O tempo & as palavras impressas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de julho de 1984
A máquina do tempo é acionada com o simples ato de folhear as páginas das amarelecidas coleções de O ESTADO na divisão da Documentação Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná ou no arquivo da Editora. São quase 400 volumes - exatamente396 - cobrindo os 33 anos de existência de um jornal que, todas as manhãs, desde 17 de julho de 1951 chega às mãos dos paranaenses.
Para quem faz aniversário quase na mesma data - cinco dias antes, portanto também canceriano - e aqui passou já mais de 20 de seus 41 anos, a emoção é sempre grande ao se embarcar nesta máquina do tempo que é a redescoberta de um outro tempo nas noticias e fotos impressas no jornal.
Longe de qualquer pretenção cronológica-histórico - ademais impossível nos espaços reduzidos de meia página de jornal - um passeio pela máquina do tempo nesta Curitiba dos 33 anos viajados nas páginas de O ESTADO é uma sucessão de nomes, fatos & coisas que marcaram o dia a dia da cidade. A cidade que se transformou em sua fisionomia urbana, os novos traçados das ruas, as gerações que se sucederam, os homens e mulheres que, dentro de seus sonhos e idealismo, deram de si o melhor para a cidade de todos nós nestes anos todos. Mais do que a nostalgia e a saudade, a certeza de que acima das pessoas ficam os ideais, acima dos eventos oficiais, permanece aquilo que emana da vontade geral.
A tranqüilidade dos anos 50 -
Quando circulou o primeiro número de O ESTADO , funcionando então no velho casarão da Praça Osório, entre as ruas Visconde de Nacar/Comendador Araújo/Vicente Machado - e até hoje resistindo ao tempo (enquanto a Caixa Econômica, proprietária do imóvel não constrói ali um espigão), esta Curitiba tinha menos de 400 mil habitantes. Na Praça Osório ainda existia o velho coreto, no qual a banda de música da Polícia Militar fazia apreciados concertos e a Avenida Luís Xavier - que muitos insistem de chamar de João Pessoa - era adjetivada da Cinelândia, pois ali ficavam os principais cinemas da cidade - o velho Palácio, de Henrique Oliva; o Avenida, então arrendado a Paulo Sá Pinto da Empresa Cinematográfica Sul (que ainda hoje continua em nosso mercado cinematográfico, com o plaza), o Ópera - na época baseando a emergência Orcopa, de Ismail Macedo. O velho Odeon , onde ainda nos anos 50 seria construído o edifício Tijucas e, no início da primeira quadra, da Rua XV, o Broadway. O Ritz, Americana, Luiz, Curitiba, Marabá (hoje Bristou) eram outras salas de uma - época em que o cinema era um excelente negócio. Afinal, desde 1930 que a cidade não tinha mais um grande teatro - quando o velho Guaíra foi demolido - e as companhias de teatros que passaram pela Capital eram obrigados a fazer suas temporadas nos palcos do Palácio, Avenida e - Marabá. Ou seja: o teatro não representava concorrência aos exibidores, muito pelo contrário. A eles ficava uma apreciável parcela do que aqui faturavam.
Portanto, não é de estranhar que as páginas dos jornais da época trouxessem grandes anúncios dos programas da cidade. As grandes produções da MGM exibidas com exclusividade no Ópera, enquanto o luxuoso Avenida tinha a exclusividade das fitas da 20th Century Fox e Universal International. O palácio e o Luiz ficaram com os filmes da Columbia, Paramount e Warner Brothers. Ah! Por uma questão de justiça, é bom lembrar que numa época em que não existiam leis de proteção ao cinema nacional, o velho Henrique Oliva fazia questão de lançar em seus cinemas as produções da Atlântida, especialmente as estreladas pela dupla Oscarito e Grande Otelo. Recorda Zito Alves, já então uma eminência parda em nossa cinematografia:
- "O público aceitava bem estas fitas. Havia comédias nacionais que rendiam mais do que filmes estrangeiros".
O palco - Mesmo inexistindo um teatro oficial, era grande o movimento da ribalda paranaense. Mais de dez organizados e regulares grupos amadores se encarregavam de montar comédias, dramas, farsas e até operetas, levando-os a todos os auditórios disponíveis - no centro e em bairros. O Sesi, a partir de 1950, havia criado um grupo estável e uma escola de arte dramática - que durante toda a década de 50 foi o mais organizado e ativo núcleo artístico do Estado, conforme ainda recordava, há poucos dias, o teatrólogo Eddy Antonio Franciose, que dirigiu o TAS por seis anos, fazendo grandes montagens.
Ary Fontoura - hoje um nome global - a frente de sua Sociedade Paranaense de Teatro, ocupando o Teatro de Bolso (Praça Rui Barbosa), Armando Maranhão com o Teatro do Estudante, Telmo Faria a frente do Teatro do Colégio Estadual do Paraná - onde já batalharam os bravos Alouisio e Luciana Querobim, ainda hoje acreditando em nosso teatro. João da Glória, com o seu grupo montando "O Conde de Luxemburgo", "A Casa das Três Meninas" e outras operetas.
Outros grupos igualmente importante fazendo suas montagens - sempre amadoristicamente, mas com garra e entusiasmo. Um movimento tão salutar que recebia uma grande cobertura de O ESTADO, desde o seu primeiro número abrindo espaços para a arte, inicialmente setor coberto - por Rosy de Sá Cardoso, primeira jornalista profissionalmente atuante de nossa imprensa. Posteriormente, outros jornalistas cobriram a área, mas um dos que permaneceu maior tempo na frente da coluna "Roteiro Artístico - Cultural" foi Nelson Faria de Barros, que em 3 de julho de 1957, ao lado de outros colegas que faziam a crítica do teatro nos jornais "O Dia", "Gazeta do Povo" e "Diário do Paraná", fundada a Associação Paranaense de Cronistas Teatrais. Meister, não só vinha cumprir uma das promessas da campanha que o havia levado ao governo - mas atendia aos reclamos de uma população que efetivamente prestigiava o teatro que aqui se fazia. Um público fiel, capaz de enfrentar o frio de maio de 1957 e no inconcluido grande auditório do Guaíra - chamado de "Guairão", apelido que ficou - ter uma média de 1.200 pessoas por noite, para ali aplaudir a primeira montagem teatral apresentada - Ö Auto da Compadecida", de Suassuma - direção de Eddy Franciose, e com um elenco de jovens e entusiastas amadores - como Rubens Valdurga, José Basso, José Maria Santos, Lala Schneider...
As letras e as cores - O governador Bento Munhoz da Rocha Neto não se limitou a apenas construir o tão reclamado e desejado Teatro Guaíra - cujo pequeno auditório batizado Salvador de Ferrante, em homenagem ao pioneiro dos anos 20, foi inaugurado há 30 anos passados, com a temporada de Dulcina-Odilon. A Biblioteca Pública do Paraná também ganhou sua sede graças a visão cultural de Bento Munhoz, que ao lado da plataforma política e do Centro Cívico - obra grandiosa e que correspondia a uma Brasília para a estuperfata Curitiba dos anos 50 - entendia a necessidade de a Capital paranaense ter espaços para sua vida cultural.
A Biblioteca Pública, por sua localização e amplos espaços na época, hoje atrofiada e necessitando ampliação e de descentralização) - passou a sediar movimentos culturais paralelos. Grêmios literários de jovens - como o Dario Velloso, que viria a editar uma página em O ESTADO ("Geração 40"), foto-clube, o cine-clube que patrocinou os primeiros cursos de iniciação a cultura cinematográfica - como o que trouxe Hélio Furtado do Amaral (hoje professor na Universidade de Goiás) e cujos certificados jamais foram entregues aos 120 jovens que o freqüentaram.
A poucos metros da Biblioteca, nascia a galeria Cocaco - criada do entusiasmo do pintor Loio Pérsio, associado a Ennio Marques Ferreira e Manoel Furtado. Loio e Manoel trocariam Curitiba pelo Rio, mas Ennio aqui ficou, bravamente, participando de toda a nossa vida cultural nestas três décadas de transformações.
O ESTADO surgia nesta fase de transformações da vida cultural curitibana, com as primeiras experiências de uma pintura renovadora propostas por jovens inquietos - Fernando Velloso, Domicio Pedroso, João Osório Brezinski, Fernando Calderari, entre outros - que ganhariam espaço especiais e mesmo exposições promovidas por Aurélio Benitez, crítico de artes plásticas, redator de O ESTADO desde o seu primeiro número e que apartir de 1957, na irmã mais nova, o vespertino "Tribuna do Paraná", patrocinaria vários salões inovadores.
As letras e as cores da cidade entre tiveram sua multiplicação nas imagens do jornal.
O balanço dos 60 - Foram nove anos importantes os que podem ser marcados como da infância de O ESTADO. Uma infância responsável, pois desde o seu primeiro número a abertura era grande para todas as atividades criativas, mas sempre com responsabilidade. Ao chegar os anos 60 - novas transformações. A televisão chegava a Curitiba, no pioneirismo de Nagib Chede, fazendo as primeiras transmissões do Canal 12, do edifício Mariza, Rua Senador Alencar Guimarães e depois conseguindo o prodígio de instalar os estúdios em apenas doi kitinetes do edificio Tijucas. Alguns meses depois, e rede associada, com o canal 6, também emitia suas primeiras imagens. Em alguns anos, os reflexos se sentiriam: os grupos teatrais amadores foram se extinguido, com um aproveitamento de alguns atores e atrizes em programas de televisão (mas que perderiam seu espaço a partir do advento da era do vídeo-tape). Os programas de auditório das rádios Guairacá - A Voz Nativa da Terra dos Pinheirais - e a PRB-2 - a Líder - que vizinhas na Rua Barão do Rio Branco, disputavam audiência desde os anos 40, também entravam em declínio. As comunicações sofriam, enfim, mudanças estruturais - novos costumes, um novo comportamento se via na cidade.
A valorização urbana, construção de frande prédios - faziam com que antigos cinemas desaparecessem - América, Curitiba, Broadway, Ritz. Mesmo com a abertura de algumas novas salas - Lido, Vitória, Rivoli, Glória, São João - a crise dos cinemas viria a aparecer no final da década de 60, intensificando-se nos anos 70 - para chegar a triste situação dos anos 80.
Os grupos amadores se pulverizaram mas, em compensação, com o primeiro governo Ney Braga, o teatro Guaíra trazia um animador fluxo de renovação. Inicialmente pelo superintendente Fernando Pessoa Ferreira e posteriormente consolidado por Otávio Ferreira do Amaral Neto - o Teatro de Comédia do Paraná fazia grandes e históricas montagens - até hoje não superadas: "Um Elefante no Caos", "A Vida Impressa em Dólares", "Escola de Mulheres", "A Megera Domada ", "O Santo Milagroso", "Tio Vânia", "O Livro de Cristóvão Colombo". Era Fundado o Curso Permanente de Teatro, reestruturado o curso de danças clássicas - embrião do hoje badalado ballet Guaíra - e o TCP com montagens especiais percorria o Interior, levando bom teatro a cidades que nunca antes haviam assistido uma peça teatral.
Nos governos Ney Braga e Paulo Pimentel, o Teatro Guaíra - então ainda uma superintendência, sem a autonomia que desfruta hoje - participou ativamente do movimento cultural. Um trabalho criticado na época, mas hoje visto com saudades - especialmente pelo caos que sucede nos últimos anos.
O espetáculo não pode parar - Chic-Chic, é hoje apenas uma grande saudade e uma estrala no Céu de nossa infância. Os irmãos Queirolo desistiram da vida debaixo da lona, os tempos do amadores de teatro já se foram. Hoje mesmo os mais medíocres artistas e técnicos exigem status (e pagamentos) de (caros) profissionais. A televisão levou um público que antes lotava teatros e cinemas, mas a regra básica continua: o espetáculo não pode parar.
Por isto a cidade ganhou novos espaços - como o Teatro do Paiol, inaugurado pelos bons fluídos poéticos do eterno Vinícius de Moraes e Toquinho e Marilia Medalha na noite de 27 de dezembro de 1971; depois, após quase 30 anos, o grande auditório do Guaíra - merecidamente reverenciando o nome de Bento Munhoz da Rocha Neto - abriu com o musical-panorâmico "Terra de Todas as Gentes" de Paulo Vitória e Adherbal Fortes. O miniauditório Glauco Flores, o Teatro do Sesi, o Teatro Universitário, a reconstrução do Teatro de Bolso...
O cineclubismo foi substituído por uma atuante cinemateca e programações de qualidade em duas salas - Groff e Itália, mas sem o entusiasmo dos debates das gerações dos anos 50 e 60. As páginas e suplementos literários desapareceram da imprensa e há muito que mesmo os centros tradicionais de intelectuais já não tem mais a mesma cobertura que mereciam há 30 ou 20 anos passados.
Entretanto é preciso resistir. E isto O ESTADO faz, em seus espaços abertos (ainda) a cultura, procurando registrar o dia a dia da cidade, os homens, os fatos & as coisas.
Apesar de todo o progresso, dos computadores, da era da informática, e que fica mesmo para a história é a palavra registrada nas páginas dos jornais. Quem duvidar que compareça a Divisão de Documentação Paranaense da BPP e veja como os periódicos como fonte primárias e referênciais de qualquer pesquisa sobre o nosso passado.
Há 33 anos, para orgulho de quem ajuda a fazer O ESTADO, a coleção de nosso jornal é das mais consultadas.
FOTO LEGENDA1 - Na Cidade da Comunicação, o magestoso prédio do Jornal O ESTADO DO PARANÁ.
FOTO FEGENDA2 - O antigo Teatro Guaíra, em 1942, na Alameda Muricy.
FOTO LEGENDA3 - Nos anos 50, com apoio do governador Bento Munhos da Rocha, a construção da Biblioteca Pública...
FOTO LEGENDA4 - ...hoje é ponto de encontro de movimentos culturais.
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