentados em múltiplos espaços.
Não deixa de ser contraditório que neste momento de um relativo boom teatral - considerando que além dos espetáculos programados para o festival, há outras encenações em cartaz, inclusive a terceira remontagem de "As Feiticeiras de Salém", de Arthur Miller), inexiste um único crítico de teatro, com atividade regular, quando, há quatro décadas aqui havia apenas um salutar movimento exclusivamente amadorístico, praticamente todos os jornais diários tinham críticos atuantes, que chegaram a formar uma associação que, por mais de 5 anos, outorgava premiações aos melhores de cada temporada.
Nos anos 50, Nelsom Faria de Barros, em O Estado do Paraná; Rogério Dellê, no extinto "O Dia"; P.A do Nascimento, na "Gazeta do Povo", Eddy Franciose, Renê Dotti e Eduardo Rocha Virmond alternando-se no "Diário do Paraná", entre outros, davam ampla divulgação e especialmente analisavam criticamente espetáculos que Ary Fontoura, Glauco Flores de Sá Britto, Jiomar José Turim, Armando Maranhão, entre outros diretores atuantes na época, encenavam com entusiasmados grupos amadores. O grande auditório do Teatro Guaíra, em arrastadas obras (iniciadas em 1948) era um sonho distante, inexistiam teatros com maiores recursos (*) - mas nos palcos dos cines Palácio Avenida, Marabá e nos auditórios do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos (5o. andar do edifício Moreira Garcez), Clube Concórdia, Colégio Estadual do Paraná, Instituto de Educação e algumas sociedades de bairro (do Abranches ao Portão), mensalmente aconteciam estréias - com um público fiel que não deixava de aplaudir os amadores que faziam peças de autores nacionais e estrangeiros.
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Em O Estado do Paraná, após Nelsom faria de Barros, quem assumiu a área teatral foi, o então repórter e estudante de Direito, Edésio Franco Passos, hoje um dos mais atuantes deputados federais e, a melhor opção que o PT dispõe para disputar a Prefeitura de Curitiba. Dirigente do centro Acadêmico Hugo Simas, colega de apartamento de um estudante que também fazia teatro - Rubem Valdurga (já falecido), e também de José Maria Santos, Edésio foi um dos estimuladores do festival de teatro que o CAHS promoveu por anos. A política e a advocacia trabalhista o levaria, depois de formado, a deixar o teatro, que hoje, por falta de tempo, raramente freqüenta.
Já nos anos 70, Oracy Gemba, então modesto bancário mas com preocupações intelectuais, iniciando-se no teatro através do combativo jornalista (e dramaturgo) Valmor Marcelino, viria a exercer, por algum tempo, atividades críticas na "Gazeta do Povo" e, depois, no "Diário do Paraná". A exemplo de Eddy Franciosi, também jornalista do órgão associado, que através do Teatro Experimental do Sesi ingressaria na dramaturgia e direção, Gemba se deixaria na encenação, formando com Yara Sarmento um dos melhores grupos que o Paraná teve nos anos 70: o Momento-Arte.
Mais recentemente, a partir de 1981, um engenheiro do Badep, que sempre amou o teatro, Marcelo Marchioro, começou a publicar suas primeiras críticas nas páginas de O Estado do Paraná, mas logo interromperia estas atividades. Primeiro, a experiência na direção do Museu da Imagem e do Som - seguida da direção de programação e arte da Fundação Teatro Guaíra e, depois, ao assumir totalmente a carreira de diretor, sentiu-se impossibilitado, eticamente, de prosseguir na análise crítica de espetáculos teatrais. Por último, uma discípula de Marcelo, a jornalista Celina Alvetti, também embrenhou-se na análise teatral, com contribuição regular no "Correio de Notícias", mas que, também seria abandonada recentemente. Sua identificação a Marchioro, da qual é a "dramaturgista" oficial em suas produções, a incompatibiliza para um exercício crítico que, de princípio exige total isenção.
Francisco Alves dos santos - ex-diretor da Cinemateca do MGV, chegou a exercer uma atividade crítica por algum tempo mas, nos últimos anos, sua contribuição tem sido bissexta. Poderia ter se firmado como um bom crítico de teatro.
Obviamente, ao longo destes anos, jornalistas e mesmo intelectuais, tem bissextamente, realizado análises críticas de produções apresentadas em Curitiba. Entretanto, inexiste um trabalho regular, profissionalmente remunerado, como aliás também nas áreas de cinema, música, artes visuais etc.) que caracterize a figura local do crítico teatral. Tanto é que o júri para a premiação do troféu Gralha Azul, oficializado pela Fundação Teatro Guaíra, é arregimentado entre pessoas que possuem um bom nível intelectual, companham a produção local mas que, com raras exceções, não escrevem sobre as peças que assistem (**).
Várias razões são alegadas para justificar esta ausência de massa crítica em nossa imprensa. Desde a falta de interesse dos próprios veículos em remunerar profissionais competentes na área até um certo temor de examinar, com independência e coragem, a qualidade (quase sempre discutível) de nossos encenadores. Na generosidade com que medíocres e falsos valores surgem em nossos palcos, auto-tranformando-se em "diretores" e "autores" sem uma bagagem maior, estes elementos são incapazes de aceitar, democraticamente, comentários críticos. Partem, então, para a agressão pessoal, a ofensa, a calúnia contra o jornalista que não os aplaude. Com isto, nossa imprensa - embora generosa em divulgar as atividades culturais, abrindo espaços nobres, não dispõe de colunas críticas, que pudessem apontar falhas, fraudes e enganos artísticos. O que seria um serviço ao leitor/espectador - e beneficiaria a própria classe - pois o lixo que chega aos palcos, seria devidamente varrido - valorizando-se os talentos autênticos e que na verdade merecem reconhecimento.
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Como atividade paralela do Festival de Teatro de Curitiba, realiza-se, numa das salas do Solar do Barão, uma Oficina de Crítica Teatral coordenada pelo jornalista Aimar Labaki, ex-"Folha de São Paulo", ex- "O Estado de São Paulo". Pouco mais de uma dezena de estudantes de jornalismo - e apenas três profissionais, já formados (entre eles a jornalista Simone Camargo Dutra, com atuação regular em nossa imprensa) estão assistindo confer6encias, debatendo com encenadores e exercendo críticas práticas dos espetáculos que assistem (cada um pagou Cr$ 60 mil, com direito a ingressos para todos os espetáculos). Aimar labaki - vice-presidente da Associação de críticos e Pesquisadores em Artes Cênicas - mostra-se satisfeito com o nível dos participantes da Oficina, acreditando que entre os mesmos possa surgir ao menos dois ou três profissionais dispostos a encarar uma crítica regular. Desde que consigam espaços nos veículos locais de comunicação.
Enquanto não publicam na imprensa suas críticas, os trabalhos mais competentes estão sendo divulgados, em cópias xerox, nos painéis montados nos hall dos espaços em que o festival vem se realizando. Mostrando que há gente sensível e competente para escrever a respeito.
Notas
(*) Inaugurado em 19 de dezembro de 1954, com a peça "Os Inocentes" pela Cia. Dulcina-Odilon, o auditório Salvador de Ferrante passaria a ser ocupado, regularmente, por grupos amadores apenas a partir do segundo semestre de 1955.
(**) Do júri formado para a escolha dos troféus Gralha Azul, que se reunirá no final do mês, fazem parte uma diretora e dramaturga, Joana Rolim (também professora de teatro no Cefet), a professora universitária Marta Moraes; a ex-atriz Luciana Querubim, ativa dirigente sindical; o veterano diretor Armando Maranhão, coordenador do Museu da Fundação Teatro Guaíra; a pesquisadora e ex-diretora do Museu da Imagem e do Som, Marly Garcia Correa e a jornalista Dinah Pinheiro Lima, ligada ao teatro infantil e coordenadora de Comunicação Social da Fundação Cultural de Curitiba.
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